Por MÁRIO MAESTRI*
E a oposição receita cloroquina eleitoral
O Brasil se encontra na UTI e as oposições colaboracionistas receitam como cura a cloroquina eleitoral. No final dos filmes policiais de série B, um acontecimento sempre esclarece quem foi o assassino. Pode-se, então, compreender tudo que ocorreu, do início ao fim no enredo pobre da película. No dia 1° de fevereiro, a eleição do deputado Arthur Lira, para presidente da Câmara dos Deputados, foi o amigo estraga-festa que teima em contar o fim do filme, tirando-lhe toda a pouca e pobre emoção.
Desde o início, o sentido do Golpe de 2016 era claro e límpido, não deixando surpresas para o fim. Entretanto, os golpistas e a oposição faz-de-conta se esforçaram, sempre, para esconder a identidade do assassinado e do assassino. Cada um por suas razões, no frigir dos ovos, não tão diversas. E os espectadores seguiram abestalhados o falso suspense desse filme de horror sem fim, que seguem nos apresentando como uma simples película policial.
Os executores do golpe disfarçaram o crime, para seguirem, impunes, verdadeiros assassinos seriais, marchando sobre os trabalhadores, sobre a população, sobre a nação. Fizeram e fazem tudo em proveito próprio, seguindo obedientes as ordens dos padrinhos de sempre, o grande capital e o imperialismo que, desta vez, querem ficar com tudo e não apenas abocanhar um naco, mesmo grandão.
As Oposições de Mentirinha
A oposição de mentirinha, no passado aparentemente poderosa, avança obsequiosa a farsa, como o fizera quando estava no governo supremo, sonhando e fantasiando voltar a ele algum dia, saiu do castigo, por bom comportamento. Não quer perder o atual papel de coadjuvante desprezado e humilhado, já que não é desprezível o cachê pela participação desqualificada, como oposição apenas consentida. Ninguém quer perder a teta quente, grande, pequena, insignificante.
Defenestrada do governo, em 2016, a oposição faz-de-conta, tradicional, vê, agora, a oposição moderninha, que se esforça para representar as classes médias ilustradas e se
despreocupa com os trabalhadores, procurar pescar no seu aquário, locupletando-se com sua infelicidade. Logo ela, sua irmã mais jovem, com a qual quebrou os pratos e se separou, há poucos anos. Faz tudo, a desgranida, para herdar o enxoval e o noivo da irmã mais velha traída, escorraçada do leito matrimonial.
A farsa é um enorme sucesso. Os espectadores permanecem esperando por um final feliz do filme de horror, em em estranha terceira dimensão, na qual os vilões canibais saem da tela para devorar, um por um, os ingênuos pagantes, cada vez mais assustados, mas imóveis, em suas poltronas incômodas, como mandam os lanterninhas, da velha e nova oposição, que dizer, sem parar: – Não se levantem.— Fiquem em casa. — Esperem as eleições!
Riscado e Cortado nos USA
O golpe se instalou em meados de 2016, servindo-se de instrumentos constitucionais fajutos, e avançou incessante transformações estruturais da sociedade e da nação, com voracidade pantagruélica. Tudo seguindo o figurino riscado e cortado nos USA, no governo de Barak Obama, como hoje sabem até mesmo os mais inocentes. Apenas as costureiras e os modelos que se refestelam nas passarelas são nacionais: os senhores generais; a grande mídia; a grande Justiça; a polícia federal; os políticos corrompidos; o empresariado enebriado pela instalação de escravidão assalariada.
A facilidade da vitória e da consolidação do golpe deveu-se a que todos os governos, desde a “redemocratização”, em 1985, aplainaram, alegres, o domínio do imperialismo e do grande capital sobre a sociedade e a nação. O capitalismo e o privativo fazem bem para a saúde. Em 2016, para não contrariarem suas naturezas de escorpião, aceitaram tudo sem mover um dedo contra o golpismo. Afinal de contas, não havia contradição de qualidade, para eles, entre o antes e o depois. E, no geral, ninguém questionava, o direito de seguirem parasitando o Estado e a sociedade, rebaixados à terceira divisão.
Após aceitarem gentilmente a deposição da Rousseff, que se comportou respeitosamente para com os golpistas, o petismo e seus puxadinhos denunciaram o governo ilegítimo de Temer, fechando os olhos para os ataques do golpismo em consolidação. O professor Haddad propôs mesmo que “golpe” fosse palavra forte demais para definir o que ocorrera. E na esquerda que se dizia revolucionária, não poucos negaram existir um golpe em curso, quando não o apoiaram, esbravejando revolução.
As eleições salvando a lavoura
O fundamental, agora, era recuperar as posições perdidas no jogo eleitoral. Preparar-se para as eleições de 2018, que faria com que tudo voltasse como era antes, disseram. E quando a população saiu às ruas gritando Fora Temer e promoveu greve bem sucedida, o próprio Lula da Silva gritou, com palavras claras, em Salinas, em Minas Gerais, o Fica Temer! Mandou a população de volta para casa, para preparar 2018, quando se voltaria aos maravilhosos tempos de seus governos. A vitória espera na esquina!
Escolheu-se como candidato um petista atucanado, com um programa mata-tesão e mata-mobilização no bolso. Entretanto, a oposição colaboracionista, a velha e a nova, conheciam também esta parte da película. Não havia razão para que os golpistas entregassem o governo, mesmo para o aguado petista, que prometia aceitar sem reclamar o modificado pelo golpismo, já que legalmente. Nada de revanchismo, companheiros.
Mas a oposição colaboracionista, a velha e a nova, continuaram com a farsa, prometendo um happy end impossível. E o resulto foi o script definido já em 2016, como estava inscrito nos astros. Abuso financeiro. Facciosismo da mídia. Desrespeito à legislação eleitoral. Intervenção da Justiça Eleitoral e dos senhores generais. Cômputo dos votos pelos golpistas. Um verdadeiro banco de sangue guardado por vampiros com anos de abstinência.
O nascimento do ogro
Os golpistas lavaram a égua. Deitaram e rolaram A única falsa surpresa foi o monstrengo eleito, nascido da anti-política, acariciada, havia muito, pela oposição que gosta do capital, viciada no exercício do poder e em suas benesses. Então, Haddad, Boulos e Lula curvaram-se obsequiosos, reconhecendo e legitimando eleição em tudo ilegal. Como o show tem que continuar: a oposição colaboracionista lambeu as feridas, alegre com os governadores, senadores, deputados eleitos. Não tantos como ontem, mas que serão muito mais, amanhã, se espera e se promete.
Bolsonaro, o monstro, foi maná dos céus para a oposição engana-bobo. O golpe e os golpistas foram esquecidos e negados. O único que interessava, agora, era vencer o Ogro e suas hordas que avançariam matando esquerdistas, negros, gays, mulheres, lésbicas, intelectuais. E, para tal, impunha-se uma ampla frente patriótica, capaz de acolher os “golpistas anti-fascistas” e “democráticos”. Ou seja, espécie de galinha com chifre, que dizem, ter existido em passado mitológico, ao lado dos unicórnios, dos lobisomens, da mula-sem-cabeça.
Era, portanto, necessário, um programa apenas democrático, que prometesse não tocar em nada que fora arrancado pelo golpe aos trabalhadores, à população e à nação. Como na transição de FHC-Lula da Silva, o perdido, perdido estava. Nada de revanchismo, companheiros. A população, devia “seguir em casa”, preparando as eleições municipais de 2020, ensaio geral da grande vitória, em 2022. Então, venceria a democracia ameaçada pelo fascismo bolsonarista.
Salvar vidas, fiquem em casa
Apesar de trágica para a população, a pandemia foi uma mão na roda para o colaboracionismo. Ele saiu a gritar: — Salvar vidas! — Fique em casa!— Escreva no Face, no Tuíte, no WhatsApp. — Faça lives!—Bata panelas, nas janelas! Mas fique em casa! A palavra de ordem foi ampliar a frente democrática, popular, patriótica, para 2022. Cortejar a dita direita anti-fascista, os tais de generais racionais, todos unidos contra o Chupa-cabras. Todos os que pousavam de não negacionistas passaram a ser companheiros. Sobretudo quando usavam máscaras. Lula, Dino, Boulos, a oposição de todos os sabores, saudaram o Dória, o Witzel, como administradores exemplares contra o covid-19.
Dória, Witzel, Rodrigo Maia … bons nomes, para o segundo turno de 2022! E, assim, na surdina, a oposição colaboracionista, a nova e a velha, deixou de propor a ampliação de sua campanha com a incorporação de uma facção de “direita golpista anti-fascista”. Aceitaram e passaram a propor à patuleia brasileira trucidada pelo golpismo, que se constituísse, apenas, como a facção de esquerda do bloco direitista “anti-fascista”, dos golpistas ditos gentis e racionais.
Por essa nova estrada se triunfaria em 2022! Quem, não diziam. Mas antes, o fundamental era abrir o caminho, em novembro de 2020. E como estava igualmente determinado pelo roteiro golpista, as eleições foram um enorme desastre. Outra vez, a direita e o golpismo ganharam de goleada. Um vexame. Mas a derrota foi festejada como vitória, pelo colaboracionismo, o tradicional e o novo. Sobretudo por que foi um ensaio geral de sucesso para 2022.
Todos contra o Ogro
A Frente anti-Ogro funcionou. Um passo histórico! — gritaram. O colaboracionismo, novo e velho, e movimentos reivindicando-se do marxismo, todos, chamaram a votar no segundo turno em candidatos direitistas escarrados. Ou em colaboracionistas desvergonhados, que concluíram a campanha rastejando diante do capital, pedindo votos e água. A festança dissoluta foi realizada no Rio de Janeiro, em Fortaleza, em Recife, em São Paulo, em Porto Alegre e por aí vai. Todos contra os candidatos do Vampiro-Mor. Mesmo ali onde não tinham qualquer possibilidade de vencer.
E o PSOL festejou, alegre, a eleição de alguns vereadores identitários negros, gays, lésbicas, trans! Com os salários elevados. Com os múltiplos assessores. Com o telefone, a gasolina, o correio livre. Com todas essas benesses do Estado, pra que organizar partido pela base, repartindo com ela perigosamente as decisões dos iluminados da direção. E o massacre seguiu, sem a mais mínima modificação, com uma população já acostumada a ficar em casa e se acostumando a ter que entregar os próprios dentes!
Mas a grande vitória fora alcançada. O povo de esquerda votando em direitistas, no segundo turno, aceitando como irremovível tudo o que o golpismo fizera e faria. Todos, contra o Ogro e a barbárie fascista que ele -e apenas ele- personifica. E, agora, em um verdadeiro ensaio geral, avançaria-se um passo mais, com a eleição para a presidência da Câmara do candidato do Rodrigo Maia, consagrado golpista – ao lado do Dória, é claro. Bom nome para o segundo turno de 2022!
E agora, Jose!
Todos os partidos da oposição me-engana-que-eu-acredito embarcaram-se no projeto da eleição do Baleia Rossi, pra lá de difícil de ser apresentado, e engolido, como democrata-golpista. É sempre bom lembrar seu voto, quando do impeachment — https://www.youtube.com/watch?v=nV-iIl-SRGA Uma facção do PSOL exigiu um candidato puro-sangue, todo puro, -logo a Erundina!-, para o primeiro turno, é claro. Depois, todos sufragariam, no segundo, no golpista, como o simpático mamífero marinho que tem por nome, anfíbio no passado distante.
Com uma presidência da câmara amiga, seguiria-se a farsa do impeachment, impossível de ser acatado e ainda mais votado, e, sobretudo, partiria-se para a escolha dos candidatos para o primeiro e, sobretudo, o segundo turno, em 2022. O Ogro seria derrotado e o novo presidente, golpista civilizado, governaria sobre o país estropiado para sempre. Mas a vida político-parlamentar seguiria. Fazendo o seu sucessor, Rodrigo Maia se colocaria, com Dória, na primeira fila dos “golpistas democráticos” da oposição engana-bobo.
Deu no que deu, no primeiro turno Sem cerimônia, o golpismo parlamentar contou o fim do filme, desde sempre sabido, do início ao finzinho. Ao menos, o fim da Primeira Temporada (2016-2022). O que foi, porém, um golpe, para o eleitorado engambelado pela oposição obediente ao capital. Estava revelado o segredo. Não adianta espernear. Não há “direita democrática” ou futuro eleitoral pro anti-golpismo, mesmo aguado, no estilo do leite em saquinho, clarinho, clarinho, clarinho, como diáfano véu de noiva.
Um golpista declarado
A eleição foi vencida por Arthur Lira, dos ditos Progressistas, partido descendente direto da ARENA e do PDS. Venceu o candidato bancado pelo golpismo, pelo Centrão, pelo DEM e, sobretudo, por Bolsonaro. Por esmagadora maioria, 302 votos, contra os 145 votos do Baleia Rossi. Foi pronunciamento cabal do grande bloco parlamentar em favor da continuidade do golpe, com modificações e retoques políticos super-estruturais, difíceis de prever.
Naufragou o proposto sonho da oposição “me bate que eu gosto” de aliança com a direita e os golpistas promovidos sem merecimento algum a democráticos. O mundo parlamentar brasileiro, corrompido à medula dos ossos, seguiu e festejou a sua natureza de escorpião. A encenação de afastamento constitucional de Bolsonaro bichou para sempre. Não há creolina eleitoral que destoque o verme, cure a bicheira fedorenta. Se Rodrigo Maia sentou-se em cima, obediente, do impeachment, imagine-se o que fará Arthur Lira!
Entretanto, pede-se que o espectador siga firme na poltrona, sem se mexer, mesmo conhecido e conhecendo o triste fim da dramática farsa política, que o esmaga. A derrota eleitoral do golpismo em 2022 é miragem no deserto, fábula colaboracionista para adormecer a população maltratada e humilhada. Mas o golpe foi ainda mais duro. Desde junho de 2019, os generais impuseram o veto ao impeachment, associado à proposta de domesticação de Bolsonaro.
Bolsonaro sem bolsonarismo, ou quase
Bolsonaro ficou sob a proteção militar e foram nomeados ministros palatáveis, nas Comunicações, na Educação, no STF. O Olavinho sumiu no éter, perseguido pelas dívidas judiciais. Damares se eclipsou com sua mamadeira de piroca. Os ogrinhos, em surdina, levantam a cabeça, grunhem um pouco, e voltam a se esconder. A vitória de Joe Biden Junior reforçou a pacificação da Besta, produto do golpe de 2016, planejado na administração Obama.
O avançar descontrolado da pandemia obrigou Bolsonaro a rasteja em direção da China, prometendo abrir para a Huawei. O Centrão, sustentando o governo, agora sem a intermediação do Rodrigo Maia, exige a cabeça do Eduardinho, nas Relações Exteriores. O Salles está também com a cabeça à prêmio. O deputado federal bolsonarista Daniel Silveira não compreendeu a mudança da música e bailou na curva. A palavra de ordem é manter e radicalizar os ataques golpistas, sem extravagância.
Bolsonaro abandona o bolsonarismo, viés ideológico extremado sem saída, para se transformar cada vez mais em apenas um governo da direita golpista e entreguista radicalizado, sob o beneplácito do Centrão, do grande capital, do imperialismo, hoje democrata. Prepara candidatura para 2022, com um vice como Antônio Magalhães Neto. O presidente do DEM que vendeu Rodrigo Maia por bem mais do que trinta moedas de prata. Bolsonaro teme se transformar em um Temer, um Moro, um Rodrigo Maia, protagonistas excelentes, descartável, com data de uso limitado. Ontem, eram tudo, hoje, quase nada.
