Poesia marginal da esquina atlântica

Lubaina Himid, Três arquitetos, 2019
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARCOS SILVA*

Comentário sobre o livro de Alexandre Alves

O livro Poesia marginal da esquina atlântica, de Alexandre Alves, contribui para pensar mais amplamente sobre a produção poética no Rio Grande do Norte e no Brasil, ao abordar sua problemática a partir de uma nomeação mesclada a “Geração alternativa”.

Valeria a pena explicitar os critérios dessas designações: À margem de valores estéticos dominantes, em termos de estilos? À margem de instituições de consagração e divulgação dominantes, no que se refere a entidades como Academias de Letras e Imprensa, além de políticas culturais de governo? À margem do mercado editorial dominante? À margem de hegemonias culturais regionais? A uma mescla dessas formas de estar à margem, no que diz respeito a estilos, instituições, mercado e hegemonias regionais? Qualquer que seja a resposta, estamos diante de disputas pelo poder poético.

Problemas similares se manifestam em relação a “Geração alternativa”. Que significa uma geração? Suponho que ela se refere a traços de estilo, consagração e divulgação em comum e no tempo. Isso remete a datas de nascimento dos Poetas, a simultaneidade no lançamento e na recepção de obras? A produção poética se vincula mais a mistura entre tempos (Homero, Dante, Camões, Bocage, Dias-Pino) que a sua segregação: o passado é referência para o presente, o presente interpreta o passado através de suas experiências e projeta futuros; nenhum presente, passado ou futuro é homogêneo, antes abriga disputas por aqueles poderes – Políticas.

Qualquer resposta remeterá a relações de poder no campo literário e cultural, bem como na sociedade mais amplamente considerada. Num país como o Brasil, nomes e obras que se tornaram clássicos estiveram ou estão à margem de múltiplas formas – Joaquim de Sousândrade, Afonso de Lima Barreto, Orides Fontela… Quem garante que muitos outros Autores de igual grandeza não estão entre nós, ainda à margem? E que mais alguns, hoje prestigiados, percam espaços de poder no futuro?

Há uma faceta dessa problemática que merece destaque: a chamada Poesia Marginal, no Brasil, foi assim designada no contexto da ditadura de 1964/1985, juntando-se a imprensa alternativa, partidos políticos de oposição e outros núcleos críticos àquela ditadura. Embora livros e poemas avulsos de tal universo marginal possam ter alcançado boas tiragens e até vendas expressivas, quantos poetas brasileiros, até hoje, vivem de sua produção literária? Quais políticas editoriais para poesia vigoram nas grandes empresas que lançam livros no Brasil e em órgãos culturais e artísticos governamentais do país, inclusive universitários? Toda poesia tem algo de marginal, no Brasil e no mundo? Mas é importante preservar a historicidade de uma poesia que foi designada e se designou como marginal.

O clássico estandarte de Hélio Oiticica, com o dístico “Seja marginal, seja herói”, sugere outro título para a obra de Alexandre Alves: Poesia heroica, diante daquelas múltiplas marginalizações sofridas por diferentes Poesias. Estar à margem não é simples opção dos poetas, é também ser marginalizado por diferentes instâncias de poder, é também evidenciar o poder dos marginais.

Seria possível refletir mais sobre Arte Postal, uma produção na confluência entre poesia marginal e vanguardas poéticas, brevemente citada no livro, que enfrenta certa resistência nos estudos literários – alguns críticos universitários evitam sua discussão, alegam não dominar seus recursos de linguagem, argumento surpreendente daqueles eruditos estudiosos.

Cabe recordar que a poesia marginal e as vanguardas formaram suas instâncias próprias de divulgação e consagração, como se observa, por exemplo, com o Poema Processo, que teve em Moacy Cirne um importante teórico e analista.

Dirigido mais para a experiência potiguar, editado em Natal, RN, por uma editora chamada Sol Negro (outrora, Natal foi rebatizada, para fins turísticos, como Cidade do Sol…), o livro de Alexandre carece de mais reproduções de poemas para que o leitor que não teve acesso anterior a obras comentadas entenda mais o que está sendo apresentado e responda reflexivamente às indagações que ele suscita. Ao invés disso, a obra se excede no arrolamento de nomes de autores e títulos de obras, com exceção de alguns poemas de João Gualberto Aguiar, Carlos Gurgel, Jóis Alberto, João Batista de Morais Neto (João da Rua) e Antonio Ronaldo, adequadamente reproduzidos e comentados.

Esse vasto panorama sugere que a poesia marginal se distingue das vanguardas ao pensar sobre retaguardas, sem perda de seu presente, perturbadora caracterização, por Haroldo de Campos, de um estar à margem da margem, correndo riscos de uma perigosa homogeneização do fazer poético que esse livro consegue evitar.

Alves é um exemplo de crítica e história literária que se volta para esse universo menos canônico da literatura (poesia marginal de um estado pouco visível, em termos culturais), importante conquista do trabalho acadêmico, merecedor de continuidade.

*Marcos Silva é professor do Departamento de História da FFLCH-USP.

 

Referência


Alexandre Alves. Poesia marginal da esquina atlântica. Natal, Sol Negro, 2019, 68 págs.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O triste fim de Silvio Almeidasilvio almeida 08/09/2024 Por DANIEL AFONSO DA SILVA: O ocaso de Silvio Almeida é muito mais grave que parece. Ele ultrapassa em muito os eventuais deslizes deontológicos e morais de Silvio Almeida e se espraia por parcelas inteiras da sociedade brasileira
  • A condenação perpétua de Silvio AlmeidaLUIZ EDUARDO SOARES II 08/09/2024 Por LUIZ EDUARDO SOARES: Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização
  • As joias da arquitetura brasileirarecaman 07/09/2024 Por LUIZ RECAMÁN: Artigo postado em homenagem ao arquiteto e professor da USP, recém-falecido
  • O caso Silvio Almeida — mais perguntas que respostasme too 10/09/2024 Por LEONARDO SACRAMENTO: Retirar o ministro a menos de 24 horas das denúncias anônimas da Ong Me Too, da forma como foi envolvida em licitação barrada pelo próprio ministro, é o puro suco do racismo
  • A bofetada do Banco CentralBanco Central prédio sede 10/09/2024 Por JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO: O Banco Central pretende aumentar a taxa Selic, alegando expectativas de inflação futura
  • Silvio Almeida — entre o espetáculo e o vividoSilvio Almeida 5 09/09/2024 Por ANTÔNIO DAVID: Elementos para um diagnóstico de época a partir da acusação de assédio sexual contra Silvio Almeida
  • Ken Loach – a trilogia do desamparocultura útero magnético 09/09/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: O cineasta que conseguiu capturar a essência da classe trabalhadora com autenticidade e compaixão
  • Silvio Almeida: falta explicarproibido estacionar 10/09/2024 Por CARLOS TAUTZ: Silvio Almeida acusou a Mee Too de ter agido para influenciar uma licitação do MDH por ter interesse no resultado do certame
  • O caso Sílvio Almeidasilvio almeida 4 11/09/2024 Por ANDRÉ RICARDO DIAS: Considerações sobre a idealização reificada do negro pelo discurso identitário
  • Breve introdução à semióticalinguagem 4 27/08/2024 Por SERAPHIM PIETROFORTE: Conceitos derivados da semiótica, tais quais “narrativa”, “discurso” ou “interpretação”, tornaram-se fluentes em nossos vocabulários

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES