Por CELSO FREDERICO*
Ao debruçar-se sobre a obra de Croce, Gramsci procurava decantar ideias que iriam formatar as bases de sua própria concepção de mundo
O “problema crucial” do materialismo histórico – as relações entre a base e a superestrutura – é um dos eixos condutores da crítica de Gramsci a Croce. Diferentemente de Bukhárin, que Gramsci criticara por ser materialista mecanicista, o filósofo napolitano era um intelectual de extração hegeliana de espantosa erudição e autor de uma extensa obra que o consagrou como o mais influente pensador da Itália. Gramsci, que num período juvenil considerava-se “crociano”, voltou-se nos Cadernos para enfrentar o antigo mestre, a quem considerava “líder mundial da cultura”. Inspirado no “Anti-Dühring” de Engels, pretendia estabelecer as bases de um Anti-Croce, tarefa que “mereceria que um inteiro grupo de homens lhe dedicasse dez anos de atividade” (Cadernos do cárcere 1, 305, doravante CC).
Ao debruçar-se sobre a obra de Croce, Gramsci procurava decantar ideias que iriam formatar as bases de sua própria concepção de mundo. Mas, como estudar um autor? Referindo-se à obra de Marx, Gramsci fez um comentário que vale perfeitamente como roteiro para a interpretação de seus próprios escritos: “Se se quer estudar o nascimento de uma concepção do mundo que não foi nunca exposta sistematicamente por seu fundador (…) é preciso, antes de mais nada, reconstruir o processo de desenvolvimento intelectual do pensador dado para identificar os elementos que se tornaram estáveis e “permanentes”, ou seja, que foram assumidos como pensamento próprio, diferente e superior ao “material” anteriormente estudado e que serviu de estímulo; só esses elementos são momentos essenciais do processo de desenvolvimento. (…). A pesquisa do Leitmotiv do ritmo do pensamento em desenvolvimento, deve ser mais importante do que as afirmações particulares e casuais e do que os aforismos isolados” (CC, 4, 18 e 19).
O pensamento, contudo, não se desenvolve sozinho, mas, contrariamente, responde aos desafios postos pela história – e, em Gramsci, tais desafios giram em torno da revolução russa, da questão meridional e da ascensão do fascismo na Itália.
O “processo de desenvolvimento intelectual” levou Gramsci a confrontar-se com um autor erudito que também inseria na tradição dialética. O percurso de Gramsci, entre Bukhárin e Croce, lembra de certa forma os dilemas vividos pelo jovem Marx nos anos 40, quando procurava formular a sua teoria combatendo o legado da filosofia idealista-dialética de Hegel e o materialismo sensualista de Feuerbach.
Em vários momentos, Gramsci fez questão de reafirmar o caráter holístico de seu pensamento, como, entre tantos outros exemplos, numa passagem em que, discorrendo sobre as relações entre filosofia, política e economia, observou que se essas atividades: “são os elementos constitutivos de uma mesma concepção do mundo, deve existir necessariamente, em seus princípios teóricos, convertibilidade de uma na outra, tradução recíproca na linguagem específica própria de cada elemento constitutivo: um está implícito no outro e todos, em conjunto, formam um círculo homogêneo” (CC, 6, 209). Os melhores estudos sobre sua obra assinalam sempre que os diversos conceitos por ele empregados não são peças soltas, pois são recorrentes e integrados num “círculo homogêneo”.
A fidelidade ao materialismo, por sua vez, não permitia conceder autonomia aos conceitos, pois estes derivam de sua base material. A dialética, portanto, opera no interior da matéria social e não somente no plano conceitual, como pretendia Croce.
A partir da compreensão do marxismo como uma teoria totalizadora, materialista e radicalmente historicista, Gramsci dirige sua crítica à Croce e, através dessas críticas, foi decantando os elementos que se tornariam “estáveis” e “permanentes” na configuração de seu “pensamento próprio”.
O combate intelectual contra o antigo mestre mesclava teoria e política.
A forte presença de Croce na vida cultural e política na Itália era uma referência para as correntes liberais e para todo o pensamento idealista então hegemônico na Itália. Além disso, “Os textos crocianos de teoria da história deram as armas intelectuais aos dois maiores movimentos de “revisionismo” da época, os de Eduard Bernstein, na Alemanha, e o de Sorel, na França. O próprio Bernstein escreveu ter sido levado a reelaborar todo o seu pensamento filosófico e econômico depois de ler os ensaios de Croce” (Cartas do cárcere, 2, 188, doravante C).
Como um importante herdeiro da filosofia de Hegel, Croce apropriou-se a seu modo da dialética e de temas fundamentais do materialismo histórico. Num movimento simétrico, Gramsci também se apropriou de conceitos crocianos, traduzindo-os para o marxismo, como hegemonia, a revalorização da frente filosófica, a função dos intelectuais, etc. Estamos, assim, diante de um emaranhado de referências cruzadas. Defendendo o legado hegeliano, Gramsci o contrapôs à sua absorção pelo filósofo napolitano. A filosofia hegeliana, segundo Gramsci, é a expressão de um período revolucionário da história, marcado pela Revolução Francesa e pelas guerras napoleônicas, período de contradições e lutas que se refletiram diretamente no interior da dialética. Em Croce, contrariamente, as lutas sociais estão ausentes. Em sua Storia d’Europa nel secolo decimonono, Croce não trata da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas e, na Storia d’Itália dal 1871-1915, ignora as lutas do Risorgimento. Desse modo, ele “prescinde do momento da luta” e “assume placidamente como história o momento da expansão cultural ou momento ético-político”. Essa história cultural, despregada de sua base material, é puro idealismo, metafísica do Espírito que se desenvolve a revelia dos homens. Gramsci conclui dizendo que essa historiografia é “um renascimento da historiografia da Restauração adaptada às necessidades e aos interesses do período atual”; a historiografia de Croce, portanto, “é um hegelianismo degenerado e mutilado, já que sua preocupação fundamental é um temor pânico dos movimentos jacobinos, de qualquer intervenção ativa das grandes massas populares como fator de progresso histórico” (CC 1, 281 e 291). Por movimentos jacobinos entenda-se bolchevismo, lembrando que Lênin definia os comunistas como jacobinos estreitamente ligados à classe operária.
Para afirmar sua teoria e mantê-la longe dos “amigos materialistas da dialética hegeliana” (como diria Lênin), Croce precisou voltar-se contra a concepção hegeliana de dialética que expressava as contradições sociais de seu tempo, pondo em seu lugar “uma pura dialética conceitual” (C, 1, 246). Na Ciência da lógica, o movimento ininterrupto transformava a identidade em diferença, oposição e contradição. Croce introduziu um elemento atenuador, os distintos, conceito tradicionalmente adequado ao entendimento, à razão analítica. Na dialética dos distintos não se desenvolve o movimento contínuo de negação/superação, mas, ao contrário, permanece a coexistência das diferenças.
A dialética de Hegel sofre assim uma brusca modificação. Na nova versão de Croce: “a tese deve ser conservada pela antítese para não destruir o próprio processo”. Gramsci protesta contra o apaziguamento dos contrários, afirmando que na história real “a antítese tende a destruir a tese, a síntese será uma superação, mas sem que se possa estabelecer a priori o que será “conservado” da tese na antítese” (CC, 1, 292). Em outra passagem, acrescenta: “se é possível afirmar, genericamente, que a síntese conserva o que é ainda vital na tese, superada pela antítese, não é possível afirmar, sem arbítrio, o que será conservado, o que a priori se considera como vital, sem cair no ideologismo, na concepção de uma história com uma meta pré-determinada” (CC, 1, 395). Mas, o que é tão importante para Croce que precisaria ser conservado? Segundo Gramsci, seria “a forma liberal do Estado”.
A reformulação da dialética, seu “enfraquecimento” como afirmou Gramsci, estaria, portanto, a serviço de uma visão da história conservadora entendida como “revolução-restauração” ou “revolução passiva” – um reformismo que incorpora e conserva algumas demandas dos setores populares impedindo o acirramento dos conflitos. Croce desempenharia a mesma função de Gioberti no Risorgimento ao endossar a visão da história como dialética de “conservação e inovação” (Q 958), visão que expressa o temor ao jacobinismo, à presença popular “irracional”, à irrupção da negatividade. Gramsci compara essa deformação da dialética àquela praticada por Proudhon e criticada por Marx na Miséria da filosofia (C, 1, 292), em que Marx contrapõe a dialética hegeliana à interpretação de Proudhon. O princípio da contradição em Hegel foi reduzido por Proudhon “ao simples procedimento de opor o bem ao mal.” (MARX: 1982, p. 110). Sendo assim, não há rupturas (revoluções), mas ajustes, pois a contradição passou a ser entendida como antídoto. Para Marx, contrariamente, “é o lado mau que produz o movimento que faz a história, constituindo a luta”. A mesma ideia é endossada por Engels: “Em Hegel, a maldade é a força propulsora do desenvolvimento histórico (…) são precisamente as paixões más dos homens, a cobiça e a sede de domínio que servem de alavanca ao progresso histórico (ENGELS: 1963, p.190).
Em Proudhon e Croce a negatividade é neutralizada: revolução-restauração.
Além de conservadora, a concepção de história em Croce é abstrata – história do Espírito que se desenvolve desligada das condições materiais.
Nicolas Tertulian lembra uma passagem das Note autobiografiche em que Croce procurou defender-se das objeções feitas por aqueles que “continuam a pensar a história como luta cega dos interesses econômicos e como abuso (sopraffazione) perpretada por um ou outro partido, uma ou outra classe. Deparei-me várias vezes com a objeção de que meu conceito de liberdade estava em desuso (antiquato) e formal, e que era preciso modernizá-lo e lhe dar um conteúdo com a introdução da satisfação das exigências e das necessidades dessa ou daquela classe ou desse ou daquele grupo social. Mas o conceito de liberdade tem como único conteúdo a liberdade, da mesma forma que o da poesia unicamente a poesia, e se é preciso despertá-lo nas almas com sua pureza, que é seu vigor ideal, é preciso evitar confundi-lo com as necessidades e as exigências de outra ordem.”. (TERTULIAN: 2016, p. 264).
O sujeito da história em Croce, portanto, seria o universal, um universal que paira acima dos indivíduos? De fato, afirma Croce, “se se pergunta qual é o sujeito da história da poesia, não se responderá por certo Dante ou Shakespeare, ou a poesia italiana ou inglesa, ou a série de poesias que conhecemos, mas a Poesia, isto é, um universal; e à pergunta de qual é o sujeito da história social e política, não se responderá Grécia, Roma, França, nem Alemanha, e tampouco o complexo destas e outras coisas semelhantes, mas, a Cultura, a Civilização, o Progresso, a Liberdade, isto é, um universal” (CROCE: 1953, p. 48).
Luciano Gruppi comenta acertadamente que Croce põe no lugar da história efetiva “o conceito derivado dessas realidades, ou seja, a liberdade, a cultura, etc.; em suma, uma abstração” (GRUPPI: 1978, p. 48). Mas, na sequência, para criticar Croce cita com aprovação uma passagem do jovem Marx que, ainda sob a influência empirista e nominalista de Feuerbach, negava a existência dos universais. Embora longa, vale a pena reproduzi-la: “Quando, mexendo com realidades, maçãs, peras, morangos, amêndoas, eu formo a ideia geral “fruta”; quando, indo mais longe, eu imagino que minha ideia abstrata “a fruta”, deduzida das frutas reais, é um ser que existe fora de mim e, ainda mais, constitui a verdadeira essência da pera, da maçã, etc., eu declaro – em linguagem especulativa – que “a fruta” é a “substância” da pera, da maçã, da amêndoa, etc. Eu digo, portanto, que aquilo que existe de essencial na pera ou na maçã não é ser pera ou maçã. O que é essencial nessas coisas não é o seu ser real, perceptível aos sentidos, mas a essência que eu tenho dela abstrata e que eu lhe atribuí, a essência de minha representação: “a fruta”. Meu entendimento limitado, apoiado por meus sentidos, distingue, é verdade, uma maçã de uma pera ou de uma amêndoa; mas minha razão especulativa declara que essa diferença sensível é não-essencial e sem interesse. Ela vê na maçã, a mesma coisa que na pera, e na pera a mesma coisa que na amêndoa, ou seja, “a fruta”. As frutas particulares reais são apenas frutas aparentes, cuja verdadeira essência é “a substância”, “a fruta”(MARX-ENGELS: 1087, pp. 59-60).
Nessa crítica à autonomização do universal, Marx seguia a orientação de alguns jovens hegelianos que contrapunham a ela a presença sensível dos seres singulares (o “Único”, diria Stirner) e, assim fazendo, acabavam por negar a própria dialética. Depois desse período feuerbachiano, Marx reconciliou-se com a dialética afirmando numa carta a Engels de 9-12-1861 que Hegel “não qualificou nunca de dialética a redução de “casos” a um princípio geral” (MARX: 1976, p. 291).
Gramsci em sua luta pela “unificação cultural do gênero humano”, invocou o caráter universal da genericidade, mantendo-se assim longe do nominalismo (e, diremos nós, afastando-se de futuros intérpretes que o colocaram como precursor das “políticas da identidade”). A propósito do gênero humano, Gramsci fez a seguinte afirmação demarcando sua posição tanto do nominalismo quanto da autonomização do universal: “a “natureza humana” não pode ser encontrada em nenhum homem particular, mas em toda a história do gênero humano (…) enquanto em cada indivíduo se encontram características postas em relevo pela contradição com as de outros homens” (C, 1, 245).
Quanto a Croce, sua intenção não era a de fazer a história do universal, mas de conhecer o universal na história. O método da filosofia do espírito, segundo afirmou prevendo críticas, “nunca foi o da abstração e da generalização, mas do pensamento do universal que é imanente no individual” (CROCE: 1959, p. 13). Por isso, procurou distanciar-se das posições dualistas que separam o individual do geral, afirmando que “a verdadeira história é a história do indivíduo enquanto universal e do universal enquanto indivíduo. Não se trata de abolir Péricles ou Platão em benefício da Política, ou Sófocles em benefício da Tragédia”, pois quem elimina os indivíduos da história, elimina junto com eles “a própria história” (CROCE: 1953, p. 85). Percebe aqui a exclusão do particular e, com ele, as mediações sociais.
Acresce que ao entender toda a história como tese do presente, Croce se distanciou da tese marxiana da centralidade ontológica do presente, que o entende como resultado de um processo e não como vivência subjetiva, ideia. Lukács cita a propósito uma passagem em que Croce expressa com clareza o seu idealismo ao falar de alguns exemplos da temática da historiografia: “Nenhum desses exemplos me comove: e, por isso, neste instante, essas histórias não são história nenhuma; no máximo, são títulos de livros de história. Elas são história, ou serão, apenas para aqueles que pensaram ou pensarão a seu respeito; e, para mim, elas foram quando pensei a seu respeito e trabalhei com elas de acordo com minha necessidade intelectual, e voltarão a ser quando eu voltar a pensar a seu respeito” (LUKÁCS: 2011, pp. 223-4).
A história pensada é, assim, história das superestruturas (“ético-política” que se desenvolve a revelia da base material, representando “figuras” desossadas, sem esqueleto, de carnes flácidas e fracas, mesmo que sob as tinturas das belezas literárias do escritor”). (CC, 1, 309)
Gramsci, com o conceito de bloco histórico, procurava manter a base e a superestrutura unidas, evitando o determinismo da primeira (Bukhárin) ou a autonomia da segunda (Croce).
A autonomização da superestrutura, em Croce, levou-o a acusar Marx de defender uma explicação monocausal da história. A “neodialética” de Marx, segundo afirmou, teria substituído a Ideia hegeliana pela Matéria, concebendo assim a estrutura como um Deus oculto conduzindo a história (CROCE: 2007, p. 77). Gramsci considera improcedente a comparação: “Não é exato que na filosofia da práxis a “ideia” hegeliana tenha sido substituída pelo “conceito de estrutura”, como afirma Croce. A “ideia” hegeliana se resolve tanto na estrutura quanto nas superestruturas e toda maneira de conceber a filosofia foi “historicizada”, isto é, iniciou-se o nascimento de um novo modo de filosofar, mais concreto e mais histórico do que os precedentes” (CC, 1, 138).
Croce afirmara também o caráter de aparência que o marxismo, segundo ele, atribuiria à superestrutura, tendo como base de apoio o emprego da palavra anatomia para referir-se à infraestrutura. Mas, tal derivação metafórica (anatomia = ciências biológicas; economia = sociedade) precisa ser contextualizada. Segundo Gramsci, ela originou-se “na luta ocorrida nas ciências naturais para afastar do terreno científico os princípios de classificação baseados em elementos exteriores e frágeis. Se os animais fossem classificados pela cor da pele, do pelo ou das plumas, todos protestariam hoje. No corpo humano, certamente, não se pode dizer que a pele (bem como o tipo de beleza física historicamente dominante) seja mera ilusão, e que o esqueleto e a anatomia sejam a única realidade; todavia, por muito tempo, se disse algo similar”. (CC, 1, 389)
O materialismo histórico, segundo a interpretação de Croce, “separa a estrutura da superestrutura, remetendo vigorosamente desta maneira ao dualismo teológico (…). Isto quer dizer que a estrutura é concebida como imóvel, e não a própria realidade em movimento: que coisa quer dizer Marx, nas Teses sobre Feuerbach, quando fala da “educação do educador” senão que a superestrutura reage dialeticamente sobre a estrutura e a modifica, ou seja, não afirma em termos “realistas” uma negação da negação? Não afirma a unidade do processo real?” (Q, II, 854).
Observe-se aqui que o historicismo gramsciano, ao considerar a estrutura como a realidade do movimento, compartilha a opinião de Marx expressa nos Grundrisse, texto publicado quatro anos após a morte de Gramsci: “o capitalismo não é tanto uma estrutura quanto um processo”. Ambos antecipam-se assim às posteriores pretensões estruturalistas de privilegiar a sincronia.
Quanto ao papel ativo das superestruturas, Gramsci, numa outra passagem, retoma a afirmação de Croce segundo a qual, em Marx as superestruturas seriam “aparência e ilusão” para concluir: as ideologias são, contrariamente, “uma realidade objetiva e operante, mas não são a mola da história, isso é tudo. (…). Como Marx poderia pensar que as superestruturas são aparência e ilusão? Também suas doutrinas são uma superestrutura. Marx afirma explicitamente que os homens tomam consciência de sua tarefas no terreno ideológico, das superestruturas. (…) Se os homens tomam consciência de suas tarefas no terreno das ideologias, isso significa que entre estrutura e superestrutura existe um nexo necessário e vital, assim como no corpo humano entre a pele e o esqueleto: se diria um despropósito se se afirmasse que o homem se mantém ereto sobre a pele e não sobre o esqueleto, e todavia isso não significa que a pele seja uma coisa aparente e ilusória…” (Q, I, 436-7).
Por outro lado, o “nexo necessário e vital” reivindicado para manter unidas as duas instâncias do real levou Gramsci a apropriar-se criticamente do conceito soreliano de bloco histórico, entendido como “unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), unidade dos contrários e dos distintos” (CC, 2, 26). A totalização realizada pelo bloco histórico faz da distinção entre base e superestrutura uma afirmação metódica e não orgânica.
A junção das duas esferas sociais que o idealismo e o materialismo vulgar mantinham separadas será retomada, tempos depois, por diversos autores, como Raymond Williams e Guy Debord que, atentos ao avanço tecnológico do capitalismo e à mercantilização da cultura, constataram que a superestrutura tornou-se uma força produtiva.
*Celso Frederico é professor aposentado e sênior da ECA-USP. Autor, entre outros livros, de Ensaios sobre marxismo e cultura (Morula).
Referências
BOBBIO, Norberto. Profilo ideológico del ‘900 (Milão: Garzanti, 1995).
CROCE, Benedetto. Teoria y história de la historiografia (Buenos Aires: Imán, 1953).
CROCE, Benedetto. El carácter de la filosofia moderna (Buenos Aires: Imán, 1959).
CROCE, Benedetto. Materialismo histórico e economia marxista (São Paulo: Centauro, 2007)
ENGELS, F. “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”, in MARX & ENGELS. Obras escolhidas, vol 3 (Rio de Janeiro: Vitória, 1963).
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002, 6 volumes).
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del cárcere (Torino: Einaudi), 1975).
GRAMSCI, Antonio. Cartas do cárcere (Civilização Brasileira).
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci (Rio de Janeiro: Graal, 1978).
LUKÁCS, György – O romance histórico (São Paulo: Boitempo, 2011).
MARX, Karl. Miséria da filosofia (São Paulo: Ciências Humanas, 1982).
MARX-ENGELS. Anotaciones a la correspondência entre Marx y Engels 1844-1883 (Barcelona: Grijalbo, 1976).
TERTULIAN, Nicolas. Lukács e seus contemporâneos (São Paulo: Perspectiva, 2016).