Por AFRÂNIO CATANI*
Considerações sobre a trajetória do intelectual português
No início de fevereiro último tive a oportunidade de ver, na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, a exposição “Vitor Ramos: uma trajetória no exílio”, que esteve disponível de 12 de dezembro de 2022 a 17 de fevereiro de 2023.
Confesso que pouco sabia ou conhecia sobre Vitor de Almeida Ramos (1920-1974). Para ser sincero, fui ver a mostra em razão da amizade que tenho por dois de seus filhos, Fernão e Guiomar Ramos que, juntamente comigo, atuam na Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (SOCINE), no Brasil, e na Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM), em Portugal, pesquisadores que somos da história e da teoria cinematográficas.
Nascido em Ervedal da Beira em 25 de abril de 1920, foi registrado em Lisboa. Ainda criança o pai abandonou a família, sendo criado pela mãe, que era parteira. Desde jovem envolveu-se na luta antifascista contra a ditadura de Salazar, militando no Movimento de Unidade Democrática Juvenil e no Partido Comunista Português, “onde desenvolveu atividades clandestinas, juntamente com os seus amigos e colegas da universidade, o historiador Joaquim Barradas de Carvalho, o artista José Dias Coelho, este último assassinado a tiros pelo regime fascista” (Guiomar Ramos, p. 1).
Na década de 1940 formou-se em Letras na Universidade de Lisboa, tendo sido jornalista e correspondente da France Press. Alguns anos depois auto-exilou-se em Paris, estudando literatura francesa na Sorbonne.
Fez amizade com Maria Lamas, Adolfo Casais Monteiro e Jorge de Sena que, juntamente com Barradas de Carvalho, foram companheiros no exílio no Brasil. “Em 1953, na viagem para o Festival Mundial da juventude e dos estudantes, sediado em Bucareste, conheceu Dulce Helena Álvares Pessoa, uma jovem brasileira e estudante de história. Apaixonaram-se e casaram-se em 1955 no Brasil, tendo três filhos. De família tradicional de esquerda (…), Dulce Helena foi sua companheira de vida e de atividades profissionais/políticas no exílio brasileiro, que acabou por se estender até ao seu falecimento em 1974” (Guiomar Ramos, p.1).
Vitor de Almeida Ramos teve sua prisão decretada em Portugal. No Brasil, meses depois de sua chegada, em 1956, trabalhou na Editora Difel (Difusão Europeia do Livro), traduzindo do francês obras relevantes: A convidada (Simone de Beauvoir), Ligações perigosas (Choderlos de Laclos), O silêncio do mar (de Jean Bruller, publicado clandestinamente em 1942, sob o pseudônimo de Vercors), além de verter para o português volumes da coleção História moderna contemporânea.
Na luta contra a ditadura salazarista fundou, com Manuel Ferreira Maria, o jornal Portugal Democrático. “Essa importante publicação de quase duas décadas de existência, com sua última edição em 4 de março de 1975, foi o meio que deu substância à resistência dos exilados no Brasil. Além de Vitor Ramos, o jornal teve colaboradores portugueses como Miguel Urbano Rodrigues, Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro, Fernando Lemos, Barradas de Carvalho, Paulo Castro, João Alves das Neves, Fernando Correia da Silva e Carlos Maria de Araújo”.
Guiomar Ramos acrescenta que a publicação contou ainda com a participação de nomes relevantes da cultura e da política brasileiras, como Raquel de Queiroz, Florestan Fernandes, Manuel Bandeira, Rubem Braga, Fernando Sabino, Lygia Fagundes Telles, Sérgio Milliet, Ricardo Severo, Álvaro Lins, Paulo Emílio Salles Gomes, Antonio Candido, Paulo Duarte, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Guilherme Mota, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Vinícius de Moraes, José Lins do Rego, Cláudio Abramo e Ênio Silveira.
Vitor Ramos iniciou sua carreira acadêmica em 1959, como professor de literatura francesa na primeira turma de docentes do curso da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, atualmente campus da Unesp. Cinco anos depois, em 1964, foi contratado pelo Departamento de Língua e Literatura Francesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Na USP defendeu sua tese de livre-docência e tornou-se, em seguida, professor titular.
Vitor de Almeida Ramos aprofundou suas pesquisas sobre a literatura francesa do século XVII, tendo publicado, dentre outros, Cyrano auteur tragique, Rotrou: um universo equívoco e Estudos em três planos. Nos domínios da Literatura Portuguesa podem ser lembrados seus ensaios dedicados a Camilo Castelo Branco e Cavaleiro de Oliveira, além de uma edição comentada de Os Lusíadas.
Em 1969 foi convidado para lecionar literatura francesa na Universidade da Califórnia, campus de Davis, lá permanecendo com a família por dois anos. “Nos Estados Unidos encontrou-se com diversos exilados e escritores portugueses que aí residiam. Em 1968 e em 1973, recebeu a Ordem das Palmas Acadêmicas, condecoração da República Francesa por serviços prestados à cultura daquele país. No dia 25 de abril de 1974, no seu 54o.
e último aniversário comentou que a revolução foi o melhor presente que poderia ter recebido. Alguns dias depois, numa reunião na sua casa com a família e amigos exilados, comemorando e discutindo o retorno à pátria, Vitor de Almeida Ramos sofreu um aneurisma fulminante que o deixou em coma profundo. Morreu no dia seguinte, em 3 de maio de 1974”.
A trajetória de Vitor Ramos, entre Portugal, França e Brasil, pode ser acompanhada através do filme Por Parte de Pai (2016), dirigido por Guiomar Ramos, documentário vencedor do II Concurso DocTv – CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) Audiovisual.
Afrânio Catani, professor titular aposentado da Faculdade de Educação da USP, atualmente é professor sênior na mesma instituição e professor visitante na Faculdade de educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.
Referências
Guiomar Ramos. Vitor Ramos: uma trajetória no exílio, folheto. República Portuguesa – Cultura/Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), 2022, 2 págs.
Por Parte de Pai (Brasil; Direção: Guiomar Ramos; Produção: Doctela; Co-Produção: Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP), 2016, 86 min.
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