Por BRUNO MACHADO*
Qualquer arranjo macroeconômico destoante do neoliberalismo gera uma forte reação do mercado financeiro, que retira aportes do Brasil, causando uma desvalorização do real em dólar
A dinâmica do capitalismo como centro-periferia, onde a periferia fornece mão de obra barata e commodities enquanto o centro fornece mão de obra qualificada e bens manufaturados, vem se transformando junto com a financeirização do capitalismo. Apesar do sistema capitalista estar em evidente decadência desde pelo menos a década de 1980, seus instrumentos de manutenção do status quo da economia global têm se sofisticado. Com a dependência do dólar para a manutenção da estabilidade monetária dos países periféricos, o alto poder de destruição das sanções econômicas estadunidenses e intervenções militares só são acionadas em caso de emergência pela Casa Branca.
O preço do dólar em real depende fundamentalmente do resultado da entrada e saída de dólares do país pela via comercial (exportações e importações) como também pela via financeira (dívida pública, bolsa de valores, investimento direto). A visão do mercado sobre as ações do governo brasileiro reflete diretamente no volume de dólares que entram ou saem do país pela via das finanças. Dessa forma, os grandes tomadores de decisão do mercado financeiro exercem grande poder sobre a política fiscal e monetária do país. Fazendo com que frequentemente o governo federal dê mais explicações de suas políticas ao mercado financeiro do que à própria população que o elegeu.
Assim sendo, qualquer arranjo macroeconômico destoante do neoliberalismo gera uma forte reação do mercado financeiro, que retira aportes do Brasil, causando uma desvalorização do real em dólar. Dessa maneira, qualquer governo de um país com um mercado financeiro pouco regulado pelo Estado e com câmbio flutuante com pouca interferência do Banco Central – como é o caso do Brasil – fica refém dessa disciplina do mercado. Como os interesses do mercado financeiro são rentabilidade das aplicações e estabilidade monetária (baixa inflação e moeda valorizada) nem sempre haverá convergência desses interesses com os interesses país. No caso do Brasil, que é periférico, nunca haverá essa convergência de interesses no que concerne ao desenvolvimento industrial e tecnológico do país.
O medo de uma inflação descontrolada causada por uma forte e rápida desvalorização da moeda coloca o governo em cheque, já que esse precisa manter popularidade para ter governabilidade, e uma alta inflação corrói a popularidade de qualquer governo se a economia não estiver tendo um crescimento muito acima da média com reflexos no aumento da renda do trabalho que compense os danos causados por essa alta inflação. Sendo assim, um projeto de desenvolvimento econômico do país, que necessariamente passaria por uma tentativa de catching-up tecnológico, teria que ter como pressuposto um modelo macroeconômico diferente do neoliberal, e isso criaria grandes desafios para a estabilidade de uma economia feita de refém pelo mundo da especulação financeira.
No século passado, os países que fizeram a transição de periferia para centro, como a Coréia do Sul, foram convidados para tal pelos países centrais da época (especialmente EUA e Japão) e receberam aportes financeiros em dólar que auxiliaram na estabilidade monetária frente a um sempre turbulento processo de catching-up tecnológico.
O processo de desenvolvimento econômico de países retardatários envolve um grande risco, já que os investimentos em indústrias nascentes são de alto risco, o que põe em risco as contas públicas. Dessa forma, a elite econômica nacional via de regra é contrária a esse movimento e usa seu poder político e econômico para manter a estrutura econômica atrasada, que costuma ser suficientemente lucrativa para uma pequena parcela da população. Além disso, a elite econômica brasileira ligada ao setor bancário e ao agronegócio, não quer correr o risco de perder seu poder político para novos setores de uma nova estrutura econômica de produção.
Dentro das condições geopolíticas atuais, ainda que o Brasil venha no futuro a iniciar um processo de catching-up tecnológico economicamente viável, com um arranjo macroeconômico funcional e estável associado a uma política industrial eficaz, o mercado financeiro causará uma desestabilização na economia com a retirada de dólares do país, já que a elite nacional e internacional jamais embarcaria nesse projeto.
Com um dólar a R$10 e uma inflação em 20%, por exemplo, qualquer governo desenvolvimentista teria muita dificuldade de manter a popularidade e não ser derrubado, principalmente com toda a pressão que a elite econômica estaria fazendo para derrubar o governo, com o auxílio do sempre presente imperialismo norte-americano e das nossas reacionárias Forças Armadas do Brasil.
No século passado, em um capitalismo menos financeiro e mais industrial esse processo levaria a menos instabilidades, visto que é mais fácil o Estado aumentar seu controle sobre a indústria e o agronegócio do que sobre o mercado financeiro, que é muito mais flexível e internacionalizado. Um neodesenvolvimentismo brasileiro precisará lidar com a chantagem do mercado financeiro muito mais do que Getúlio Vargas lidou em seus governos desenvolvimentistas do século passado.
No médio prazo, com a possível mudança na estrutura geopolítica devido as ascensões econômica da China e militar da Rússia, pode haver uma janela de oportunidade para países periféricos se desenvolverem. Seja fazendo uma política internacional de jogo duplo, como Getúlio Vargas na Guerra Fria (que possibilitou a criação da Petrobrás, da Vale e da CSN), seja aderindo mais intensamente ao BRICS e buscando um apoio da China para o desenvolvimento brasileiro, através de investimentos em dólar (como os EUA e Japão fizeram na Coreia do Sul) e transferência de tecnologia em acordos comerciais.
Apesar da previsível dificuldade de estabilidade monetária que uma tentativa brasileira de catching-up tecnológico causaria, uma mudança estrutural no perfil de exportações do Brasil (aumentando o valor adicionado dos produtos exportados e subindo na escada da cadeia global de produção) levaria a um aumento do volume das nossas exportações em dólares. Isso poderia compensaria pela via comercial a saída de dólares pela via financeira, contribuindo para a estabilidade monetária do país durante o período de desenvolvimento tecnológico.
*Bruno Machado é engenheiro.
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