Por PEDRO HENRIQUE M. ANICETO*
A elevação da Selic para 10,75% reflete uma política monetária desalinhada com as necessidades de longo prazo da economia brasileira
A recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual, passando de 10,5% para 10,75% ao ano, marca o primeiro aumento de juros no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e configura um ponto de inflexão na condução da política monetária.
O Banco Central justifica tal decisão com base no aquecimento da economia, pressões inflacionárias persistentes e a necessidade de ancorar as expectativas inflacionárias que se distanciam da meta. No entanto, ao analisar mais profundamente o contexto macroeconômico e a política econômica vigente, é possível observar uma desconexão entre a decisão do Copom e a conjuntura econômica nacional e internacional, revelando os limites dessa abordagem excessivamente ortodoxa.
A justificativa do Banco Central para o aumento da Selic está centrada na percepção de que a economia brasileira está operando acima do seu potencial, evidenciado pelo “hiato do produto positivo”, e nas preocupações com a inflação de serviços e alimentos, que tem se mostrado resiliente. Em termos macroeconômicos, o hiato do produto positivo ocorre quando a economia cresce acima de sua capacidade produtiva sem gerar ganhos correspondentes de produtividade, levando a pressões inflacionárias.
Nesse cenário, o Copom avalia que a política monetária deve ser endurecida para impedir um superaquecimento da economia, o que teoricamente contribuiria para evitar que a inflação se descontrole. Contudo, essa avaliação do Banco Central parece subestimar os efeitos colaterais da elevação dos juros, ignorando a natureza dos fatores que impulsionam a inflação brasileira e desconsiderando o impacto negativo sobre o crescimento de longo prazo.
A inflação atual no Brasil não pode ser atribuída exclusivamente a pressões de demanda. Grande parte do aumento dos preços, particularmente no setor de alimentos e energia, está relacionada a choques de oferta, como crises climáticas que afetam as safras agrícolas e o encarecimento das tarifas de energia. Em economias onde a inflação é predominantemente de custos – conhecida como cost-push inflation –, a elevação da taxa de juros tem efeitos limitados no controle dos preços, já que os fatores subjacentes à inflação não são sensíveis às taxas de financiamento.
Dado que grande parte da inflação brasileira é impulsionada por fatores exógenos e setoriais, a elevação da Selic impõe uma restrição desnecessária ao crédito, desestimulando o consumo e os investimentos produtivos, sem, contudo, atacar as causas reais da inflação.
A política de aumento da Selic impõe também um ônus significativo sobre a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), um dos componentes mais dinâmicos do Produto Interno Bruto (PIB). A elevação dos juros aumenta o custo do crédito para as empresas, que passam a enfrentar maiores dificuldades para financiar projetos de expansão, modernização e inovação. A retração dos investimentos produtivos afeta diretamente a capacidade da economia de aumentar sua produtividade total dos fatores (PTF), comprometendo o crescimento de longo prazo.
Em uma economia como a brasileira, onde o déficit de infraestrutura e a baixa competitividade industrial são entraves estruturais ao crescimento, a restrição ao crédito se traduz em uma diminuição das oportunidades de desenvolvimento industrial e tecnológico, exacerbando a dependência do país de setores primários de baixo valor agregado.
O aumento dos juros tem ainda efeitos adversos sobre a dinâmica fiscal. Com a Selic mais elevada, o governo vê crescer o custo da dívida pública, uma vez que a maior parte dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional é indexada à taxa básica de juros. Nesse cenário, o Brasil, que já possui uma elevada dívida pública em relação ao PIB, verá seus encargos com juros se expandirem, limitando ainda mais o espaço fiscal disponível para políticas de investimento público.
Em um contexto em que as contas públicas estão pressionadas pelas demandas sociais, o aumento das despesas com juros impõe a necessidade de cortes em outras áreas ou maior endividamento, comprometendo o equilíbrio fiscal e a capacidade do governo de promover políticas públicas essenciais. O cenário fiscal se agrava quando levamos em conta que o Brasil adota um novo regime fiscal que impõe limites ao crescimento das despesas primárias, o que significa que a alta dos juros restringe ainda mais a capacidade de investimento do Estado em áreas estratégicas como infraestrutura, saúde e educação.
Do ponto de vista das expectativas dos agentes econômicos, a elevação da Selic também apresenta riscos à credibilidade da política monetária de longo prazo. Embora o Banco Central tenha reiterado seu compromisso com a convergência da inflação à meta, a percepção de risco fiscal e a elevação dos juros podem alimentar uma dinâmica de desancoragem das expectativas. Com o aumento da Selic, o custo do crédito cresce não apenas para o setor público, mas também para o setor privado, gerando uma espiral onde o encarecimento do financiamento reduz o investimento e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia.
Ao mesmo tempo, a percepção de que a dívida pública está se tornando insustentável pode levar a um aumento do prêmio de risco exigido pelos investidores, o que resulta na elevação dos juros de longo prazo e na depreciação do câmbio. Nesse cenário, a própria tentativa do Banco Central de controlar a inflação por meio da elevação dos juros pode se tornar um fator de pressão inflacionária de segunda ordem, ao provocar um aumento no custo das importações e alimentar novas rodadas de ajustes de preços no setor produtivo.
A política monetária adotada pelo Copom também parece estar descolada da conjuntura internacional. Enquanto o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos inicia um ciclo de flexibilização monetária, com cortes nas taxas de juros para mitigar o risco de uma recessão global, o Brasil segue na direção oposta, optando por uma postura mais contracionista. Essa divergência entre as políticas monetárias de Brasil e EUA pode gerar distorções nos fluxos de capital e no câmbio.
A redução dos juros nos EUA tende a enfraquecer o dólar, o que em tese poderia fortalecer o real. No entanto, a elevação da Selic no Brasil contrabalança essa dinâmica, ao atrair fluxos de capitais especulativos de curto prazo, que buscam aproveitar o diferencial de juros entre as duas economias. O fortalecimento do real que se segue dificulta a competitividade das exportações brasileiras, agravando o déficit em conta corrente e criando pressões sobre o balanço de pagamentos.
A insistência do Banco Central em uma política monetária rígida, alheia às especificidades da inflação brasileira e ao contexto internacional, sugere uma visão ortodoxa que prioriza a estabilidade monetária em detrimento do crescimento econômico e do desenvolvimento social. Ao adotar uma postura contracionista diante de pressões inflacionárias que são majoritariamente de oferta, o Banco Central está aprofundando os desafios estruturais da economia brasileira, como a baixa produtividade e a dependência excessiva de crédito.
Além disso, a política de elevação dos juros compromete a sustentabilidade fiscal, restringe a capacidade de investimento público e agrava as desigualdades sociais, uma vez que o crédito se torna menos acessível às camadas mais vulneráveis da população.
Em suma, a elevação da Selic para 10,75% reflete uma política monetária desalinhada com as necessidades de longo prazo da economia brasileira. A estratégia adotada pelo Banco Central, ao priorizar o controle inflacionário por meio de uma alta dos juros, ignora os efeitos adversos sobre a FBCF, o crescimento potencial e a sustentabilidade fiscal. Em um contexto de desafios globais e pressões internas, o Brasil necessita de uma política monetária mais flexível e coordenada com políticas fiscais e industriais que promovam o crescimento inclusivo, o aumento da produtividade e a redução das desigualdades.
A manutenção de uma política de juros elevados pode ter efeitos perniciosos, perpetuando um ciclo de baixo crescimento e inflação estrutural, enquanto os ganhos de curto prazo em termos de controle inflacionário se mostram ilusórios diante dos desafios de médio e longo prazo.
*Pedro Henrique M. Aniceto é graduando em ciências econômicas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA