Por ANA CAROLINA SOLIVA SORIA*
Não ao oportunismo, aos fatos impostos e à ruptura dos processos democráticos!
A Universidade Federal de São Carlos tem uma tradição de engajamento e luta em prol da democracia. Ela foi criada no conturbado ano de 1968, como a primeira Universidade Federal no interior de São Paulo. Até o momento, é, aliás, a única que não se encontra nas imediações da grande São Paulo. Enraizado nas lutas políticas pela anistia e pela redemocratização do país, o espírito libertário, vanguardista e democrático presente em sua história e de fundamental importância para a autonomia e excelência da pesquisa acadêmica, transborda para a região na qual ela se encontra e deixa sua marca inconfundível e indelével na sociedade. Não é raro acontecer de pessoas com papel proeminente na Universidade assumirem também um papel político de destaque, cujos exemplos máximos são os reitores Newton Lima e Oswaldo Barba, que se tornaram prefeitos de São Carlos e estão presentes na vida política da região.
Um dos signos democráticos e de modelo de autonomia universitária está presente no processo eleitoral de escolha de reitor e vice-reitor da Universidade. Ao contrário do que acontece em muitas Universidades Federais, em que os indicados para a lista tríplice (que é apreciada pelo presidente da república e de onde saem os regentes universitários) coincidem com os três primeiros candidatos da sondagem direta à comunidade acadêmica, na UFSCar, a indicação dos componentes da lista é feita pelo Colégio Eleitoral. Explico-me: realiza-se uma sondagem prévia à comunidade acadêmica, com ampla divulgação para inscrição de chapas e para participação de toda comunidade (entenda-se: docentes, técnicos administrativos e discentes), a partir da qual se indica uma das chapas como vendedora. Sem desconsiderar esta decisão, o Colégio Eleitoral, no âmbito do Conselho Universitário, forma uma Comissão Eleitoral que ouve os votos nominais dos membros do Colégio. Os três primeiros indicados nesta votação nominal figuram, segundo suas colocações, na lista tríplice.
Em agosto deste ano a UFSCar passou pelo processo de indicação de reitor e vice-reitor, processo, vale dizer, bem regimentado e em vigor há muitos anos na instituição. Três chapas se inscreveram na consulta prévia à comunidade, que elegeu com quase 70% a chapa 2, representada pelos docentes Adilson de Oliveira (candidato a reitor) e Maria de Jesus dos Reis (candidata a vice-reitora). Em reunião do Colégio Eleitoral, seguindo todos os ritos previstos pelo regimento da Universidade, os professores Adilson e Maria de Jesus tiveram também maioria nas indicações pelo colegiado e encabeçaram a lista tríplice. Outros membros da chapa 2 também foram indicados e figuraram na lista, segundo a ordem de classificação na votação nominal; os membros da chapa 3 e 1, que ficaram respectivamente em segundo e terceiro lugares na sondagem preliminar, não receberam indicações pelo Colégio Eleitoral.
E eis que aconteceu um fato inédito e gravíssimo de ataque à autonomia e liberdade universitárias: os professores Fernando Manuel Araújo Moreira e Fernanda de Freitas Anibal, que concorreram pela chapa 1 à consulta prévia (obtendo 9% do total de votos) e que não receberam indicação pelo colegiado, entraram com uma ação judiciária para anulação da confecção da lista tríplice. Afinados ao discurso de Weintraub, o ex-ministro da Educação que tentou impor a obrigatoriedade para todas as Universidades Federais de feituras de listas a partir dos resultados de sondagens diretas à comunidade acadêmica, desconsiderando o papel regulamentado do Colégio Eleitoral, os professores Fernando e Fernanda requerem a realização de novas listas, nas quais possivelmente seus nomes figurariam. Como resultado disto, o processo eleitoral na UFSCar está suspenso, até que se decida judicialmente sobre o mérito da questão. Esses fatos criam uma expectativa terrível: a da nomeação de um interventor para os cargos máximos da universidade.
Diante do clima harmônico e da integração entre as diferentes instâncias que tomaram parte no processo eleitoral, desde sempre reconhecido e respeitado, a tentativa de conturbá-lo ao se pretender diluir normas regimentais causa repulsa à comunidade acadêmica, pois fere todo um processo construído coletivamente e tenta calar a decisão dos 20.018 docentes, técnicos-administrativos e alunos que viram nos professores Adilson e Maria de Jesus os representantes de suas vontades. Fere também a decisão em maioria do Colégio Eleitoral e do Conselho Universitário. Que essas vozes não sejam caladas! Que a história dessa Universidade não seja maculada por esses ataques! Essa situação não é condizente com o espírito que norteou a criação da Universidade Federal de São Carlos e com o papel democrático que ela vem tendo nas cinco décadas de sua existência. E que se diga em alto e bom tom: Não ao oportunismo, aos fatos impostos e à ruptura dos processos democráticos!
*Ana Carolina Soliva Soria é professora Departamento de Filosofia da UFSCar.