Nada de novo no front
No Mundo, o imperialismo estadunidense apresenta uma nova temporada, da mesma séria, estreando como protagonista um galã, democrata e identitário, meio desconjuntado, com passado de bandido, tendo como coadjuvantes antigos sicários. E enorme parte da oposição e da esquerda brasileira aplaude excitada. Caiu a Besta deles! Caiu o Chupa-Cabras topetudo! No Brasil, ao contrário, o golpismo estreia apenas mais um episódio, da mesma temporada, com enorme audiência pagante. O enredo e os protagonistas seguem os mesmos — os generais, os parlamentares, a Justiça, a grande mídia, todos, disciplinados, avançando o arrasamento geral do país.
A autonomia do Banco Central foi aprovada em um vapt-vupt. Logo virá a reforma administrativa, a tributária, a eleitoral. A liberação geral da mineração, da grilarem, das grandes e gerais privatizações. O fim de qualquer indústria de ponta. Apenas minérios, graus, energia. Os trabalhadores e assalariados, com ou sem carteira, serão espremidos até o tutano, em casa, de preferência no Home office, onde o capital não gasta eletricidade e ninguém controla o respeito ao horário de trabalho. Até 2022, o moedor de carne golpista transformará para sempre a população e o país em um mingau.
O colaboracionismo sentiu o golpe, mas se aprumou. Fez como se tudo seguisse igual. Apontou para 2022, preocupado com o que lhe interessa: eleger alguns governadores, senadores, deputados federais, de preferência identitários, que, como os de agora, pouco se diferenciarão dos golpistas. O poder corrompe, sobretudo quando é pouco! Lula da Silva deu o ponta-pé inicial do segundo tempo da farsa, nomeando Haddad como candidato oficial. O Partido dos Trabalhadores foi informado pelos jornais.
E nóis, gente!?
Incontinenti, o PSOL e o Boulos gritaram, indignados, com Lula e Haddad: — E eu, e nóis, gente, como ficamos nessa! Ficamos fora do trenzinho da alegria eleitoral?!? E, para disfarçar o mandonismo colaboracionista, Lula da Silva, ao nomear seu paladino dourado, senhor de tantas derrotas vergonhosas e fugas diante do inimigo, verbalizou que o povo deve ir pra ruas, convidando-o para uma festa sem local e data marcados. Ou seja, tudo de mentirinha.
A crise avança a trote-galope. A autonomia nacional evaporou-se. A escravidão assalariada se consolida. O desemprego explodiu. A pandemia e a mortandade radicalizam. O que nos espera é talvez inimaginável. A mídia festeja: vacinou-se, um, dois, quase três por cento da população! Com uma primeira dose, é claro. —Fiquem em casa! — Esperem a vez! – martelam. Não dizem que, se continuar assim, levaremos mais de dois anos para imunizar parte significativa da população. Período em que seremos assaltados pelas variantes novas do vírus e pelas que nos espreitam na esquina.
A consigna vacinação para todos é engana-bobo, caso não se exija, no aqui e no agora, a quebra das patentes e a produção nacionalizada maciça, inimagináveis ao golpismo e ao colaboracionismo. O capital tem que ser respeitado. Não provoque, companheiro. As vidas, quem se importa com elas? As organizações sociais e o sindicalismo estão agônicos, desorganizados, castrados pelo colaboracionismo, que segue mandando todos ficarem em casa. Esperando as eleições de 2022. Propõe-se, agora, carreatas e bicicletadas, para não dizerem que a oposição não se move. Entretanto, hoje, ela é apenas um waltk dead, sem rumo, preocupado apenas em se alimentar com carne fresca.
“Frente de esquerda”. Mas com quem?
Há os que propõem “Frente de Esquerda” em oposição à frente colaboracionista, como panacéia fabulosa. O problema é com o que -e para que- se fará a infusão medicinal maravilhosa. Com o PSOL, eleitoreiro, colaboracionista, identitário? Com o PSTU, que ainda não decidiu se houve ou não golpe? E é melhor não seguir adiante por este caminho. A palavra esquerda encontra-se corroída, despida de conteúdo. A proposta seria, então, uma “frente classista”. Ou seja, um bloco que reuna grupos, militantes, sindicalistas, trabalhadores, assalariados, etc. em torno de luta à morte contra o grande capital e o imperialismo.
Mas qual a força do classismo e a possibilidade de centralizá-lo, hoje, no Brasil? E ele consegue pautar a política nacional? O desastre político e social que vivemos não foi produzido material e subjetivamente pelo colaboracionismo, apesar de suas imensas responsabilidade nele. Nos anos 1930-40, León Trotsky propôs a existência de “crise de direção”. Ou seja, um mundo do trabalho tendencialmente disposto a abraçar propostas revolucionárias, emperrado pelas direções estalinistas e social-democratas. Então, a contradição de classe entre o mundo do trabalho e suas direções emperrava a luta contra o grande capital. A superação da “crise de direção”, extremamente difícil, mas possível, poria os trabalhadores em marcha.
Hoje vivemos Era Contra-Revolucionária, inaugurada em 1989-91, com derrota histórica dos trabalhadores, como jamais ocorrera no passado, à qual se seguiram trinta anos de refluxo internacional do movimento social. Hoje, as direções colaboracionistas, sociais-democratas, sociais-liberais, etc. expressam, apoiam-se e aprofundam a desorganização e desmoralização do mundo do trabalho, que é um espectro do que já foi. Não se trata apenas de criar uma direção e uma vanguarda, mas também de recompor as organizações, a consciência, o programa, a confiança dos trabalhadores em seu programa.
Separando o trigo do joio
Construção de um pólo classista supõe a separação política e ideológica radical com as direções colaboracionistas de todo tipo. Reunificação em torno de um programa mínimo que defenda luta anti-imperialista ininterrupta; o combate sem quartel ao golpe no Brasil, em todas as suas expressões; a centralidade da classe trabalhadora na luta de classes, com crítica teórica e prática ao identitarismo; a rejeição da fixação eleitoralista e sindicalista, com a perseguição de parlamentares e sindicalistas como sustentação política, orgânica e financeira dos grupos que se reivindicam classistas.
Uma proposta extremamente difícil, sobretudo por que não existe, sobretudo no Brasil, um núcleo ativo do mundo do trabalho em que se apoiar. Há, também, dispersão de núcleos que se reivindicam do classismo e se autoproclamam, em forma explícita ou implícita, como a direção ou o embrião de direção revolucionária. Não poucas equipes dirigentes de organização marxistas, há longos anos à margem da luta de classes, lutam por se auto-perpetuar, com ou sem razão, em defesa de acúmulo de experiência. Algumas são espécies de franchises de tendências internacionais, sem autonomia para reagrupamento nacional. As metrópoles nunca querem perder sua colônias.
Compreender e analisar, em profundidade, a crise que vivemos, é necessidade imperiosa. Processo que exige difícil reflexão coletiva, ligada ao movimento social em refluxo. O caráter mundial é hoje característica dominante, como jamais, da luta de classes, no seu refluxo e eventual afluxo. O deslocar do Ocidente para o Oriente do núcleo central do proletariado manufatureiro um outro fenômeno que determinará igualmente as próximas décadas. Por além de todas dificuldades, não há outra estrada do que a luta. Em verdade, mais do que jamais, dela depende a própria sorte da humanidade.
*Mário Maestri é historiador. Autor, entre outros livros, de Revolução e contra-revolução no Brasil: 1500-2019.