O massacre da Vila Cruzeiro

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIAN RODRIGUES*

A matança sistemática de pobres pretos pelas polícias vai ser parte do debate eleitoral? Quais as propostas para superar esse horror?

Entre 25 a 30 corpos. Nem o número de exato de pobres favelados que foram executados cruel e sumariamente pela polícia do Rio de Janeiro na madrugada do último dia 24 de maio a gente sabe. Há um ano, em maio de 2021, 28 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinados no Jacarezinho pela mesma Polícia Militar fluminense sob o comando de Wilson Witzel, ex-juiz que ganhou de presente o governo estadual do Rio ao se associar à Jair Bolsonaro.

A PM (e a civil) do Rio mataram 1814 pessoas em 2019 e 1245 em 2020 – dados oficiais. A violência da polícia do Rio de Janeiro recrudesceu (mesmo considerando que as forças policiais brasileiras são as que mais matam e mais morrem em todo mundo).

O bolsonarista do PSC que virou governador, o tal Wilson Witzel – oportunista ex-juiz que pegou carona na onda neofascista, já tinha anunciado a barbárie em sua campanha eleitoral: “ o correto é matar o bandido (…) a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo – para não ter erro”.

Necropolítica institucional abertamente transformada em ativo propagandístico. Tipo assim: um aprofundamento da violência de Estado contra jovens, pobres, pretos. Retórica e política reacionárias/hipócritas da tal “guerra às drogas” sempre manuseadas pelas classes dominantes contra o andar de baixo.

 

Lula e uma nova segurança pública

Chegou a hora de enfrentar a hegemonia neofascista e conservadora nesse tema e salvar vidas, uma demanda que exige romper com o senso comum. É necessário questionar de peito aberto com embasamento científico o desenho atual das polícias mais as políticas proibicionistas e de encarceramento em massa. Propor nova abordagem, nova legislação, novas políticas – romper com a inércia.

Em 2023, a PEC 51, proposta pelo ex-senador fluminense do PT, Lindberhg Farias, inspirada nas contribuições de Luiz Eduardo Soares, fará aniversário: 10 aninhos. Essa emenda constitucional abriu o debate sobre a retirada do caráter militar das forças de segurança estaduais e a reorganização da política nacional de segurança pública.

O número de mortes violentas no Brasil é altíssimo – sempre rondando o patamar de 60 mil por ano. Ocorre que justamente quem deveria nos proteger e evitar essas mortes se associa ao genocídio. Em 2021, mais de 6 mil brasileiros e brasileiras foram assassinados por policiais. Ou seja:10% (pelo menos) do morticínio é de responsabilidade das PMs.

Nós – do PT, da esquerda, dos setores progressistas – nunca enfrentamos essa questão de frente. Geralmente ignoramos o elefante na sala, ou pior, repetimos as piores práticas conservadoras – muito além de pactos pragmáticos (os governos estaduais do PT que o digam!).

“O que eu defendo claramente é que sou contra a criminalização da maconha e do usuário. Não tem sentido a polícia pegar um usuário e tratar como se fosse criminoso. No entanto, este é um assunto que tem de ser tratado com muita seriedade”. Lulão mesmo foi quem proferiu essa sábia declaração em 2015, em um debate com jovens no ABC.

Creio que um novo governo Lula tem como um de seus desafios fundamentais cessar o genocídio e o encarceramento em massa de jovens, pobres pretos. Somos milhões de pessoas que votaremos em Lula com a expectativa de que um governo de esquerda possa girar a chave e abrir um novo período na história. Sem medo de ser feliz, sem medo de falar a verdade.

Mimetizar o adversário nunca deu certo. Afasta-nos de nossos objetivos e compromissos históricos. Nos apequena. Pior: indistingue-nos, aos poucos, de nossos inimigos de classe.

Ou seja: fazer cosplay de político evangélico-militar-reacionário que promete porrada, polícia nas ruas, bandido na cadeia e coisas do tipo só fortalece a hegemonia deles e contraria o que nós somos e nossa própria razão de existir como esquerda.

Cessar a matança e o encarceramento da juventude pobre, preta e periférica. Parar com a guerra às drogas. Reconstruir o aparato policial para que deixe de ser dispositivo moedor de carne jovem/preta/pobre.

Assim: é preciso que desde já, a campanha Lula Presidente incorpore de alguma forma esse tema. Sem cair em provocações da extrema direita temos que sinalizar desde já novas perspectivas.

Marqueteiros e senso comum à parte, vamos pensar nas milhares de mães trabalhadoras, pobres, pretas que perdem seu filhos de maneira violenta. Tratar de sinalizar uma nova democracia, na qual o Estado não seja apenas um dispositivo de morte para quem mora nos lugares “errados”.

Lula tem muita sensibilidade e abertura para discutir essa questão. Tem empatia e entende o problema. Temos que pular as barreiras do pragmatismo (sempre de plantão) e convencer o PT e a direção da campanha para a urgência desse tema. Uma questão programática incontornável. Na campanha e no futuro governo (oxalá).

*Julian Rodrigues é professor e jornalista. Ativista de Direitos Humanos; foi coordenador de políticas LGBT da prefeitura de São Paulo (governo Haddad).

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES