Por CARLOS RANULFO MELO*
O surgimento de uma direita mais radical e reacionária, personificada em Bolsonaro e seus filhos, não deve fazer com que tudo o que não seja esquerda passe a ser denominado centro
Tem sido comum afirmar que o DEM desponta como a principal força de centro nas eleições municipais. De fato, o DEM tem apresentado um bom desempenho nas capitais. Mas a questão aqui é saber se seria correto caracterizá-lo como um partido de centro.
Para isso, analiso a opinião de deputadas e deputados sobre como posicionar os partidos, e mostro que o DEM é tido como o partido mais à direita dentre os analisados, ainda que tenha feito um percurso em direção ao centro.
Esquerda e direita
A distinção entre esquerda e direita surgiu na Revolução Francesa, quando os partidários do rei na Assembleia Nacional sentavam-se à direita e os simpatizantes da revolução, à esquerda. A partir do século XIX, a distinção associou-se à clivagem capital/trabalho e o termo esquerda passou a designar os partidos socialistas, comunistas ou social democratas.
Contemporaneamente, aceita-se que os dois campos são caracterizados em função da atitude frente à igualdade: para a esquerda, a desigualdade entre os indivíduos é artificial e deve ser enfrentada pela ação estatal; para a direita, as desigualdades mais importantes entre os indivíduos são naturais e são mais bem enfrentadas pela ação do mercado.
Esquerda e direita na Câmara dos Deputados
A classificação dos partidos em uma escala esquerda-direita sempre causa controvérsia. Neste artigo, considera-se a opinião dos deputados e deputadas na Câmara. Os dados são provenientes do projeto, “Representação política e qualidade da democracia” conduzido pelo Centro de Estudos Legislativos da UFMG.
São consideradas as cinco últimas legislaturas. Em cada uma foram feitas 125 entrevistas em amostras que levaram em conta o tamanho das bancadas. Foi solicitado, aos deputados e deputadas que posicionassem os maiores partidos em uma escala, onde 1 significava esquerda e 10 direita. As respostas foram categorizadas em “esquerda” (1-4); “centro” (5-6) e “direita” (7-10). O resultado é mostrado na Figura 1.
Figura 1
No geral, as posições se mantêm no tempo com pequenas variações. A exceção fica por conta do PT, posicionado cada vez mais à esquerda, indo de 3,9 na primeira legislatura a 2,3 na última. PSB e PDT mantiveram-se no limite entre as posições de esquerda e de centro. MDB e PSDB também ocuparam uma posição limite, mas entre o centro e a direita.
Finalmente, os partidos à direita, PP e DEM, fizeram um percurso em direção ao centro – de forma mais clara no primeiro caso (de 7,9 para 6,4) do que no segundo (de 7,6 para 7,0). A série não inclui o PSL, dada a sua inexpressividade até a eleição de 2018. Na atual legislatura, o partido foi incluído na lista de legendas apresentada aos deputados(as), que o alocaram na posição 7,5.
Estado ou mercado?
Em função do modo como veem a possibilidade de redução das desigualdades sociais, é de se esperar que partidos de esquerda prefiram fortalecer a presença do Estado. Para verificar se isso procede, deputadas e deputados dos maiores partidos foram questionados sobre: (a) se seriam favoráveis a uma economia regulada pelo Estado ou pelo mercado; (b) qual deveria ser o controle do Estado sobre a gestão dos serviços públicos; e (c) qual deveria ser o controle do Estado sobre os recursos naturais. Foi utilizada a escala de 1 a 10 onde 1 significava máxima presença do Estado.
A figura 2 apresenta os resultados para a atual legislatura. A posição dos partidos em cada uma das três questões foi definida com base nas respostas dadas por seus representantes eleitos, extraindo-se daí a média, que é o valor associado a cada legenda na Figura.
Como se observa, PSB e PDT ficam mais próximos do MDB, o que deixa o PT relativamente isolado na defesa de posições mais estatais. Praticamente não há distinção entre o PSDB e o bloco mais claramente “pró-mercado” que, por sua vez, é capitaneado pelo DEM, a legenda mais “neoliberal” de todas, com média de 7,4 nas três questões.
Figura 2
Progressistas ou conservadores?
Para verificar se partidos de esquerda seriam também mais progressistas (e vice versa) foram utilizadas questões sobre redução da maioridade penal, união entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, descriminalização do uso de drogas, proibição da venda de armas e aborto. Na escala utilizada, 1 significava uma postura progressista e 10 conservadora. A posição de cada partido, na Figura 3, corresponde a uma média das respostas dadas por seus deputados ou deputadas.
Figura 3
Parece que, pelo menos na Câmara, a esquerda é mais progressista, ainda que PSB e PDT novamente se aproximem do MDB. Sem surpresa, o PSL é o mais conservador, “trocando de posição” com o DEM, em relação à figura anterior. Surpresa talvez seja o PSDB que, de acordo com seus deputados, é tão ou pouco mais conservador que partidos tradicionalmente considerados como tal no Brasil.
Moral da história
À medida que uma nova geração substituiu os velhos caciques do antigo PFL, o DEM de fato moderou algumas de suas posições, mas é mais correto deixá-lo onde sempre esteve, à direita, ainda que não tão longe do centro. O surgimento de uma direita mais radical e reacionária, personificada em Bolsonaro e seus filhos, não deve fazer com que tudo o que não seja esquerda passe a ser denominado centro.
*Carlos Ranulfo Melo é professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG.