Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO*
Estamos subjugados ao poder discricionário do Congresso Nacional e às suas peripécias demagógicas e inconstitucionais
1.
O orçamento anual brasileiro é elaborado pelo governo a partir da estimação de suas receitas e fixação de suas despesas. A peça é enviada para aprovação do Congresso Nacional por meio de um projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA). Para 2025, foram estimadas receitas no valor de R$ 5,8 trilhões existindo previsão de superavit primário de R$ 15 bilhões. Tais números foram resultado de ajustes introduzidos pelo Congresso Nacional. Os principais ajustes foram na arrecadação – correção do índice de inflação – e retirada de R$ 44,1 bilhões de pagamentos de precatórios, com base em jurisprudência do STF.
Constam do orçamento anual as emendas parlamentares, herança da Constituição de 1988, que devolveu ao Congresso Nacional a prerrogativa de alterar o projeto de Lei Orçamentária Anual, permitindo que deputados e senadores apresentem emendas para direcionar recursos a áreas específicas.
Atualmente, existem diferentes tipos de emendas parlamentares:
(i) Emendas Individuais (RP6): Apresentadas por deputados e senadores para atender demandas específicas de suas bases eleitorais. Tornaram-se de execução obrigatória (impositivas) a partir de 2015. Delas consta um valor para as chamadas “emendas Pix”, criadas pela Emenda Constitucional 105/2019, que permitem transferências diretas a estados e municípios sem vinculação a projetos específicos. Para 2025 foram aprovados R$ 19 bilhões para deputados e R$ 5,5 bilhões para senadores.
(ii) Emendas de Bancadas Estaduais e do Distrito Federal (RP2 e RP7): Apresentadas coletivamente por parlamentares de um mesmo estado ou do Distrito Federal, visando atender demandas regionais. Tornaram-se impositivas em 2019. Em 2025 foi aprovado o valor de R$ 14,3 bilhões para tais emendas.
(iii) Emendas de Comissões Permanentes (RP8): Propostas pelas comissões permanentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou mistas, direcionadas a áreas específicas de políticas públicas; estas não são impositivas. Em 2025 foi aprovado o valor R$ 11,5 bilhões para as emendas de comissões permanentes.
2.
Desde 2014 houve uma significativa evolução dos valores das emendas parlamentares no orçamento federal brasileiro como mostrado no quadro a seguir:
O avanço do legislativo sobre o orçamento público

Tipos de Emendas (Em 2025): Comissão 11,5; Bancadas Estaduais 14,3; Individuais (Deputados) 19,0; Individuais (Senadores) 5,5.
Esse aumento expressivo reflete mudanças institucionais e políticas que ampliaram o poder do Congresso Nacional sobre o orçamento, resultando em crescimento significativo das emendas parlamentares ao longo da última década. O valor aprovado para 2025 foi de R$ 50,4 bilhões, valor equivalente ao orçamento de investimentos do Governo Federal.
No gráfico apresentado, observa-se que o grande incremento de valor das emendas parlamentares ocorreu no segundo ano do governo de Jair Bolsonaro (2020) quando as emendas saíram de R$ 13,5 bilhões para R$ 35,9 bilhões (aumento de 165,92%). Os mandarins do Congresso perceberam a fraqueza e falta de princípios do governo de Jair Bolsonaro e testaram seus limites. Perceberam que eram totalmente frouxos. Então, adveio a apropriação pelo Congresso de parte significativa do orçamento público, com total omissão daquele governo, que já estava totalmente entregue às pressões e imposições do legislativo.
Daí em diante, a voracidade do legislativo só aumentou, já que o centrão e a extrema direita continuaram dominando a maioria do Congresso e impondo valores cada vez mais altos de emendas como contrapartida para aprovação do orçamento anual do país entre outras leis indispensáveis para a administração pública. Virou uma festa e quase todos os parlamentares passaram a se beneficiar, inclusive os progressistas. Lula tampouco teve muita capacidade de resistência. Os valores já estavam institucionalizados.
Restou somente a coragem do Ministro Flavio Dino e do STF, que insistiram em aportar transparência para as caixas pretas das destinações das emendas. Essa questão da transparência ainda não foi solucionada. As “emendas Pix” (RP6 de transferência especial), por exemplo, permitem repasses diretos a estados e municípios sem necessidade de especificar previamente onde ou como os recursos serão aplicados, o que dificulta o rastreamento e a fiscalização dos gastos.
Em 2012 o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais as emendas de relator-geral (RP9), conhecidas como “orçamento secreto”, exatamente pela falta de transparência na identificação dos parlamentares beneficiados e na destinação dos recursos.
3.
Em agosto de 2024, representantes dos Três Poderes firmaram um acordo para aprimorar a transparência, a rastreabilidade e a eficiência na execução das emendas parlamentares, buscando mitigar os problemas relacionados à falta de clareza na destinação e no uso desses recursos, o que deveria ser feito por ocasião do orçamento de 2025.
Resulta, entretanto, que o relator do Orçamento de 2025, Deputado Ângelo Coronel, no seu substitutivo, introduziu redação que “oculta” os nomes dos beneficiários das emendas – muitas vezes referidas popularmente como parte do “orçamento secreto” – agrupando-as sob um guarda-chuva sem identificação nominal dos parlamentares responsáveis. Embora o STF ainda não tenha se pronunciado formalmente sobre essa versão, há fortes indícios de que, se essa prática persistir, o Tribunal poderá, novamente, bloquear a liberação desses recursos por entender que a medida fere os princípios da transparência e publicidade no orçamento.
Em 2025, houve uma redução significativa das dotações orçamentárias dos Ministérios de Ciência, Assistência Social e Educação que perderam R$ 8,6 bilhões em relação ao projeto de lei enviado pelo Governo. Em contrapartida foram multiplicados os recursos que serão enviados pelos parlamentares para suas destinações preferidas: Saúde, Esportes, Agricultura, Turismo e Integração e Desenvolvimento Regional.
Nota-se que o governo Lula, assim como o de Jair Bolsonaro, onde tudo começou, continua sofrendo vigoroso achaque pelos mandarins do Congresso Nacional. E parece não lhe restar alternativa senão aceitar, em troca da governabilidade. E a única possibilidade de reação continua nas mãos do STF. Estamos todos na expectativa da posição do STF a essa provocação desqualificada do Relator do Orçamento.
Estamos subjugados ao poder discricionário do Congresso Nacional e às suas peripécias demagógicas e inconstitucionais. Consideram-se os todos poderosos pois continuam sendo capazes de enganar o povo brasileiro com suas prestidigitações. Mas esperamos, com toda nossa energia, que o STF imponha ordem nessas falcatruas, ainda que isso prejudique a relação entre executivo e legislativo. Que assim seja!
*Marcos de Queiroz Grillo é economista e mestre em administração pela UFRJ.
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA