Influencer na Universidade pública

Foto: Alexander Grey
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Por JOHN KENNEDY FERREIRA*

Considerações sobre a performance na Universidade Federal do Maranhão.

Introdução

Ao contrário do que insinua Tertuliana Lustosa (no artigo “Educando com o cu”), a questão anal é um tema antigo, tanto quanto prazer, como pesquisa científica: o Imperador Júlio Cesar era conhecido como o melhor homem à suas mulheres e uma moça aos seus homens, o termo pederastia era o nome dado ao atual pedagogo, já que a educação na antiguidade envolvia relações entre mestre e aluno. Sócrates por exemplo, era um excelente pederasta.

No século XVI (Foucault), a “pederastia” foi meio que escanteada, mas continuou existindo, até mesmo “como” institucionalizada: os grumetes nas caravelas eram jovens que serviam ao alivio dos marujos. O poeta Walt Whitman, no século XIX fez diversas odes ao amor viril e Oscar White e seu texto de socialismo (1898), dedica uma parte ao prazer entre pares, um século antes, Marques de Sade em seus 120 dias de Sodoma, tem várias passagens sobre o assunto.

Penso que, quem abriu as portas para um debate científico foi Sigmund Freud nos “Primeiros Conceitos Psicanalíticos”, publicados entre 1893 e 1899; a primeira Constituição a aceitar a “questão homossexual” será a soviética de 1924 e pasmem… a medicina tem uma área que estuda o anus: proctologia. Ou seja, é um debate antigo, que tem milhares de contribuições. Dizer que é um tema tabu, é corroborar, com os estudos que mostram que os alunos (e também, parte dos professores), não conseguem ler um livro ou realizar uma pesquisa, ficando na esfera do senso comum, na extensão do próprio ego ou dos tik tok da vida.

Entre o público e o privado

Em 1936, a aula inaugural da Universidade de Salamanca foi invadida pelos soldados franquistas, tendo à frente general Millán-Astray que a plenos pulmões gritou “Abaixo a inteligência, viva a morte” o reitor, o filósofo Miguel Unumano, tomou a palavra e frente as armas e os cavalos, fez uma das mais belas e heroicas defesa da ciência e da Universidade.

Esse sentimento de morte da razão e ataque a ciência voltou forte pela direita com a crise civilizatória e do neoliberalismo nos últimos anos. A Universidade e a ciência passam por uma severa crítica e não foram poucos os ministros, secretários, órgãos de imprensa, intelectuais, políticos que lançaram suas armas e cavalos contra o conhecimento e a universidade como lugar de balburdia. Esse ataque à direita é mais recente, mas há também um ataque pela esquerda que vem da pós modernidade de longa data, com o relativismo do conhecimento e a impossibilidade de se conhecer a verdade, nesse pensamento tudo é conhecimento e saber. Tal adágio caiu como uma luva ao neoliberalismo e ao privatismo.

Confesso uma coisa, sou velho, sou da geração que formou PT, CUT, UBES, UNE, etc., que lutou (e luta) pelos direitos humanos, compreendendo que uma pessoa pode exercer sua individualidade (de orientação sexual , crença, etc.), sem incomodar e sem ser incomodado, para tanto o direito público deveria (e deve) proteger o direito privado

A Universidade é espaço público, local apropriado para o desenvolvimento do conhecimento e da ciência, você ter um curso sobre Marquês de Sade, não significa que praticaremos sadismo; Podemos estudar a queda de Roma, contudo, não significa que as pessoas devam fazer fellatio com cavalos ou tocar harpa enquanto Roma arde em chamas (vale para Amazônia e Pantanal hodierno);

Ou um curso sobre a inquisição sem que queimemos os alunos e colegas; ou estudos de drogas sem que precisemos ficar drogados… ou seja, universidade estuda, pesquisa e adquiri conhecimento sobre um assunto seja lá qual for, pode ser sobre travesti, trans, cu, naves espaciais ou câncer.

As manifestações individuais, como ser travesti, gay, prostituta neopentecostal, dentro de uma instituição apresenta-se como individuo diluído e institucionalizado. Explico: a travesti ou a puta não vão a universidade para fazer ponto, o drogadito não vai à universidade para vender ou comprar drogas, o religioso não vai pregar… vão lá para exercer o seu direito ao estudo, conhecimento e a ciência.

A universidade como qualquer instituição tem suas representações, nada impede que um centro acadêmico, sindicato ou o colegiado, reconheça o direito das mulheres ao voto, lutem pelo fim da escravização, seja contra guerra do Vietnã ou Gaza, pela discriminação das drogas, pelo direito ao corpo e etc.

A estudante que mostrou a vulva ao conservador Theodor Adorno, o fez num contexto: por que havia uma manifestação política para que fosse reconhecido o direito ao relacionamento entre casais nos dormitórios da Universidade de Nanterre. As moças que queimaram o sutiã de bojo na Universidade de Berkeley, o fizeram pelo direito da mulher ao seu corpo, os estudantes que lutaram contra a ditadura e ocuparam a reitoria da USP, o fizeram contra as regras educacionais autoritárias ou atualmente, os estudantes de boa parte do mundo que pixam muros e ocupam dependências de universidades para protestar contra o genocídio em Gaza, o fazem com objetivos políticos.

Todas essas manifestações foram políticas e passaram (e passarão), para história como sendo políticas, visando melhorias e reconhecimento de demandas reais do mundo acadêmico e da sociedade.

Fui no Rio em 1998 para participar de uma reunião e estava muito curioso para ir num pancadão funk, demonizado pela mídia conservadora, falei da minha vontade e dois companheiros me levaram num baile funk em Realengo/Madureira, ficamos umas duas horas, barulho ensurdecedor, cerveja quente… enfim, não vi nada demais, coisa de jovens pobres sem área de lazer.

Anos depois vi prefeitos, inclusive o Fernando Haddad, buscando organizar o espaço dos pancadão, firmaram acordos com clubes tradicionais e decadentes, muitos até fechados nas periferias, construindo um espaço adequado para que o barulho nas ruas fosse superado e as pessoas pudessem curtir e outras pudessem dormir tranquilamente.

Essa solução ao problema, foi mostrada através de um curta metragem, onde são ouvidos funkeiros (como os excelentes Claudinho e Bochecha), líderes comunitários, pessoas do bairro etc. O curta em questão era parte de um estudo da UFRJ, mas várias universidades desenvolveram estudos apontando soluções.

A moça, Tertuliana (possivelmente homenagem ao teólogo moralista e socialista cristão, Tertuliano), foi apenas hedonista e quis causar, e causou!!

Se ela e o grupo em questão quisesse fazer aquela performance num espaço privado, como uma casa, um buteco, cabaré, o problema seria deles, teria todo o meu apoio e solidariedade, mas quando lemos que “O evento tem como público alvo pessoas ativistas em movimentos sociais e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, docentes da educação básica e do ensino superior, estudantes do ensino médio, estudantes da graduação e pós-graduação, técnicos das instituições de ensino e profissionais da educação em gera” , numa Universidade pública é problema nosso!

No meu ancien ponto de vista, ela representou apenas uma faceta da hipersexualização colocada pelo neoliberalismo às mulheres (e demais grupos eróticos e identitários), além de ser um manjar dos deuses para os defensores do Novo Ensino Médio e da Escola Sem Partido.

No dia 17 de setembro, o grupo de extrema direita (olavista) “Brasil Paralelo” lançou um filme (bem feito), mostrando que o dinheiro público era gasto em besteiras como: drogas, sexo e qualquer coisa… menos com conhecimento e ciência. Ao mesmo tempo, mostra que os conhecimentos são adquiridos em universidades particulares (apresenta como contraponto o sistema privado dos EUA), aponta como saída a privatização das universidades brasileiras.

Essa moça e esse grupo de estudos reforçam os argumentos da extrema direita, pois na performance da moça não há pesquisa, não há nada que não seja a sua liberdade de opinião particular. A influencer, como qualquer hedonista quis e conseguiu adquirir “seguidores” para suas redes sociais, criando uma repercussão nacional. O político de extrema direita, Nikolas Ferreira (et caterva) lançou suas armas e cavalos e colocou a UFMA na Comissão de Educação, e irá a plenário da Câmara, situação séria.

Nas campanhas hiper difíceis onde há segundo turno entre esquerda e direita, a performance lacradora será propagandeada como exemplo de educação “de esquerda”. Para as pessoas simples, esse escárnio será mostrado como “sendo” o ensino na universidade, os envolvidos em questão, fortaleceram em nome de seu princípio egoísta e “anarcoliberal” , o privatismo.

*John Kennedy Ferreira é professor de sociologia na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).


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