O homem em sua dualidade

Imagem: Alexander Krivitskiy
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Por JOÃO GABRIEL DO NASCIMENTO PIRES

A noção de humanidade é muito ampla e muito aberta, para se definir o que se configura ser homem em apenas uma definição

Introdução

Ao analisar a trajetória humana, enquanto espécie do ponto de vista biológico, foram discutidas diferentes teses para se definir o que é o homem. Até chegarmos na atual e mais aceita denominada “homo sapiens sapiens” (homem que sabe). Desta forma, nas ciências humanas, que também é um campo científico de conhecimento, não poderia ser diferente. O que levou a sua criação enquanto ciência para definir o que é o homem e produzir teorias.

Diante disso, podemos dialogar com alguns autores para desenvolver sínteses. Segundo Francis Wolff, há quatro diferentes tipos de concepções na história da filosofia para se definir o homem, sendo elas: A concepção antiga, formulada ainda pelos gregos na personificação de Aristóteles, que define o homem como animal pensante. A concepção clássica, defendida por René Descartes na idade moderna, que define o homem como ser pensante “cogito, ergo sum” (Penso, logo existo).

A concepção das Ciências Humanas, defendida majoritariamente no século XX, e exemplificada por Michel Foucault, em sua obra As palavras e as coisas, que cita: “Antes do século XVIII o homem não existia” (FOUCAULT, 1981, p. 362-363) o que leva o homem a se auto estudar, e se autoconhecer, deixando o homem ambíguo, tornando-o sujeito e objeto de conhecimento. E por último a concepção das Ciências cognitivistas, já propagadas no século XXI, onde o homem não tem o privilégio dentre os objetos de estudo, onde tudo é muito natural, onde o homem apenas é mais um ser na natureza, estando todos em um mesmo patamar horizontal diante dos outros seres.

Assim, cabe acentuar Michel Foucault, que faz uma árdua análise e dialoga de forma direta a formatação das ciências humanas enquanto estudo do homem. Michel Foucault, em suas pesquisas diz que antes do século XVIII, ninguém discutiu propriamente o “homem”, só usaram titulações para definir o ser. Entretanto, em dado momento foi necessário parar, refletir e se pensar: o que é o homem?

Como cita o autor a seguir: “Nessas condições, era necessário que o conhecimento do homem surgisse, com seu escopo científico, como contemporâneo e do mesmo veio que a biologia, a economia e a filologia, de tal sorte que nele se viu, muito naturalmente, um dos mais decisivos progressos realizados, na história da cultura européia, pela racionalidade empírica. Mas, como ao mesmo tempo a teoria geral da representação desaparecia e impunha-se, em contrapartida, a necessidade de interrogar o ser do homem como fundamento de todas as positividades, não podia deixar de produzir-se um desequilíbrio: o homem tornava-se aquilo a partir do qual todo conhecimento podia ser constituído em sua evidência imediata e não-problematizada; tornava-se, a fortiori, aquilo que autoriza o questionamento de todo conhecimento do homem”. (FOUCAULT, 1981, p. 362-363).

Portanto, surge com o objetivo de compreender e explicar o homem nas Ciências Humanas, a dualidade: deixando o homem como cientista enquanto dirigente da pesquisa e como objeto de pesquisa para a composição de seu trabalho seja como antropólogo, sociólogo ou pedagogo e outras áreas de estudo sobre o homem.

Desenvolvimento

No contexto de conhecimento, há quem afirme que em toda cultura há órgãos que têm como objetivo coordenar as reflexões sobre a ordem de dados assuntos, por mais diversos que sejam esses, sejam nas áreas das exatas, sejam nas áreas das linguagens e outras. Desta forma, estando em consonância com o filósofo Michel Foucault, que relata sobre a falta de um grupo específico até o século XVIII, para se discutir o que é o homem, pois há diferentes formas de entender o homem, talvez um médico para entender o funcionamento do corpo humano? Ou quem sabe um biólogo para entender o ponto de vista da vida humana? Ou talvez um filósofo existencialista, para questionar a existência do ser?

Neste âmbito, podemos adentrar as teorias Immanuel Kant que afirma existir três perguntas básicas para chegar à pergunta final “O que é homem?”, que são: “O que devo fazer?” do ponto de vista ético e moral. “O que posso saber?” de um ponto especulativo, ou então “O que posso esperar?” segundo uma visão metafísica ou religiosa. E assim propor a definição mais plausível para tal, de acordo com as respostas obtidas pelas perguntas acima.

Ainda segundo Kant, o homem é entendido como uma criatura singular, que possui alta capacidade de criar para si o seu caráter. Entretanto, entre os seres humanos de diferentes regiões e culturas, também fomentam questionamentos sobre o que é ser homem, o que é ser humano. Quando analisamos o contexto do holocausto alemão contra o povo judeu em decorrência do Nazismo, vemos que o povo judeu fui subjugado sobre a definição humana. Visto assim, apenas o povo ariano, era considerado como homem realmente, o povo judaico era uma espécie de sub-humanos.

Outrossim podemos caracterizar nos dias atuais, a discussão do que é ser homem, o que é ser humano no mundo moderno e sobretudo no Brasil atual, pois temos o massacre diário de povos originários, pessoas LGBTQIA+, mulheres, negros, pessoas em situação de rua e tantas outras classes minoritárias que precisam de leis para assegurar e afirmar que também são humanas e merecem sua dignidade.

Desta forma, sintetizando Francis Wolff, é possível dialogar com as ideias das Ciências cognitivistas, onde o homem perde sua essência enquanto humano e passa a ser apenas mais uma peça da natureza, pouco se importando sua condição humana, o que converge com o antigo conceito de cinismo, trazido pela filosofia grega, materializado em Diógenes, que alega que pode-se viver a vida tal como ela seja, sem preocupar com nada, e apenas existir.

Trata-se de uma ideia de evolução humana do ponto de vista social, como por exemplo o “esquecimento” dos caracteres que compõem os humanos, pela qual muitas vezes são julgados e tendo viés preconceitos assim como o gênero, sexualidade, classe econômica, raça ou credo seriam apenas mais traços do homem, tal qual como existem cachorros pretos, brancos e caramelos e isso não é motivo de distinção entre eles, apenas aspectos físicos que compõem a natureza de cada um deles.

Ainda que no período da ascensão do homem, as minorias sociais já eram esquecidas e infelizmente continuam até os dias atuais, desta forma nas Ciências Cognitivistas tudo passa a ser tão natural, que esquecemos que na composição social, nem todos estão alinhados de forma horizontal, mas sim de forma vertical criando agrupamento de pessoas por similaridade, o que acaba gerando uma pirâmide na estrutura social, onde poucos estão no topo e a maioria na base, abrindo um espaço para que todos sejam colocados em patamares equivalentes na pirâmide social, sem uma divisão entre eles.

Assim, as Ciências Cognitivistas, resgatam a ideia de tudo ser apenas elementos que compõem a natureza, o que de certa forma é muito positivo para sociedade, pois quebra todo paradigma de certo ou errado, moral ou imoral em determinadas pautas como gênero, sexualidade, outras, que pautam discussões atualmente gerando críticas positivas ora negativas, o que também foram trabalhadas por Michel Foucault em seu tempo.

Não obstante, Michel Foucault ainda vai afirmar que a figura do homem ainda que criada muito recente, tem o seu fim muito próximo. Como cita o mesmo: “O homem é uma invenção, e a arqueologia do seu pensamento mostra bem sua origem e talvez o seu fim”. Para o autor, o homem começa a aparecer enquanto conceitos de definição, apenas no século XIX, mas o seu apogeu se dá no século XX, sobretudo na década de sessenta, que o mundo apresentou grandes revoluções como na moda, no social, no político, no filosófico e outros. Contudo, as revoluções se transformam em arquivos da história humana e por consequência tangem para o fim, que para o autor está próximo, talvez ainda no século XXI com a ascensão das Ciências Cognitivistas proclamadas por Francis Wolff.

Diante disso, podemos arriscar a parafrasear de forma singela o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que debate em sua obra A gaia ciência, “Deus está morto”. Morto sim, não pelo sentido existencial que deixa de existir ou padece da morte, mas sim pelo fator que as pessoas não necessitam de Deus mais para atender suas demandas como a água, a comida, e suas necessidades cotidianas; o que deixa a morte como metáfora para insignificante.

Portanto, o homem também vai morrer, não pelo fato da extinção humana ou do fato de estar sujeito à morte, mas sim sobre o fato de importância, o homem deixa de ser importante, e se tornar o mais natural possível, apenas como mais um animal da natureza. Deixando também de ser objeto de pesquisa, senhor da natureza e não se enquadrando em nenhuma configuração para as ciências humanas.

Conclusão

Portanto, pode-se concluir que as concepções e formatações de homem, podem ser as mais variadas possíveis e mudam ao longo do tempo. O que parte da finalidade de dar diferentes significados para o mesmo ser. Contudo, os seres humanos desde que firmam a sua existência ainda que por uma consagração mundial sejam denominados humanos, muitas das vezes são subjugados ao sentido de humanidade, padecendo sobre mazelas e estigmas sociais por mais diversos que sejam ora o preconceito, ora a estereotipação do ser, ora pela falta de compreensão da cultura do outro e afins.

Assim, vale salientar que a noção de humanidade é muito ampla e muito aberta, para se definir o que se configura ser homem em apenas uma definição. O que deixa cada vez mais vívida a afirmativa que o homem esteja próximo ao seu fim, naturalizando cada vez mais, como um mero ser da natureza. Ainda que haja um vasto debate para se definir o que foi, o que é, ou que vai ser o homem ao longo da história. E como cita o próprio Michel Foucault em As palavras e as coisas, o homem não é o mais velho problema e nem o mais constante que se tenha colocado ao saber humano.

Desta forma, podemos concluir e afirmar que o homem busca esvaziar da sua finalidade, deixando cada vez mais o ser desabitado de si, mais natural em sua criação, sendo aquele que não se encaixa em lugar nenhum, mas está inserido a todos os lugares, aquele que não serve para nada mas ao mesmo tempo fomenta tudo. Este é o homem moderno, propagado pelas Ciências Cognitivistas e desenquadrado de si. Visto assim, o homem não tem a obrigação de se definir para fazer sentido, mas apenas existir.

*João Gabriel do Nascimento Pires é graduando em filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Referências


WOLFF. As quatro concepções do homem, 2009.

FOUCAULT. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. p. 361- 404, São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1981.

NIETZSCHE. A gaia ciência. São Paulo: Companhia de Bolso 2012.


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