Jair Bolsonaro está brincando com a sua liberdade?

Imagem: RDNE Stock project

Por MARCELO AITH*

Soa no mínimo estranha a hospedagem do ex-presidente na sede da embaixada da Hungria, localizada no território brasileiro

1.

O jornal norte-americano The New York Times divulgou que o ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria. Ele permaneceu no local entre os dias 12 e 14 de fevereiro, portanto, logo após a busca e apreensão determinada pelo ministro Alexandre de Moraes (08/02), em pleno carnaval. O que pretendia Jair Bolsonaro com a sua hospedagem na embaixada?

Soa no mínimo estranha sua hospedagem na sede da embaixada da Hungria, localizada no território brasileiro. Conforme as imagens divulgadas, Jair Bolsonaro leva até seu próprio travesseiro para dormir no local. Não podemos nos esquecer que o ex-presidente mora em Brasília, local da sede das embaixadas de todos os demais países, o que torna ainda mais estranha a situação narrada pelo The New York Times.

Não causa estranheza, por outro lado, a escolha pela embaixada da Hungria, uma vez que a proximidade entre Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán é inequívoca.

Prova disso, para além das mútuas visitas entre os políticos, há que se destacar que o primeiro-ministro postou, em suas redes sociais, mensagem de apoio a Jair Bolsonaro, no dia da busca e apreensão (08/02), com os seguintes dizeres: “Um patriota honesto. Continue lutando, senhor presidente”.

Cumpre lembrar que a decisão do ministro Alexandre de Moraes determinou a entrega dos passaportes dos envolvidos, inclusive do ex-presidente, e proibiu que se ausentassem do país. Ao ingressar e permanecer na embaixada por dois dias, teria Jair Bolsonaro descumprido a medida cautelar diversa da prisão preventiva?

2.

Para responder essa indagação há de se entender a natureza jurídica da embaixada.

Pois bem. Em síntese, a embaixada é a representação oficial de um governo dentro do território de outra nação.

Extrai-se da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, em seu artigo 22, que: “(1) Os locais da Missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão. (2) O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer instrução ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade. (3) Os locais da Missão, seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”.

Portanto, a embaixada é um local inviolável, não podendo os agentes do Estado receptor ingressar em suas dependências sem a permissão do chefe da missão diplomática. No entanto, tecnicamente, a embaixada não é território estrangeiro.

Dessa forma, em uma análise preliminar, Jair Bolsonaro não descumpriu a determinação do ministro Alexandre de Moraes, na medida em que não deixou o território brasileiro, haja vista que a sede da missão diplomática não constitui extensão do território da Hungria.

Todavia, em que pese não restar demonstrado que Jair Bolsonaro se ausentou do país, a estadia na embaixada da Hungria, localizada na mesma cidade de sua residência, merece ser analisada “cum grano salis”.

Ao tomar essa medida inusitada de se hospedar, por dois dias, em uma embaixada estrangeira localizada no território brasileiro, Jair Bolsonaro sinaliza que buscava proteção de um aliado internacional, com escopo de ilidir eventual prisão preventiva.

3.

A conduta do ex-chefe de Estado brasileiro, por si só, pode resultar na decretação de sua prisão preventiva? Para responder este questionamento há de se examinar as causas autorizadoras da custódia cautelar.

A norma de regência das prisões preventivas estabelece, como é cediço, que “poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

Com efeito, para a decretação da prisão preventiva devem estar presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, ou seja, prova da materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria e o perigo atual gerado por estar em liberdade.

Nos fatos imputados ao ex-presidente, não deixam dúvidas da ocorrência dos crimes dos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, na espécie, bem como é patente a presença dos indícios suficientes de autoria. Cumpre examinar se em liberdade o ex-presidente poderia comprometer a aplicação da lei penal, fugindo do país ou se homiziando em uma embaixada de aliado internacional. Assevere que o risco de fuga deve estar fundado em circunstâncias concretas, não podendo ser presumido. Deve ser atual, ou seja, o risco deve ser presente, não pautado em circunstâncias do passado ou por suposições futuras.

A dinâmica dos fatos – busca e apreensão no dia 8 de fevereiro e hospedagem na embaixada da Hungria entre os dias 12 e 14 de fevereiro – indica que Jair Bolsonaro pretendia buscar asilo político, o que impediria a imediata aplicação da lei penal.

Naquele momento, a decretação da prisão preventiva era perfeitamente possível. Porém, ao deixar a sede da missão diplomática húngara, o risco da não aplicação da lei penal reduziu sensivelmente.

Cumpre agora, com um olhar para o momento atual, mensurar, com as cautelas de estilo, se há risco de Jair Bolsonaro se furtar da aplicação da lei penal, mediante a fuga para outro país ou o asilo na sede da embaixada de uma missão diplomática.

Para se decretar a prisão preventiva, em tese, deve estar evidente a possibilidade de Jair Bolsonaro empreender fuga. Qual a demonstração atual e concreta que o ex-presidente está em vias de se evadir do distrito da culpa? 

Aparentemente não há, atualmente, risco na manutenção em liberdade do ex-presidente. No entanto, nada impede que a Polícia Federal, diante de outros elementos, vislumbre risco atual e concreto para aplicação da lei penal com a permanência em liberdade de Jair Bolsonaro e represente pela prisão preventiva. O ministro Alexandre de Moraes, em decisão proferida na última segunda-feira (25 de março), determinou que Jair Bolsonaro esclareça os motivos que o levaram a se hospedar na embaixada húngara.

*Marcelo Aith é advogado criminalista com mestrado em direito penal pela PUC-SP.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
Frankenstein
30 Oct 2025 Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Guillermo del Toro, em exibição nos cinemas
2
Geraldo Vandré e Chico Buarque
28 Oct 2025 Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO: Do menestrel ceifado pela ditadura ao cronista das almas femininas, duas trajetórias que, em tons distintos, consagraram a canção como instrumento de resistência e de reinvenção da vida íntima
3
Riqueza é tempo livre
30 Oct 2025 Por THIAGO TURIBIO: A verdadeira riqueza, já tornada possível, reside no tempo livre para o desenvolvimento humano, e não na acumulação infinita de bens sob o jugo do trabalho mediado pelo valor
4
O Fédon de Platão
27 Oct 2025 Por PAULO MARTINS: Considerações sobre o diálogo de Platão, a partir de uma nova tradução recém-publicada
5
O papel social da leitura
28 Oct 2025 Por DÉBORA TAVARES: Mais que decifrar palavras, a leitura é um direito humano que organiza o caos interior e nos humaniza; sua negação, fruto de uma estrutura social desigual, é uma mutilação da personalidade e um obstáculo à emancipação
6
Duas faces do estado penal
01 Nov 2025 Por DOUGLAS MARTINS: A lógica que move essas operações é a do direito penal do inimigo. O inimigo é aquele a quem o Estado nega o estatuto de pessoa e de cidadão: ele não é punido — é eliminado. As operações não são atos de polícia, mas atos de guerra interna.
7
Palestina 36
01 Nov 2025 Por ALBERTO HANDFAS: O mandato britânico está na origem da opressão colonial de Israel na Palestina e do atual genocídio em Gaza. Novo filme palestino relembra o papel central do imperialismo no conflito
8
O valor é substância em Marx?
01 Nov 2025 Por ELEUTÉRIO F. S. PRADO: O valor na sociedade capitalista não é uma substância metafísica, mas uma medida real imposta por um processo social cego que transforma trabalhos concretos em trabalho abstrato, gerando uma objetividade espectral e coercitiva
9
Paris, Texas
27 Oct 2025 Por VINÍCIUS DE OLIVEIRA PRUSCH: Comentário sobre o filme de Wim Wenders
10
Sob o domínio do Comando Vermelho
31 Oct 2025 Por JOICE DE SOUZA SOARES: A letalidade que assola o Rio é menos uma guerra fracassada contra o crime e mais uma ferramenta política, onde corpos pobres são a moeda de troca para ambições de poder e narrativas de intervenção
11
A estratégia da barbárie: A chacina como contraofensiva da extrema-direita
30 Oct 2025 Por OSÉ MAURÍCIO DOMINGOS: Diante da perspectiva de derrota, a extrema-direita aciona seu projeto final: substituir a política pela barbárie, usando o cadáver do pobre como palanque para uma guerra pela alma do país
12
Chacina Policial no Rio: Fracasso Operacional, Sucesso Político?
31 Oct 2025 Por LISZT VIEIRA: Enquanto a letalidade seletiva poupa milícias e poupa líderes, ela sacrifica vidas periféricas no altar de uma reaparição política, transformando uma chacina em palanque
13
Sintomas mórbidos - o útero de Chronos
01 Nov 2025 Por OTÁVIO ALMEIDA FILHO: Sempre acho divertida a melancolia romântica daqueles que dizem que "adoram papel". Revelam o quanto ainda estão saudosistas dos papiros e das alergias provocadas pelos ácaros que proliferam nos papéis envelhecidos.
14
A gramática da guerra
01 Nov 2025 Por JALDES MENESES: Melhor seria invocar a adaptação/inversão de Foucault do “aforismo” de Clausewitz: magníficas, coligidas no livro Em Defesa da Sociedade: “A política é a guerra continuada por outros meios”
15
Racismo e política sustentam o massacre nas comunidades da Penha e do Alemão
30 Oct 2025 Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: A banalização do extermínio revela a farsa da disputa de narrativas, onde vidas negras são moeda de troca em um projeto político que transforma o racismo estrutural em estratégia eleitoral
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES