Por CATHERINE L. BENAMOU*
Trecho do livro recém-editado
It’s All True, Orson Welles e a história do hemisfério
Desde que iniciei este projeto, esforços constantes para preservar e examinar trechos de It’s All True têm sido acompanhados por uma série de debates públicos, mais recentemente no Festival Internacional de Cinema de Locarno, onde dois rolos recém-preservados (de “My Friend Bonito” e “Jangadeiros”) foram exibidos em agosto de 2005, o que ajudou muito a incluir o filme na obra estudada de Welles enquanto autor.
Procurei, neste livro, utilizar essas descobertas ao lado de uma ampla gama de evidências selecionadas em todo o hemisfério, para resgatar, ressignificar e reapresentar a história e os contornos textuais de It’s All True como eles ganharam forma no início dos anos 1940 e como se mostram a nós hoje [1997].
Argumentei que esta história está profundamente inserida no estreitamento das relações interamericanas durante a Segunda Guerra Mundial e no gesto relativamente impassível que foi a tentativa, por parte de Hollywood, de incorporar e envolver as experiências e perspectivas latino-americanas em algo diferente de um modelo dominante/subalterno. Examinando esses capítulos, percebo que vêm à tona inúmeras contribuições artísticas e culturais, e percebo também que esclarecimentos históricos foram possibilitados pelo filme enquanto acontecimento e texto.
Primeiro, longe de representar uma anomalia no meio século de produção cinematográfica de Orson Welles, It’s All True deixou sinais indeléveis em suas obras posteriores – e não apenas por ser citado nos filmes subsequentes, nos quais surge como uma “alegoria” dentro de um comentário sobre o neocolonialismo americano (A dama de Xangai e A marca da maldade) e a transição para a modernidade na periferia do mundo europeu (Macbeth, Otelo e talvez Verdades e mentiras).
De um modo diferente de Cidadão Kane, o projeto plantou, para Orson Welles, as sementes das possibilidades estéticas e retóricas proporcionadas pelo documentário, que não assumiram apenas a forma dos seus aclamados “filmes ensaísticos”, dos quais It’s All True pode ser considerado o primeiro, mas também, de modo bastante literal, da epígrafe das imagens e técnicas documentais, começando com O estranho, que, segundo Peter Bogdanovich, foi o primeiro longa comercial americano a conter imagens reais dos campos de concentração nazistas,1 passando por A dama de Xangai, Otelo, Dom Quixote e Falstaff – O toque da meia-noite (para citar os filmes de ficção mais famosos), a Verdades e mentiras, Filmando “Otelo” e O outro lado do vento.
Nessa empreitada, é preciso reconhecer que Orson Welles tem uma dívida com os diretores de fotografia Gregg Toland, Floyd Crosby, George Fanto (que também filmou trechos de Otelo), Anchisi Brizzi (que trabalhara anteriormente para o diretor neorrealista italiano Vittorio De Sica), Rudolph Maté (que não recebeu o crédito em A dama de Xangai), Edmond Richard (em Falstaff – O toque da meia-noite, que também filmou O processo e foi determinante no aperfeiçoamento da câmera portátil de 16 mm Debrie), Gary Graver (Verdades e mentiras, Filmando “Otelo”, O outro lado do vento) e Michael Ferris (O outro lado do vento, que, assim como Graver, também trabalhou para John Cassavetes).
De forma menos evidente, mas igualmente decisiva, It’s All True permitiu que Orson Welles fizesse experiências com a filmagem em locação (utilizando ao máximo os detalhes locais) e tivesse uma abordagem colaborativa e internacional da produção cinematográfica, que se tornaria seu modus operandi depois que ele foi para a Europa em 1947, aproximando-o dos autores de filmes não americanos da era pós-industrial (o que Hamid Naficy chamou de “cinema com sotaque”),2 a começar pelos expoentes do Cinema Novo brasileiro.
Desse modo, de várias maneiras, e mesmo sem a vantagem do desfecho narrativo e da fixação de parâmetros espaçotemporais conferida à obra editada, It’s All True testou os limites da possibilidade de expressão histórica de Welles como diretor americano em solo americano. Como procurei demonstrar, isso tem menos a ver com a caracterização da conduta de Orson Welles como auteur terrible em relação a um estúdio cinematográfico que tinha sofrido queda de arrecadação nos anos 1930 e estava em processo de reestruturação do que com a interpretação de Orson Welles das – e seus projetos para as – relações interamericanas que assumiram a forma de um semidocumentário durante um período de mudança geopolítica e econômica global, acompanhada por um endurecimento do controle estatal do fluxo internacional de imagens na tela. It’s All True surgiu num período de intensa transformação do Estado-nação americano que incluiu, além de uma escalada da guerra, uma relação colaborativa inédita – embora nem sempre afinada – entre o governo americano e a indústria cinematográfica a respeito da concepção e da distribuição dos produtos de Hollywood sob uma nova política de solidariedade cultural e econômica com um mercado estrangeiro; o abandono gradual dos documentários socialmente progressistas em favor de uma mensagem de unidade democrática diante da agressão do Eixo; o surgimento de protestos públicos e os primeiros passos na legislação dos direitos civis para proteger as minorias étnicas contra a discriminação; a formação de circuitos globais de transmissão cultural através do uso das mídias de massa, principalmente do rádio; e a criação de medidas protecionistas para estimular e proteger o crescimento do cinema industrial latino-americano.
Quanto ao peso relativo do Estado, comparado ao sistema de estúdio, na moldagem da representação interamericana, é evidente que o Estado pode ter tido um peso maior, tanto “no chão” como “no ar”, depois que os filmes estavam prontos para serem distribuídos; ainda assim, os estúdios continuaram exercendo um poder de veto, que, como ilustra o exemplo de It’s All True, durante a guerra ainda estava profundamente vinculado a uma política de distribuição doméstica socialmente conservadora.
Além disso, apesar das tentativas do Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos (Ociaa) de aumentar o nível de autenticidade e sensibilidade cultural do cinema de Hollywood, para ajudar essa mesma indústria em seus esforços de exportação, o apelo simultâneo que representou o suspenso It’s All True para o pan-americanismo, para a consciência da diáspora africana, para a memória e a sobrevivência indígenas e para o ideal crioulo de pan-latinidade põe em evidência os limites econômicos da reciprocidade cultural (a América Latina continuava sendo principalmente um mercado de exportação, não um lugar para se criar uma indústria cinematográfica), assim como os interesses culturais e políticos ligados à representação racial e popular nos filmes que foram difundidos durante a Segunda Guerra Mundial.
É extremamente importante levar em conta como as regras do jogo referentes à representação cinematográfica nacional afetaram as condições da representação transnacional durante esse período. Em última análise, a mudança de foco da lente teórica e historiográfica do filme ao longo da linha divisória doméstico/ hemisférico provoca uma mudança de ênfase, que se afasta das divisões binárias da política do tempo da guerra (isolacionista versus patriótica, Aliados versus Eixo) e se aproxima dos problemas espinhosos, mas igualmente cruciais, impostos pela intersecção da política partidária e classista com a busca da igualdade racial e da solidariedade internacional.
Embora possamos perceber um elemento de censura politicamente consciente (que prefiro chamar de “gestos diplomáticos”) dentro do endotexto de It’s All True, principalmente quando se trata de referências diretas ao poder estatal mexicano e brasileiro, não resta a menor dúvida de que, tanto de forma concreta como de forma discursiva, o filme envolveu um esforço colaborativo e transcultural para tornar a palavra americanos mais inclusiva, ao mesmo tempo que identificou lugares e circuitos em que se poderiam expor e compreender diferenças socioculturais e explorar as bases para o diálogo.
Dentro do endotexto, o hemisfério se converteu num espaço quase sem fronteiras no qual identidades e formas de expressão cultural subalternas– suprimidas pelo colonialismo, pelo neocolonialismo e pelos processos incipientes de modernização – podiam ser afirmadas e compartilhadas sem passar necessariamente pelos canais oficiais de comunicação. Durante o processo, o pan-americanismo passa a ser definido como uma empreitada multilateral, não bilateral, na qual mexicanos, peruanos e brasileiros poderiam ter tanto a aprender uns com os outros como teriam a “exibir” aos norte-americanos curiosos e cansados com a guerra.
