O acordo de Escazú

Imagem: Jos Peñarán
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Por LISZT VIEIRA*

O Acordo de Escazú é um tratado regional sobre acesso à informação, participação pública e justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe

Pouca gente no Brasil está a par da importância do Acordo de Escazú para a proteção do meio ambiente no país. Isso é um dos sinais do desprezo da lógica capitalista dominante por um desenvolvimento sustentável com preservação ambiental, justiça social e respeito à diversidade cultural. Os programas dos partidos políticos, mesmo os de esquerda, tratam a questão ambiental de forma lateral, sem integrar o meio ambiente numa visão ampla e integrada de desenvolvimento sustentável.

O Brasil é quarto país do mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness. No ranking mundial, o Brasil somou 20 mortes no ano de 2020, ficando atrás apenas da Colômbia (65 mortes), México (30) e Filipinas (29). Um exemplo a ser destacado foi o triplo homicídio ocorrido na região de São Félix do Xingu. O crime ocorreu em 9 de janeiro de 2022 e as vítimas – uma família de ambientalistas da região – desenvolviam projetos de proteção a animais como tartarugas e jabutis. As vítimas são um homem conhecido como Zé do Lago, sua esposa Márcia e a filha do casal, Joene. Eles moravam na região há 20 anos.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as mortes por conflito no campo aumentaram 1044% em 2021. A violência nas cidades também vem aumentando nos últimos tempos, principalmente nas favelas e na periferia, mas não na relação capital-trabalho, pois não se tem notícia de operários urbanos assassinados por conta de conflito de trabalho, como ocorre com os camponeses, indígenas e ambientalistas na área de expansão da fronteira agrícola do capitalismo, ávido por recursos naturais.

O Acordo de Escazú é um tratado regional sobre acesso à informação, participação pública e justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe. Firmado em março de 2018, na cidade de Escazú, Costa Rica, o acordo visa promover a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos, fortalecendo a democracia e a transparência em assuntos ambientais.

 No contexto brasileiro, a implantação do Acordo de Escazú enfrenta desafios que ainda não foram superados. Com uma rica biodiversidade e uma vasta extensão territorial, o Brasil desempenha um papel crucial na proteção ambiental regional e global. No entanto, também enfrenta sérios problemas relacionados à degradação ambiental, desmatamento, conflitos socioambientais e violações de direitos humanos.

Uma das principais características do Acordo de Escazú é a promoção da participação pública em processos de tomada de decisão ambiental. Isso inclui o direito dos cidadãos de acessar informações ambientais, participar de consultas públicas e contribuir para a elaboração e implantação de políticas e projetos que afetem o meio ambiente. No Brasil, apesar dos avanços na legislação ambiental e no reconhecimento dos direitos humanos, a efetiva participação pública em questões ambientais muitas vezes é limitada por práticas burocráticas, falta de transparência, pressão contrária de empresas poluidoras e desigualdades socioeconômicas.

Além disso, o Acordo de Escazú destaca a importância da proteção dos defensores ambientais que frequentemente enfrentam ameaças e violência por defenderem o meio ambiente e os direitos das comunidades afetadas por atividades industriais e agropecuárias. No Brasil, a proteção dos defensores ambientais é uma necessidade urgente, especialmente em áreas onde o desmatamento ilegal pela pecuária, agronegócio, mineração e outros projetos impactam negativamente as comunidades locais e seus meios de subsistência.

Assim, em resumo, o Acordo de Escazú busca promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais e a proteção de defensores do meio ambiente. Trata-se do primeiro acordo ambiental da América Latina e do Caribe e o primeiro do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais. O acordo é fundamental para garantir uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva que garanta os direitos de defensores e defensoras ambientais da região.

O Acordo de Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e já foi ratificado por 15 países, incluindo Argentina, Chile, México e Uruguai. O Brasil ainda não ratificou o Acordo que, ignorado pelo governo anterior, foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional para aprovação em maio de 2023.

Em março de 2023, 145 organizações da sociedade civil, pediram ao governo brasileiro para impulsionar a aprovação do acordo. Dois meses depois, o governo Lula enviou o tratado ao Congresso, avançando em seu processo de ratificação.

No entanto, o Acordo encontra-se há dez meses travado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados, aguardando votação do parecer favorável do relator para prosseguir com sua tramitação no Congresso.

Para pressionar pela ratificação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional, foi formado o Movimento Escazú Brasil, composto por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo no Brasil, a participação qualificada da sociedade civil brasileira na Conferência das Partes (COPs) e em outras atividades relacionadas ao Acordo.

O Movimento Escazú Brasil tem três objetivos principais: (i) sensibilizar pessoas chaves e a população em geral sobre a importância do Acordo de Escazú; (ii) pressionar o Executivo Federal e o Congresso Nacional para a ratificação e a implementação do Acordo de Escazú, (iii) promover a participação da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs), principalmente na próxima COP 30 em Belém do Pará, em 2025.

A implantação do Acordo de Escazú no Brasil é fundamental para promover a proteção ambiental, fortalecer a democracia e garantir o respeito pelos direitos humanos. Isso requer um compromisso firme por parte do Governo, da sociedade civil e do setor privado em abordar os desafios ambientais de forma transparente, participativa e inclusiva, visando um desenvolvimento sustentável e equitativo para as gerações presentes e futuras.

Tendo em vista a grave crise ambiental que ameaça a sobrevivência da humanidade no planeta, face às mudanças climáticas, destruição da biodiversidade e dos recursos naturais bem como a poluição do solo e dos oceanos, a ratificação do Acordo de Escazú deveria ser prioridade do Governo antes mesmo da realização da COP30 em Belém, no próximo ano.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]


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