O inominável palaciano

Imagem: Grupo de Ação
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Por LUIZ ROBERTO ALVES*

Os sacrificados na terra sem lei da Amazônia mostram que é perigoso viver no país deste presidente

O inominável palaciano é capaz de piorar muito. Ele é um saco sem fundo de horror, ao lado dos que ainda o obedecem e o seguem por exclusivo interesse de poder e para espanto do mundo.

Ele acusou Dom Phillips e Bruno Araújo, sacrificados na terra sem lei da Amazônia, de fazerem uma aventura pela região. Ainda desandou conversinha de fundo de quintal (que é o lugar normal dele) sobre o fato de que “muita gente lá não gostava deles”. Ao mesmo tempo disse que vivemos problemas espirituais no país. Ao contrário do texto de Noel Rosa em Palpite Infeliz, os palpites do inominável não são infelizes, são de fato malditos. Ora, é assunto de um dirigente de Estado discutir se um homem sacrificado no exercício indispensável do jornalismo era bem-quisto por bandidos?

Ademais, nós não toleramos a figura defasada que habita o palácio de Brasília e ele continua vivinho a falar e fazer absurdos todo dia. Não conseguimos o impeachment exclusivamente em razão do Centrão do Sr. Lira, da PGR do Sr. Aras e outros poderes interesseiros da república humilhada. Eles, todos, precisam ser julgados pela história brasileira.

Por que cerca de 30% do nosso povo ainda não se tocou a respeito das mentiras e fingimentos do palaciano temporário? Por que cristãos – entre os quais me incluo – não viram que esse presidente é o escárnio e o deboche do Evangelho?

A cada dia esse homem apresenta o seu desatino e a sua mentira. As últimas (que em poucas horas serão superadas por outras, as quais sempre se superarão até as eleições e todos sabem disso) foram o agouro (coisa de gente agourenta e fazedora de males) sobre a viagem do jornalista e do indigenista e a mentira sobre a situação espiritual do país. Quanto à primeira, o inominável disse algo sobre o óbvio que ele criou: estudar a vida amazônica para publicar artigos e livros sobre a realidade brutal da região é “uma aventura”.

Sim, andar pela Amazônia hoje regida pelo sujeito que horroriza o país é muito perigoso. Noutros tempos, estudiosos viveram anos a estudar a região amazônica e retornaram sãos e salvos. A Amazônia deste anti-cidadão é perigosíssima, pois seus amigos e correligionários lá estão a praticar pesca ilegal, caça ilegal, desmatamento ilegal, contrabando, queima ilegal, roubos, estupros e outros horrores. Portanto, quem for atrapalhar, morre! Por isso, a viagem do jornalista Dom Phillips e de Bruno Araújo foi denunciada pelo desejoso-de-ditadura como aventura.

Como é que crentes podem votar em candidato que tem amigos e protegidos que fazem coisas infernais: estupram, desmatam, pescam ilegalmente, metem fogo na floresta? Dá para explicar? Ou votar naquele que não controla nada, por exemplo: que faz a carestia geral, estimula a violência armada, retira recursos locais contra combustíveis, amplia a insegurança alimentar, a negação de direitos humanos, a proteção às crianças e adolescentes contra o trabalho ilegal, garantia de saúde e proteção nos espaços indígenas, quilombolas, do campo e ribeirinhos?

O infeliz dirigente da nação tem preferência por certas famílias: as famílias que matam, as famílias que fazem ilegalidades, que protegem filhos da justiça, que controlam propriedades e a vida das pessoas na base das armas. Como se enganam os que pensam em “suas famílias” ao escutarem o petulante mandatário do Planalto…

Como é asqueroso ver a propaganda da “pátria amada” na TVs: pátria armada e insegura totalmente! E do dinheirinho miserável em tempo eleitoral para os empobrecidos pelo seu governo, na onda do “Deus no coração”. Trata-se da corrupção de D’s na voz dessa figura.

Ora, somos mais aventureiros do que pensa o presidente, pois ele busca ceifar (como a imagem antiga da morte…) todos os que se aventuram a estudar no ensino médio medíocre que ele levou às escolas depois do arremedo legal de Temer; aventuramo-nos em busca de saúde no sistema bom do SUS, agora deturpado e a perder investimentos; são também aventureiros os brasileiros e brasileiras que querem criar cultura aberta e livre diante de outra mediocridade, ou seja, tentar forçar o uso de dinheiro público para bancar livros sobre armas (e os americanos já não sabem o que fazer com esses malditos utensílios de guerra e discórdia); também são aventureiros e aventureiras as mulheres e homens que devem cuidar de suas casas (quando as têm) e precisam trabalhar para levar aos lares um dos piores salários das últimas décadas.

E um montão de gente idosa – entre os quais me ponho também – diz que vai votar no ceifador de vidas e direitos. Como explicar? É possível não só lamentar como também denunciar todos os idosos dispostos a votar em Bolsonaro como aqueles que, apesar de tanto tempo (e louvamos os que chegam à velhice!) ainda não entenderam o Brasil e suas necessidades. Nem as deles próprios. Não estão aqui. Devem estar em outro lugar. Provavelmente subiram a montanha do mito bolsonarista e não sabem mais como voltar. Perderam-se e, igualmente, perderam a memória.

Estamos a nos aventurar e o sujeito do palácio a nos agourar e debochar porque no Brasil, hoje, pouco resta às classes sociais rebaixadas e empobrecidas pela política do inominável senão se aventurar na luta pela sobrevivência, pela cultura, pela comida, pela educação, pela saúde, transporte etc.

Nesse sentido, a “aventura” de Dom e Bruno é mais uma viagem dentro do direito de cruzar terras e rios destes territórios verdes para narrar o que acontece, visualmente, como fizeram milhares de escritores, jornalistas, estudiosos, cujo resultado, seus fenômenos e fatos, enriqueceram o trabalho científico do mundo e os estudos escolares das crianças, adolescentes, jovens e adultos. A Amazônia não matou Euclides da Cunha; de fato o encantou e permitiu o maravilhoso livro À Margem da História. Nem Rondon. Dois militares de ética superior, cuja ação, cujo leit motiv das incursões amazônicas e cuja história fazem ver bem a baixaria armada que, nestes tempos medíocres, saracoteiam em torno do inominável planaltino.

Coitados dos bolsonaristas que devem estar a dizer: “Ora, por que foram prá Amazônia, para o Vale do Javari? É perigoso!!”. De fato, essas pessoas estão cegas, entorpecidas pelo mito da morte, do agouro, do fracasso dos outros, dos riscos e das aventuras. Mitificadas e mistificadas. O mito da perdição. Essa gente mistificada e esquecida não é capaz de considerar que seus antepassados cruzaram sertões, rios, caatingas, cerrados, mangues e trilhas do Brasil em momentos mais “perigosos” para encontrar supostos melhores lugares para viver. Em muitos casos, garantiram a vida da família e seu legado. Essa gente, hoje, se esqueceu da própria vida e da história. Por isso se tornou bolsonarista e não consegue ver que são os apaniguados, os “soldados” do presidente, chamados para dominar a Amazônia pela ilegalidade os autores dos crimes. Ainda quando essa mesma gente esteja a viver com a média mensal de 303 reais.

Também não cabe o discurso comum na sofrível TV JP, a qual, diante do trabalho dos policiais federais cria um mantra descabido sobre as buscas nas matas e rios da Amazônia. Ora, eles cumpriram sua obrigação com algum atraso, minorado em parte pelas vozes críticas do Brasil e do Mundo. Tudo o que passa do senso de obrigação começa a mistificar o papel do Estado diante de cidadãos que nele cumprem sua jornada de trabalho e cidadania. Este país já exacerbou (em muito) a falsidade de não entender o que são as obrigações da cidadania, bem como o papel dos que são mantidos profissionalmente em função dos direitos inequívocos do povo de um território e dos que o visitam e nele trabalham. A lição básica jamais foi entendida. O resto é fumaça de alguns setores pouco inteligentes da mídia. Mas o pensamento jornalístico, hoje, está em alta e não se deve negar.

Ora, perigoso é viver no país deste presidente. Perigoso para as meninas e meninos que caminham para a educação física, para o passeio e para a escola, ou para os trabalhadores que se aventuram nas cidades; também para os pais que buscam salário e para os povos originários (que não são índios e sim povo) que exigem a garantia de sua continuidade digna e segura.

Viver o bolsonarismo é muito perigoso! Aquele cujo nome é perigoso nominar também emitiu outra de suas falcatruas. Disse que o país está com problemas espirituais. Pobre de espírito, o presidente nada sabe de história e sociologia do Brasil, pois seus professores de exército nada tinham a dizer, pois também não aprenderam de geração em geração. Não leram Fausto, Caio, Milton, Dupas, Emília e tantos e tantas. Afinal, o que fazer com a leitura de uma ordem unida? Quase nada. Se algo tivessem aprendido, não desdenhariam agora das urnas eletrônicas depois de as terem aplaudido durante tantos anos! Pobres de espírito…

Ah, a nova falcatrua da falta do espiritual também revela que o presidente e sua trupe nada sabem de ciências da religião e teologia. Não há qualquer falta de Espírito, entendido este como o consolador prometido e realizado na cruz e presente na vida de todos os povos. O consolador do Evangelho não é conquistado, não é ganhado; é dado no ministério da revelação, como se lê em vários textos de João. Trata-se do Paráclito/Paracleto, que certamente está a participar de nova consciência dos pobres, das famílias onde há justiça e amor, dos movimentos políticos, ecológicos e sociais, dos grupos étnicos sofridos, das mulheres maltratadas em toda a história. O individualismo capitalista que certos pastores enriquecidos propagam por este país é monstruoso. Mas o Espírito não tem satisfação a dar a esses parasitas do Evangelho, como Jesus não deu a muitos de seus algozes. Eles passarão.

Algo acontece no país e os bolsonaristas pouco suspeitam. Cresce no Brasil (e o infeliz presidente nem suspeita, porque é intelectualmente cego) é que, ampliadas de consciência, as populações de norte a sul venham a cortar e atalhar o falso direito dos governantes em fazer mal ao seu povo no contexto de seu livre arbítrio. Ao contrário do que pensa o mito da morte e das armas, a existência concreta do Consolador está a despertar continuamente mais e mais brasileiros e brasileiras para que despertem do sono em torno do mito (e já não é sem tempo!!!) e contra ele se rebelem fortemente, enviando-o ao seu Hades.

Ninguém que tenha prazer em ser chamado de mito poderia ser votado ou apoiado por inteligências cristãs. Trata-se de um contra-senso, um equívoco básico de conceitos e valores. O grande problema espiritual do Brasil é que o próprio consolador está sendo ofendido pelas mortes sem-vacina na pandemia, pelo cardápio de mentiras que nega a sociedade de um governo justo e equilibrado, pela ofensa aos direitos humanos, pelo desvirtuamento das verbas no orçamento secreto do Congresso liderado por Lira e Barros, pelo roubo do dinheiro público destinado aos estudantes do país e pelo estímulo às armas matadoras.

O pobre mito palaciano não está vendo que o Espírito está presente em cada jovem que escapa da influência dos mercenários e aliciadores. Escapa da mistificação e encontra a liberdade efetiva de pensar o Brasil e suas necessidades. Noutras palavras, nega a aventura de viver sob a religião bolsonarista. O Espírito atua quando Joe Biden dá de ombros ao miserê do mito e suas futricas contra seus adversários políticos no Brasil. O Espírito também está a dizer aos trabalhadores e trabalhadoras que nenhum mal é possível em todo o tempo e que há brechas para compreender e julgar o mal presente.

O Espírito atua quando o infeliz do Planalto é reconhecido como deve ser nos órgãos internacionais: um ignorante pleno de política, mentiroso e potencializador de pobreza e injustiça em seu país. E assim vai ele, sempre mais posto de lado. E não merece nenhuma compaixão, porque ele é o autor dos males, o que ficou provado no maior dos males: ter contribuído pessoal e decisivamente para a morte de mais de 600 mil brasileiros e brasileiras sob a Covid 19. O maior negador de vacinas do mundo, ao lado dos filhos, de Osmar Terra e alguns atores interesseiros e viciados em puxassaquismo do campo da medicina e da saúde. Felizmente, não muitos.

Nenhum povo viveu plenamente o Espírito e no Espírito, inclusive nas páginas da Bíblia Sagrada. Na sequência histórica, os interesses egoístas, as loucuras pelo poder, as humilhações sofridas pelos subalternos sociais e a barbárie de lucros sem freios perturbam a organização pessoal e grupal da liberdade com e no Espírito. E a prova de que povos se afastam do Espírito está em seguir o mito da enganação, o próprio inominável do Planalto. Este suposto cidadão não teve uma única ação, em três anos e meio, realmente despojada, dedicada ao povo sem interesse próprio, ou um ato de amor ao bem-comum. Uma única lei fundante, um decreto justo. Tudo nele foi provocado pelo mito do engano e do interesse. Por isso ele é o mito e não por qualquer razão positiva. Seu julgamento prossegue e deve ser radical.

O nome dessa figura será muito em breve esquecido. Merecidamente, pois os males feitos produzem inversões históricas e, especialmente, produzem a repulsa individual e grupal no interior do espírito humano, necessária para apagar vestígios que não se pretende revolver e se deseja que permaneçam sempre como cinzas. O atual dono do Planalto será cinza, logo. Precisa ser para o bem do mundo.

Aliás, ele precisa ser despachado até mesmo para nós voltarmos a respirar, porque as pessoas que pensam como ele e têm interesses fundados no ódio, na tortura, na vingança e no poder estão a queimar o país, em todos os cantos e diferentes maneiras. Com ele no poder não respiraremos mais. O país já será parte simbólica do inferno de Dante a tomar o lugar da imagem quase-romântica da Amazônia como um inferno verde.

*Luiz Roberto Alves é professor-pesquisador sênior da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Autor, entre outros livros, de Administrar via cultura: revolução educativo-cultural na ex-pauliceia desvairada, 1935-1938 (Alameda).

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