O progresso moderno e a democracia participativa são apresentados no filme como processos delicados que, para serem bem-sucedidos, precisam tomar como exemplo as iniciativas independentes oriundas das “camadas populares”, bem como do nível de poder do Estado. Em seu discurso narrativo e em sua composição estilística, It’s All True é um texto com uma dupla fissura: uma fissura que, ao interpretar ao pé da letra o código de equivalência e reciprocidade cultural, além da educação popular em diversas camadas, promovidas pelo Ociaa, recorreu ao estilo e à retórica de precursores documentais; ao fazê-lo, porém, também introduziu uma poética que fez que ele se desviasse da escaramuça entre formas modernas e artesanais no interior do país, afetando seu grau de “autenticidade”, como observamos no Capítulo 5.
A combinação inusitada de progressismo social e conservadorismo cultural realizada por Orson Welles – invertendo, assim, os termos que orientavam a política cultural do Estado e da indústria no México e no Brasil, como também nos Estados Unidos – fez que tanto o projeto como Orson Welles, enquanto autor, perdessem a sincronia com as formas dominantes e diplomaticamente legítimas do discurso público nas Américas durante a Segunda Guerra Mundial.
Ela também afastou o discurso interamericano do filme dos parâmetros rígidos do Estado-nação– que à época prejudicavam a diferenciação e a mudança gradual no nível popular. Podemos considerar que o equilíbrio entre o respeito pela soberania nacional (em alta durante a Política da Boa Vizinhança) e a busca por formas de expressão mais pluralistas e multiculturais no cinema (à revelia da cisão internacional-doméstico) dá conta de que uma “crosta” emergente entre o endotexto e o exotexto estava começando a demarcar os parâmetros espaçotemporais do filme – e, consequentemente, seus parâmetros histórico- culturais –, com consequências para o seu futuro ontológico e discursivo.
Se It’s All True poderia ter sido produzido em outro estúdio, como a Twentieth Century Fox, ou numa conjuntura diferente das relações interamericanas (no começo de 1941, por exemplo, quando o aperfeiçoamento das relações Estados Unidos-Brasil estava em alta, e Walt Disney tivera êxito nas pesquisas e na filmagem de Alô, amigos), ou num momento posterior da história do cinema, quando a tecnologia de 16 mm se tornou amplamente acessível e aceitável como um formato de produção profissional, jamais saberemos.
Mudanças organizacionais mais amplas na RKO e a reformulação discursiva de que o filme documentário deveria servir de imediato à segurança nacional e aos objetivos anti-Eixo também põem em dúvida se Welles teria conseguido salvar o filme se tivesse dado ouvidos aos avisos de Lynn Shores, Phil Reisman, George Schaefer e do campo integralista brasileiro, reformulando-o de uma forma que satisfizesse tanto aos protocolos do estúdio como à tendência conservadora dos ventos da política nacional.
Procurei mostrar que a suspensão e o abandono do filme não se devem a uma única causa; Orson Welles talvez pudesse ter superado uma ou duas fontes de dificuldade; no entanto, comprometer a integridade do que tinha sido filmado e como isso tinha sido configurado não teria sido compatível com a sua natureza.
Finalmente, não devemos desconsiderar a suscetibilidade do cinema à intensa supervisão institucional e à censura no longo prazo, quando comparado com o rádio e a fotografia, no âmbito da representação interamericana. No meio mais efêmero do rádio, Orson Welles podia propor novos termos para o diálogo interamericano sem correr o risco de ser censurado por apresentar “miscigenação racial”. À época, o gênero da pessoa também afetava sua visibilidade diante da censura, e, consequentemente, sua vulnerabilidade a ela.
Depois de nos compadecermos do extrovertido e hipermediatizado Orson Welles, que estava trabalhando com o meio de comunicação mais influente, considerado um reflexo do poderio e da fragilidade do moderno Estado-nação, não podemos deixar de nos admirar como sua colega Genevieve Naylor, que, como uma fotógrafa discreta, sem o peso de uma equipe técnica sobrecarregada, de penosas negociações a longa distância com os estúdios cinematográficos e a salvo dos holofotes do bombardeio midiático anti-Eixo e pró-Hollywood, foi capaz de continuar documentando, imperceptivelmente, o interior e as massas urbanas do Brasil, em seus momentos de trabalho e de lazer, e de conservar os frutos da sua expedição, que alcançaram as cobiçadas paredes do Museu de Arte Moderna de Rockefeller antes do final da guerra.
Quer queiramos interpretar a postura inflexível de Orson Welles em relação à escala, aos métodos e às preocupações socioculturais de It’s All True como corajosa e digna ou intransigente e contraproducente, por sua mensagem interamericana, suas estratégias de promoção da transculturação e sua exposição e suavização simultâneas das desigualdades sociais por meio da luz da nação moderna, It’s All True continua sendo um projeto bastante “pertencente ao” seu próprio espaço-tempo – e além dele.
A jangada como cinematógrafo
Dizem que quem descobriu o Brasil foi dom Pedro
[rei de Portugal]. Mas não foi. … No dia 23 de fevereiro
Colombo de Souza [um pescador] deixou Portugal.
Ele ia direto para a Índia, mas o vento estava
contra ele, por isso ele acabou navegando ao longo da
costa. … Quando era o domingo de Páscoa, ele chegou
aqui, no Brasil. O que aconteceu, então, a Colombo
de Souza? Ele morreu, coitado, na popa, sem nada.
Com todos a mesma coisa. Dom Pedro foi o único
que ganhou, porque ele era rei.
(José de Lima3)
No Capítulo 2, me referi às formas pelas quais a jangada, enquanto símbolo visual, ajudou a acrescentar a epígrafe de “história profunda” a It’s All True, um sinal para o espectador de que as bases do gesto corajoso que eles tinham acabado de presenciar iam muito além de um acidente de pesca ou da assinatura presidencial que permitiu que os jangadeiros tivessem direito aos benefícios da legislação nacional. Para as colônias de pescadores de Fortaleza, o filme de Orson Welles era menos determinante como um instrumento que oferecesse uma visão modificada da realidade vivida do que um instrumento que proporcionasse a possibilidade histórica de ampliar o horizonte geossocial, de modo que os jangadeiros pudessem continuar representando a si mesmos para o mundo e iniciassem um diálogo com outras comunidades.
Como a montagem das notícias no álbum de recortes de Tatá ilustra de maneira eloquente, a incursão de 1941 levou primeiro a uma reunião com o presidente do Brasil, depois a um encontro com as câmeras de uma equipe cinematográfica da RKO que tinha viajado milhares de quilômetros para levar um registro da viagem para os Estados Unidos, e dali para as telas do hemisfério todo.
Portanto, a história do filme nessa comunidade não surge apenas como um acontecimento singular e decisivo, mas como parte integrante de uma série de iniciativas arrojadas em que a jangada se transformava virtualmente num “cinematógrafo”, projetando uma imagem automoldada dos líderes jangadeiros na esfera geossocial externa, e levando para casa impressões da metrópole, o Rio de Janeiro, então a sede do poder nacional, junto com os acessórios trazidos pela modernização (incluindo a Coca-Cola). Descobriu-se uma dinâmica semelhante em ação na comunidade de criação de gado do centro do México, com o vaquero ligando a fazenda aos espaços abertos, e o toureiro atuando como um canal entre a hacienda rural e o espetáculo urbano coletivo, ambos com investimentos ligeiramente conflitantes no corpo e na personalidade do touro.
A história de como Jacaré e seus companheiros conseguiram uma audiência com um líder autoritário como Getúlio Vargas em 1941 merecia, de fato, ser contada: a viagem e a chegada foram registradas não apenas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda e pela imprensa nacional, e reencenadas por Orson Welles, mas também pelos membros da comunidade de jangadeiros, que reuniu os recortes de jornal para compor suas próprias montagens históricas do projeto de Welles em relação ao evento original. À época, as comunidades de pescadores de Iracema e de Mucuripe perceberam a incursão do mesmo modo que percebemos o texto fissurado e fraturado, mas ainda assim sobrevivente, de It’s All True: como um esforço que tem de ser renovado para continuar historicamente eficaz.
Durante meu trabalho com a história oral, descobri que a história de It’s All True era inseparável da história de como, em 1951, cinco jangadeiros (Jerônimo de Souza, Manuel Preto “Pereira” da Silva, Raimundo “Tatá” Correia Lima, Manuel Frade e João “Barrão” Batista) zarparam numa jangada para Porto Alegre, nos territórios meridionais do Brasil, provocando um intercâmbio cultural com os peões locais.
Em abril de 1959, quatro jangadeiros, Jerônimo André de Souza, Luiz Carlos “Garoupa” de Souza, José de Lima e Samuel Egídio de Souza, chegaram a Buenos Aires depois de realizar uma extenuante viagem de cinco meses, para estabelecer laços diplomáticos com o governo Frondizi.
No início dos anos 1960, Jerônimo foi desestimulado por Fernando Pinto a realizar outra incursão, dessa vez para Cuba, a convite de Fidel Castro, embora Tatá estivesse supostamente construindo uma nova jangada que o levaria, junto com outros, através do Canal do Panamá até Los Angeles, para visitar Orson Welles. Posteriormente, no final de abril de 1993, depois da filmagem das imagens documentais para uma versão reconstituída de It’s All True, quatro jovens jangadeiros, Edilson Fonseca, Francisco Ferreira, Mamede Dantas e Francisco Valente, zarparam da prainha do Canto Verde, perto de Fortaleza, numa jangada chamada S.O.S. Sobrevivência.4
Eles levaram seu protesto pela destruição das áreas de pesca e de residência comunitária pela pesca industrial e pelos interesses imobiliários ao longo do litoral brasileiro, até o Rio de Janeiro, tentando preservar um modo de vida que se encontra em vias de extinção. Os temores de Orson Welles em relação ao futuro dessas práticas artesanais devido à modernização realmente se confirmaram quando os jangadeiros deixaram o litoral e passaram a se ocupar de atividades menos gratificantes e mais precárias. Apesar das inúmeras transformações que ocorreram na cultura da jangada – a transição para jangadas de madeira mais leves e compactas, o advento das jangadeiras –, a indústria de pesca comercial, hoje acossada pelo turismo litorâneo, representa um enorme desafio ao sustento e ao bem-estar daqueles que optam pela pesca artesanal.5
No entanto, em 1993, só depois de enfrentar enormes dificuldades é que os herdeiros da viagem da São Pedro conseguiram falar com autoridades locais, e um pedido de audiência com o presidente da época, Itamar Franco, foi solenemente ignorado.6 O reconhecimento da identidade étnica dos povos litorâneos brasileiros e dos povos indígenas mexicanos e sua emancipação geral, no sentido iluminista, continuam sendo dificultados pelos termos restritivos que definem a cidadania nas esferas nacional e internacional.
Foi com essa emancipação em mente que Orson Welles propôs um modelo dialógico de intercâmbio cultural em It’s All True. Nesse contexto, somos tentados a perguntar qual poderia ter sido a natureza e a extensão da eficácia do filme no longo prazo se ele tivesse sido lançado no início dos anos 1940. Também podemos perguntar se essa outra vertente de “historiografia” reparadora– uma reconstituição coletiva e contínua da experiência histórica, aliada a uma montagem de itens de colecionador – é menos válida, instrutiva ou transformadora que o tipo de historiografia retomada neste e em outros relatos da expedição de Orson Welles.
De qualquer modo, com tantas gerações envolvidas pessoalmente na sobrevivência cultural, e com tanto material esperando para ser preservado, é provável que este livro não seja a última palavra sobre It’s All True.
*Catherine L. Benamou é professora do Departamento de Cinema e Estudos de Mídia da Universidade da Califórnia em Irvine. Autora, entre outros livros, de Transnational Television and Latinx DiasporicAudiences: Abrazos Electrónicos in Four Global Cities (Palgrave MacMillan).
Referência

Catherine L. Benamou. It’s All True – A odisseia pan-americana de Orson Welles. Tradução: Fernando Santos. São Paulo, Unesp, 2024, 504 págs. [https://amzn.to/4biKHvB]
Notas
1 Ver Welles; Bogdanovich, This Is Orson Welles, p.189.
2 Ver Naficy, An Accented Cinema: Exilic and Diasporic Filmmaking, p.19-36.
3 Entrevista com a autora, gravação em fita cassete, Fortaleza, Ceará, 2 nov. 1990.
4 A nova incursão foi apoiada principalmente pela organização não governamental de desenvolvimento comunitário Amigos da Prainha do Canto Verde, fundada em agosto de 1991 a alguns quilômetros a leste de Fortaleza, no litoral do Ceará.
5 Ver “Mulheres na tripulação de jangadas cearenses”, O Pôvo, Fortaleza, 11 jun. 1983, p.21.
6 Ver “Caymmi recepciona jangada que denuncia ameaça à pesca”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 jun. 1993, p.15.
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