Por DIEGO AGUIRRE*
É necessário avançar e não retroagir em defesa de um pacto que já não existe mais, forjado no período de redemocratização brasileira
O debate sobre a construção de uma Frente Ampla tem se intensificado diante da ameaça de ruptura democrática e do avanço do neofascismo. Este não é um debate novo. A frustrada Revolução Alemã (1928) dividiu o movimento operário durante a República de Weimar, aprofundando as diferenças entre social-democratas e comunistas, fortalecendo a chegada de Hitler ao poder na Alemanha em 1933.
Para enfrentar o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha, nasce a proposta de uma Unidade Operária contra o Fascismo, apresentada no 7º Congresso da COMINTERN.O comunista búlgaro Geórgi Mikhaïlov Dimitrov, secretário geral do Comitê Executivo da Internacional Comunista, proferiu histórico discurso em defesa desta tese, que ficou conhecida como Frente Popular. Diferente da leitura desviante, a defesa de Frente Popular não se tratava da defesa de frente com a direita tradicional e com seu bloco conservador. Consistia em uma posição tática dos comunistas junto a pior das ditaduras, a fascista, uma composição de unidade entre comunistas, socialistas e social-democratas.
O Brasil vive uma avançada ameaça de golpe por parte do governo Jair Bolsonaro. Sua política neofascista chegou ao poder pelas urnas, mas não se fez valer em sua totalidade, ainda, em razão do sistema de freios e contrapesos, que funciona de forma capenga desde o início do projeto golpista que tirou Dilma do poder em 2016, mas que até agora foi capaz de impedir as ameaças de ruptura democrática feitas por Bolsonaro e seu governo.
Em nome da unidade, contra um inimigo em comum, surge a proposta de uma Frente Ampla composta pelos mais amplos espectros políticos-ideológicos. Esta proposta tem apoio em setores da esquerda, bem como pelo centro e pela direita tradicional. E muitos, com honesta e genuína intenção de derrotar Bolsonaro, se deixam levar pelo “canto da sereia”. Outros, porém, oportunisticamente aproveitam tal movimento para capitalizar forças para seus projetos políticos.
A defesa da Frente Ampla apresentada até aqui compreende, substancialmente, em uma saída de caráter institucional e até eleitoral. Isto fica expresso no manifesto “Estamos Juntos’’, quando seu segundo parágrafo diz:
“Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação.”
O manifesto diz conclamar autoridades dos poderes instituídos, mas ignora a base da sociedade brasileira, a classe trabalhadora, os movimentos sociais, sindicais e seus demais instrumentos de luta. Faz uma defesa de uma saída por cima. A Frente seria “em favor de um projeto comum de país”, como diz o texto. Isto significa renunciar as pautas e bandeiras históricas populares e abraçar outro projeto. Os setores do centro e da direita estariam dispostos a renunciar às reformas que penalizaram os trabalhadores, por exemplo? A classe dominante renunciaria ao plano ultraliberal de Paulo Guedes em favor da unidade? Qual inflexão faria o “lado de lá”? O manifesto não apresenta nenhum ponto de inflexão por parte do campo conservador, pelo contrário ignora qualquer saída que inclua o povo e que anule as reformas antipovo patrocinadas por Bolsonaro e pela direita.
Quer dizer, a esquerda renunciaria seu protagonismo abrindo caminho para as forças de centro e da direita na disputa com Bolsonaro. Isto é, renunciar ao protagonismo da força trabalhadora. Isto se trataria de capitular em nome do bloco conservador brasileiro que reprime manifestações populares em São Paulo, governo Doria (PSDB), e, no Rio de Janeiro, governo Witzel-PSC.
Não há espaço para ingenuidades neste debate. Não somos 70% ainda, é preciso acumular forças juntos às camadas populares. Hoje Bolsonaro possui 1/3 de apoio entre os brasileiros, a esquerda possui outros 1/3, representada pelo PT, e os demais 1/3 estão dispersos. Há um interesse claro do bloco conservador de polarizar com Bolsonaro a disputa política, em desfavor da esquerda. E não há sequer um programa mínimo em defesa do povo no documento que impulsiona a Frente Ampla.
É preciso de unidade de ação em contraposição ao governo neofascista. Isto significa construir posições táticas frente as ofensivas da extrema-direita, quer dizer, uma unidade pontual diante de um perigo eminente. O que não significa a construção de “um projeto comum de país’’, como defende o manifesto “estamos juntos”.
É possível e urgente uma saída de unidade, construindo uma Frente Popular. Buscando atrair setores das classes-médias que se afastaram das pautas mais progressistas nos últimos anos, impulsionadas justamente pelo bloco conservador que é pai e mãe do contexto em que vivemos. Que patrocinou a desestabilização nacional, que criminalizou as esquerdas e subsidiou na mídia, no judiciário e nas ruas a derrubada de Dilma, a prisão de Lula, e, que abriu mares para a chegada de Bolsonaro ao poder.
A construção de uma Frente Popular passa, invariavelmente, pelo PT. Em razão de sua inserção social. Esta tarefa significa recuperar e reorganizar maioria junto às forças da classe trabalhadora. Atrair para a construção desta frente partidos progressistas que flertam com a construção de uma Frente Ampla composta em conjunto com frações da classe dominante.
É necessário avançar e não retroagir em defesa de um pacto que já não existe mais, forjado no período de redemocratização brasileira. Este pacto foi rompido com a escalada golpista. Está em jogo ressuscitar a “Nova República”, desejo expresso do bloco conservador, ou construir a derrota de Bolsonaro em conjunto de um programa democrático-popular que inicie um novo período.
Defender a tática ludibriosa de Frente Ampla contra Bolsonaro é abrir mão no futuro de uma saída à esquerda, um programa construído pelos setores mais avançados da sociedade, que apresente um plano de reformas estruturais. Mas neste momento é preciso acumular força entre os setores populares que possibilitem a queda de Bolsonaro e que convoquem novas eleições. As experiências históricas provam que só uma saída que inclua o povo é capaz de derrotar a extrema-direita.
*Diego Aguirre é membro do Diretório Municipal do PT de Uberlândia.