Por ANDRÉS SERRADAS, JULIANE B. DA SILVA, LUCAS LIMA DE ANDRADE, SANDY S. G. OLIVEIRA e AFRÂNIO CATANI*
Funcionamento, organização e modelos de educação superior no Chile das universidades tradicionais e da intervenção militar até hoje
Introdução
As primeiras universidades do Chile foram criadas ainda no período colonial, primeiro por ordens religiosas e depois pelo Rei da Espanha (Figura 1). As universidades desse período eram “associações – corporação, corpo colegiado – de estudantes e graduados dedicados ao ensino e aprendizagem dos saberes liberais” (González González 2017a p. 41). As cinco faculdades predominantes no período eram de artes ou filosofia, direito civil ou leis, direito eclesiástico ou canônico, teologia e medicina.
As universidades reais, como a Universidad de San Felipe, possuíam maior peso institucional e não reconheciam outra autoridade externa além do Rei. Sua governança era exercida pelos claustros, formada por doutores, que elegiam o seu reitor e os catedráticos. Além disso, gozavam de jurisdição própria, exercida pelo reitor e, principalmente, possuíam a licença real para oferecer os graus de bacharel, licenciado e doutor nas faculdades já mencionadas. Com o surgimento das universidades reais, aquelas mantidas por ordens religiosas poderiam continuar funcionando, porém sem seu estatuto universitário (Idem).
Figura 1 – Universidades coloniais chilenas
Em 1813, durante os movimentos pela independência do Chile, foi criado o Instituto Nacional, que reuniu todas as instituições de ensino do país, incluindo a Universidad de San Felipe. Sem sua autonomia, a universidade funcionou por alguns anos e foi fechada definitivamente em 1842 (González González 2017b).
Universidades “chilenas tradicionais”
A Universidad de Chile foi criada em 1843 ainda sob a influência de quadros da extinta Universidad de San Felipe, mas também apoiada pelo governo, preocupado com a consolidação de um estado nacional e moderno. Ela foi criada como uma instituição pública e laica que por 46 anos se manteve como a única universidade do Chile, com poder, influência e sólida reputação. Em 1888 criou-se a Pontifícia Universidad Católica de Chile, como uma reação da Igreja Católica ao movimento laicista presente no país a partir da segunda metade do século XIX (Moraga Valle, Fabio, 2017).
Ao longo do século XX foram criadas outras seis universidades, que juntas formam o núcleo institucional básico da educação superior do Chile (Figura 2).
Figura 2 – Universidades chilenas “tradicionais”
Ano de fundação | Universidade |
1842 | Universidad de Chile |
1888 | Pontifícia Universidad Católica de Chile |
1919 | Universidad de Concepción |
1928 | Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso |
1931 | Universidad Técnica Frederico Santa Maria |
1947 | Universidad Técnica del Estado (Universidad de Santiago) |
1954 | Universidad Austral de Chile |
1956 | Universidad Católica del Norte |
Elas são identificadas como “universidades tradicionais”, pois foram criadas por lei, antes do golpe militar de 1973, financiadas pelo Estado, sem finalidade de lucro e praticamente gratuitas. Por mais de um século a Universidad de Chile foi a única universidade pública do país, quando em 1947 foi criada a Universidad Técnica del Estado, hoje Universidad de Santiago.
A expansão das universidades se deu não apenas no número de instituições, mas também em suas sedes instaladas em várias regiões do país, sendo em número maior nas duas instituições públicas.
De acordo com Brunner (2009) o desenvolvimento deste núcleo de universidades teve como características principais uma baixa diferenciação interinstitucional, alta diferenciação intrainstitucional, orientação claramente profissional do ensino oferecido, coordenação exercida pelas hierarquias institucionais e o mercado de demandas estudantis, além de uma expansão lenta com modernização gerada de forma endógena.
Um dos motivos para a baixa diferenciação interinstitucional se dava pela necessidade de participação ou autorização do Estado e seu compromisso de financiamento público para todas as instituições, incluindo as privadas. Isto se explica pela concepção da educação superior como um direito de todos, cabendo ao Estado o dever de garantir o seu acesso por meio das instituições. As taxas de escolarização para o grupo de 20-24 anos eram de 1,4% em 1935, 2% em 1946 e 3,5% em 1957. As matrículas totalizavam 6.283, 9.948 e 20.440, respectivamente, nas mesmas datas.
A diferenciação intrainstitucional se dava pelo número de sedes, carreiras, títulos e matrículas oferecidas. As demandas pelo aumento das vagas ou de maior cobertura nas províncias eram acomodadas internamente pelo núcleo básico das instituições. Assim, as universidades se expandiram com a criação de sedes regionais tornando-se cada vez maiores.
As universidades do núcleo básico não concorriam entre si para obtenção de financiamento, por professores ou alunos. As características geográficas, sociais e ideológicas propiciavam a diferenciação do trabalho realizado por cada instituição.
No ano de 1954 foi criado o “Consejo de Rectores de las Universidades Chilenas (CRUE)”, com o objetivo de promover maior interação entre as universidades, gerar informações sobre suas atividades e produzir o plano anual de pesquisa tecnológica. Cabe lembrar que a pesquisa e a pós-graduação foram incipientes nesse período.
Entre 1967 e 1973 aconteceu uma reforma universitária, primeiramente como um movimento estudantil e depois também dos professores. As demandas eram por mudanças nas relações hierárquicas entre alunos e docentes, com maior participação dos primeiros nos colegiados decisórios; mudanças de ordem social dos currículos e maior enfoque na extensão universitária no combate à pobreza, crescimento econômico e cultural da população mais carente. Da pauta dos professores se destacam os temas relacionados à profissionalização da carreira acadêmica, onde predominavam as cátedras e inexistia a dedicação exclusiva ao ensino; e a criação de uma base profissional para realização de pesquisas nas universidades.
De acordo com Brunner (2009), o papel do Estado não se alterou nesta reforma e o caráter autônomo das universidades foi consagrado na Constituição (artigo 10, nº7), modificada pela Lei 17398, promulgada em 30 de dezembro de 1970 e publicada em 9 de janeiro de 1971[i]: “Las universidades estatales y las particulares reconocidas por el estado son personas jurídicas dotadas de autonomía académica, administrativa y económica. Corresponde al estado proveer su adecuado financiamiento para que puedan cumplir sus funciones plenamente, de acuerdo a los requerimientos educacionales, científicos y culturales del país”.
“El acceso a las universidades dependerá exclusivamente de la idoneidad de los postulantes, quienes deberán ser egresados de la enseñanza media o tener estudios equivalentes, que les permitan cumplir las exigencias objetivas de tipo académico. El ingreso y promoción de los profesores e investigadores a la carrera académica se hará tomando en cuenta su capacidad y aptitudes. El personal académico es libre para desarrollar las materias conforme a sus ideas, dentro del deber de ofrecer a sus alumnos la información necesaria sobre principios diversos y discrepantes. Los estudiantes universitarios tienen derecho a expresar sus propias ideas y a escoger, en cuanto sea posible, la enseñanza y titulación de los profesores que prefieran.”
Outra conquista importante foi a criação da “Comisión Nacional de Investigacíón Científica y Tecnológica (CONYCYT)”, que assumiu a função de coordenação nacional até então exercida pelo CRUE. A participação mais intensa dos professores nas atividades de pesquisa, tornou-se possível graças ao desenvolvimento de uma carreira acadêmica com garantias salariais e maior tempo de dedicação ao ensino e à pesquisa.
Em relação às matrículas verificou-se um crescimento de mais de 100% entre 1957 e 1967, passando de 20.000 a 55.653 respectivamente. Em 1973 o número de alunos matriculados era de aproximadamente 145 mil, sendo que 16,8% eram jovens entre 20 e 24 anos e 60% eram homens. As matrículas nas duas universidades públicas representavam 67,4% e as outras 6 universidades privadas tinham 32, 6%. (Rifo Melo, 2017).
A educação superior chilena se desenvolveu ao longo de mais de 100 anos com duas universidades públicas e seis privadas, todas criadas por leis, mantidas pelo Estado e praticamente gratuitas. O acesso ao ensino superior era um direito assegurado pela Constituição e um dever do Estado na manutenção das instituições. Questões sobre a cobertura geográfica e o acesso pelos alunos sempre foram desafios enfrentados pelas oito universidades tradicionais. O seu caráter público e o estado de bem-estar social nortearam as políticas de ensino superior chilenas até 1973.
Com o golpe militar, em 11 de setembro de 1973, o General Augusto Pinochet tomou o poder, dele destituído apenas no ano de 1990. Nesse período reuniu diversos colaboradores militares, da ativa e reformados, como também civis simpáticos ao novo regime, que foram colocados nos postos de comando do governo e em outras posições estratégicas, como as universidades.
Com isso, teve início a implantação de um modelo socio-económico “inspirado en las teorías de Milton Friedman, Friedrich von Hayek y los demás pronombres del monetarismo ultramercadista generó un cambio radical que desarticuló organizaciones e instituciones en todos los sectores. Em forma muy particular esto afectó a la educación superior. Pero eso no fue una situación casual, sino que respondió a ideas y acciones que se impusieron bajo el dominio de la fuerza con un sustento ideológico y un sentido estratégico” (Mönckeberg e Flores, 2023).
As várias mudanças impostas pela ditadura militar tinham como alvo principal os direitos sociais, como saúde, previdência e educação, e foram chamadas de “modernizações” por seus criadores. Os vários grupos responsáveis por essas “modernizações” se reuniam em reuniões “públicas”, mas também em encontros secretos, cujos documentos vieram a público após o final da ditadura.
A intervenção da ditadura militar na educação superior foi quase imediata a tomada do poder. Em 2 de outubro de 1973 foi promulgado o Decreto Nº50, que cassou o mandato de todos os reitores eleitos e os substituiu por reitores-delegados, militares da ativa ou reformados.
Entre 1973 e 1975 o governo autoritário impôs às universidades uma forte repressão com o objetivo de eliminar as teorias marxistas e seus simpatizantes do ambiente acadêmico.
Outro aspecto de destaque é o ataque ao serviço público e a defesa do que era privado. Rifo Melo (2017) faz referência as falas de um militar e um civil ligados ao governo ditadorial e que ilustram o espírito da época: “Financiar, mediante el aporte proporcional de todos, la tarea educacional, fin de contribuir al establecimiento de uma sociedade democrática en la que la elección del tipo, institución o médio de enseñanza o la extensión de ésta, no se condicionem por factores socioeconómicos del educando” (Contra almirante Luis Niemann).
“Por otra parte, el bajo costo privado de la educación universitaria induce a la proliferación de “estudiantes profesionales, agitadores políticos, etc … Que tienden a ocupar las escasas plazas existentes …. Todos estos problemas son causados, em parte, por el subsidio que se da a la enseñanza universitaria, que no se justifica socialmente en la gran mayoría de los casos, ya que desde el punto de vista privado (alumno) la inversión para adquirir educación superior da um rendimento económico altíssimo” (Miguel Kast – economista – Oficina de Planificación Nacional).
Em 1976, no dia 13 de fevereiro, é publicado no diário oficial o Estatuto Nacional Público de Universidades Chilenas, que fortaleceu o papel de coordenação do Ministério da Educação frente à educação superior, função exercida pelo CRUE desde sua criação.
Em 13 de setembro de 1976 é publicado o Ato Institucional nº. 3, que submete a revisão e revogação as garantias e direitos constitucionais consagrados na Constituição de 1925. O Estado cumpre com uma função central na criação e desenvolvimento da Educação em todos os níveis e, como já mencionado, a autonomia universitária consta do artigo 10 da Constituição.
Em 1977, a Oficina de Planificación Nacional, criada em 1967, publica um documento no qual apresenta a intenção do Estado em manter a gratuidade da escola básica, parcialmente da escola secundária e eliminá-la do ensino superior.
Entre os dias 12 de dezembro de 1980 e 5 de fevereiro de 1981 são promulgados 5 decretos que fixam as novas regras para a configuração e o funcionamento do ensino superior chileno: o Decreto Lei Nº 3.541, de 12 de dezembro de 1980, a “Ley General de Universidades”, que consagra o papel do Ministério da Educação na coordenação das universidades; o Decreto Lei Nº 1, de 30 de dezembro de 1980, que fixa as normas para a criação de universidades privadas como corporações sem finalidade de lucro; outro Decreto com Força de Lei (DFL) regulamentou a criação de institutos profissionais (IP) e centros de formação técnica com permissão para lucrar, isto é, o Decreto Lei Nº 3, de 30 de dezembro de 1980, que trata especificamente das remunerações nas universidades e que estabelece que os professores terão salários distintos de acordo com seu desempenho; o Decreto Lei Nº 4 de 14 de janeiro de 1981 que fixa as novas formas de financiamento e a diminuição do repasse de recursos diretos; e o Decreto Lei Nº 5, de 5 de fevereiro de 1981, que fixa as normas dos institutos profissionais (Rifo Melo, 2017).
Dentre as justificativas para as reformas destacam-se o crescimento irracional e inorgânico do sistema, o caráter de monopólio e descontrolado do sistema universitário, a gratuidade como socialmente regressiva, cujo conceito de síntese é o “gigantismo” das Universidades. Também se fazia referência à ingovernabilidade das instituições devido ao seu tamanho, dispersão e força política das lideranças locais (catedráticos e diretores das faculdades), o que já se observava antes de 1964, segundo Brunner (2009).
Com esse entendimento, o governo de Augusto Pinochet publicou o Decreto com Força de Lei Nº 2, de 30 de dezembro de 1980,
Artículo único.- Dentro de 90 días contados desde la publicación de la presente ley, los Rectores de las actuales universidades propondrán al Presidente de la República un programa de reestructuración de las respectivas corporaciones de modo que, cada una de ellas, cuente con un número racional de alumnos que les permita cumplir adecuadamente con sus finalidades propias.
Para los fines indicados en el inciso anterior, en dicha proposición se deberá consultar, si procediere, la división de las universidades actualmente existentes.
Las universidades u otras entidades que se deriven de la división consecuente no podrán hacer referencia en su nombre al de una universidad existente.
La proposición de división deberá contener, en todo caso, los estatutos de las universidades y de las otras entidades que deriven de ellas, su régimen jurídico y las medidas necesarias para no interrumpir los estudios de los alumnos matriculados.
A crise econômica instalada no Chile no início dos anos 1980 atrasou as reformas em curso. Assim, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional entregaram ao governo Pinochet recursos financeiros que garantiram a estabilização da economia, com o compromisso de implementar medidas de austeridade fiscal, incluindo cortes orçamentários das entidades públicas e a continuidade das políticas de autofinanciamento das instituições de educação superior.
Tabela 1 – Classificação geral das universidades chilenas
Categoria | Estatal | Laica | Confessional | Total | % |
Tradicional | |||||
Original | 2 | 3 | 3 | 8 | 13,3 |
Derivada | 14 | 3 | 17 | 28,3 | |
Subtotal | 16 | 3 | 6 | 25 | 41,6 |
Privadas | |||||
Laica | 23 | 23 | 38,3 | ||
Confessional | 7 | 7 | 11,0 | ||
Acreditación | 5 | 5 | 8,3 | ||
Subtotal | 28 | 7 | 35 | 58,3 | |
Total | 16 | 31 | 13 | 60 | |
% | 26,6 | 51,4 | 21,7 | 100 |
O que se verificou nos anos seguintes foi uma queda de 28% do gasto público com educação entre 1982 e 1990, sendo que o gasto público geral caiu apenas 9% no mesmo período (RIFO MELO, 2017). Todas as leis e decretos mencionados foram reunidas na “Ley Orgánica Constitucional de Enseñanza (LOCE)” promulgada por Pinochet um dia antes de entregar o governo, no dia 10 de março de 1990. Com a alteração da constituição e promulgação da LOCE criou-se um ambiente jurídico muito difícil de ser mudado sem o apoio da maioria dos políticos do país. Assim, nos anos seguintes se observou o crescimento do número de instituições privadas e do mercado chileno de ensino superior.
Funcionamento, organização e modelos de educação superior no Chile
A Lei nº 21.091/2017 é quem normatiza atualmente o Sistema de Educação Superior no Chile. Através deste documento, foram criadas a Subsecretaria e a Superintendência da Educação Superior, vinculadas ao Ministério da Educação, as quais determinam as funções da Educação Superior e suas atribuições. No artigo 2º da lei, são elencados os princípios que regem e inspiram a educação superior, como a autonomia, qualidade, cooperação e colaboração, diversidade e projetos educativos institucionais, inclusão, liberdade acadêmica, participação, pertinência, respeito e promoção dos direitos humanos, transparência, trajetórias formativas e articulação, acesso ao conhecimento e compromisso cívico (Chile, 2017).
Esse documento estabelece a gratuidade no ensino superior no Chile, conforme descrito no artigo 1 da Lei nº 21.091/2017: “A educação superior é um direito, cuja oferta deve estar ao alcance de todas as pessoas, de acordo com suas capacidades e méritos, sem discriminação arbitrária, para que possam desenvolver seus talentos; Da mesma forma, deve servir ao interesse geral da sociedade e é exercida de acordo com a Constituição, a lei e os tratados internacionais ratificados pelo Chile e em vigor” (Chile, 2017, p. 2).
O Ministério da Educação, por meio da Subsecretaria de Ensino Superior, é o responsável por propor políticas para compor o sistema. O sistema atua sobre provisão mista, abarcando instituições públicas e privadas. Para as instituições de educação superior de caráter privado, a Lei nº 21.091/2017 determina que atuem sem finalidade de lucro e inclusive tipifica a ação como infração gravíssima, sujeita a penalidades jurídicas e criminais. Em seu artigo 65, descreve que “as instituições de ensino superior organizadas como pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos têm a obrigação de destinar seus recursos e reinvestir os excedentes ou lucros que gerarem, conforme o caso, na consecução dos fins a que têm direito seus próprios, de acordo com a lei e seus estatutos, e na melhoria da qualidade do ensino que ministram, sem prejuízo dos atos, contratos, investimentos ou outras operações que realizem para a conservação e valorização de seu patrimônio” (CHILE, 2017, artigo 65, p. 20).
Organização
A educação superior é composta por dois subsistemas: o universitário e o técnico profissional. O subsistema universitário é formado por universidades estatais criadas por lei, universidades não estatais pertencentes ao Conselho de Reitores e universidades privadas reconhecidas pelo Estado. O subsistema técnico profissional é composto por centros de formação técnica estatal, institutos profissionais e centros de formação técnica privados reconhecidos pelo Estado.
São descritos quatro tipos de instituições de ensino superior no Chile: os Centro de Formação Técnica (CFT) que oferecem cursos com duração de 2 anos e emitem o título de técnico de nível superior. Já os Institutos Profissionais (IP), podem emitir títulos de técnico de nível superior e títulos profissionais nas profissões que não requerem o grau acadêmico de licenciatura. As Universidades (U), por sua vez, podem emitir todos os títulos profissionais e graus acadêmicos de licenciatura, mestrado e doutorado. Por fim, mais recentemente, foram criadas as Instituições de Educação Superior das Forças Armadas e de Ordem, que podem entregar através de suas instituições educativas títulos e graus acadêmicos, sendo parte das instituições de ensino superior.
No sistema de educação superior do Chile os estudantes podem optar por seguir o ensino técnico de nível superior, com duração de 2 a 4 anos ou ingressar em uma universidade. Nesse caso, as opções são o bacharelado, que possui ênfase em uma área específica das ciências e permite continuar com os estudos profissionais. O ciclo inicial de estudos pode ser concluído após dois anos de estudos. Outra opção é obter um título de licenciatura ou profissional, que pode ser obtido após 4 ou 5 anos e a partir do qual se pode seguir a carreira acadêmica, com especialização, mestrado e doutorado, conforme ilustra a Figura 3.
Figura 3 – Estrutura do sistema educativo no Chile
Acesso à educação superior no Chile
Até o ano de 2020 o acesso à educação superior ocorria por meio da Prova de Seleção Universitária (PSU), administrada pelo Ministério da Educação, com elaboração, coordenação e correção realizadas pela Universidad de Chile, referência para educação superior no país. Nesse sistema as notas da escola secundária também eram levadas em conta no resultado do exame, sendo nomeadas como Notas de Enseñanza Media (NEM).
A Prova de Seleção Universitária era constituída por dois exames obrigatórios de matemática e idioma, além de testes específicos, que podiam ser de química, física, biologia, história, etc, dependendo de qual carreira o estudante desejava seguir. Cada universidade confere pesos diferentes para os resultados dos vários exames.
Em março de 2022 foi firmado um acordo pela Comissão Técnica de Acesso ao Ensino Superior para que as admissões correspondentes a 2021 e 2022 contemplassem a aplicação de Provas de Acesso Transitório em substituição a Prova de Seleção Universitária. O novo sistema contempla a realização de uma Prova Obrigatória de Competências de Leitura, de Competências Matemáticas, além das Provas eletivas de Ciências, História e Ciências Sociais (Mineducación, 2021). Como veremos adiante, o ingresso no ensino superior apresenta importantes vieses socioeducativos e socioeconômicos.
O Serviço de Informações sobre Educação Superior (SIES), vinculado à Subsecretaria de Educação Superior, divulgou um quadro com informações sobre matrículas para esse nível de ensino referente ao ano de 2022. O documento mostra a manutenção na tendência do número de matrículas nos últimos anos, com predomínio da graduação (pregrado), seguida da pós-graduação (posgrado e postítulo), conforme indica a Tabela 2.
Tabela 2 – Evolução das matrículas por nível de formação (2018-2022)
Sobre a evolução das matrículas por tipo de instituição (2018-2022) nos cursos de graduação, deve-se observar a Tabela 3, que mostra que o ingresso nas universidades se mantêm, ao longo do tempo, em maior proporção do que as matrículas nos institutos profissionais (IP), seguidas pelos Centro de Formação Técnicas (CFT).
Tabela 3 – Evolução das matrículas por tipo de instituição (2018-2022)
Importante também é apontar que a evolução das matrículas por gênero (2018-2022), mostra uma tendência que se mantém, com a maioria das mulheres realizando matrícula no ensino superior. No ano de 2022 este total chegou a 53,8%, enquanto o número de homens atingiu um percentual de 46,2%, como mostra a Tabela 4.
Tabela 4 – Evolução das matrículas por total de gênero (2018-2022)
Outros dados interessantes mostram as áreas de conhecimento envolvidas nas matrículas e em nível de graduação. As áreas que predominaram para o ano de 2022 são a de tecnologias (25,9%), seguida por saúde (19,6%) e administração e comércio (18,8%). Os dois últimos, saúde e administração e comércio, inverteram a ordem quantitativa de matrículas a partir do ano de 2021, conforme indica a Tabela 5.
Tabela 5 – Evolução das matrículas por área do conhecimento (2018-2022)
Controle e avaliação da qualidade da educação
Entre os anos de 1998 e 1999 foi firmado através de empréstimos internacionais o Programa MECESUP1, que estabeleceu objetivos para a educação superior com base em exigências do Banco Mundial. O programa visava melhorar a qualidade da educação terciária, tornando o sistema educacional mais competitivo (Universidad de Chile, 2023).
Por meio desse programa, o financiamento para a educação superior passou de um sistema de alocação de recursos calcado em critérios históricos, sem prestação de contas pública, para um novo cenário de alocação baseado em resultados (indicadores de desempenho), o que permitiu a alocação de concursos por um Fundo Competitivo (CF) (Universidad de Chile, 2023).
Alguns dos resultados foram melhorias acadêmicas e de infraestrutura das instituições de ensino superior: melhoria da qualidade e pertinência dos programas; estabelecimento de projeto de acreditação para verificar a qualidade do ensino das instituições de ensino superior e de suas ofertas de graduação e pós-graduação; fortalecimento da capacidade de gerenciamento institucional, reforçando a qualidade e pertinência dos programas de ensino superior e a qualificação dos professores; ampliação do acesso ao ensino superior para estudantes de setores de baixa renda e melhora na prestação de contas do financiamento público (Universidad de Chile, 2023).
Em razão dos resultados positivos o programa foi estendido, tendo-se estabelecido o Mecesup 2 (2005-2011), a fim de aumentar a eficácia do financiamento público ao ensino superior, melhorando a coerência, capacidade de resposta, equidade e qualidade do sistema. A partir de 2013 houve a continuação do programa com o Mecesup 3, que visava melhorar a qualidade e pertinência do ensino superior através da expansão do sistema de financiamento baseado em resultados. Pretendia tornar o financiamento por resultados uma característica padrão do sistema de financiamento das IES chilenas (UNIVERSIDAD DE CHILE, 2023).
Modelos de financiamento da educação superior
O país construiu um sistema de educação pública gratuita mantida pelo Estado, que persiste durante todo o período ditatorial. Até os anos 1980, o Chile contava com duas universidades públicas e seis privadas (GORGULHO, G., 2012). A mudança foi gerada na Ditadura militar de Augusto Pinochet, que estabeleceu mecanismos para a criação de novas universidades privadas a partir do financiamento privado. Segundo a literatura, a primazia das instituições públicas significava 65% das matrículas, enquanto as demais particulares recebiam verba pública.
O Chile foi o 1º país da América Latina a cobrar mensalidades em instituições públicas de ensino superior. Com a reforma gerada pelo General Pinochet, iniciou-se a descentralização do financiamento e da administração das escolas e das universidades, prevalecendo o modelo de educação privatizada. Vale ressaltar que desde a educação primária, foi observado este movimento de privatização, com as autarquias municipais recebendo a implantação do sistema de subsídios por aluno, conhecido como vouchers. Este sistema possibilitou que os pais pudessem escolher onde deveriam matricular seus filhos.
Segundo estudo do Fórum Econômico Mundial de 2015, a educação superior no Chile era considerada uma das mais caras do mundo, ocupando o quarto lugar no ranqueamento quando levado em consideração a renda per capita das famílias. Segundo o Ministério da Educação Chilena,[ii] há dois modelos de oferta de financiamento: um, com a participação direta do Estado no financiamento, dispondo recursos para as universidades diretamente e outro, de maneira indireta, dispondo de articulações com instituições bancárias.
O primeiro modelo é o mais antigo, sendo os recursos destinados historicamente para o Conselho de Reitores das Universidades Chilenas (CRUCH), que possuía autonomia financeira. O segundo é um modelo de financiamento indireto, em que são considerados o número de matrículas e os pontos no ranqueamento da seleção Universitária (PSU). Esse aporte é intermediado por instituições financeiras.
Figura 4 – Modelos de oferta de financiamento
Aporte Fiscal Direto (AFD) | Aporte Fiscal Indireto (AFI) |
Recebido pelas universidades do Conselho de Reitores das Universidades Chilenas (CRUCH) – entidade independente (1954) O Estado historicamente financiava as universidades, tanto as estaduais quanto as privadas. | Recebido pelas Instituição de ensino superior, pelo critério de número de matrículas na instituição e os pontos registrados nas Prova de Seleção Universitária (PSU), o vestibular chileno. |
Desta forma, o modelo indireto foi institucionalizado em 2005 como forma de crédito com a garantia do Estado. Esse dispositivo financeiro tornou as mazelas sociais ainda mais intensas, com a cobrança ostensiva de taxas de juros nos financiamentos bancários.
Avaliação do ensino superior
Falar de financiamento da educação superior chilena é tratar diretamente dos filtros de seleção, pois são as pontuações no sistema de seleção universitária (PSU) as consideradas na matrícula e na escolha das instituições. Quanto maior a Universidade, maior o nível de exigência de pontuação dos alunos para ingressar na Instituição. Assim como a seleção, a prova de aptidão acadêmica, conhecida como “Prueba de Aptitud Académica – PAA” é elaborada pelos conselhos de Reitores.
Essa relação é um mecanismo de desigualdade social. De acordo com o Mapa das desigualdades de ensino de 2018,[iii] cerca de 43% dos estudantes de famílias de baixa renda, isto é, renda mensal média inferior a 550 dólares, obtinham as notas consideradas mais baixas da prova, cerca de 450 pontos. Quando se observa o outro extremo, apenas 4,1% dos estudantes vindos de família abastadas, com renda superior a 2,5 mil dólares, conseguiam alcançar notas acima de 700 pontos, ou seja, 70% de acerto na prova. O estudo mostrou que somente 0,2% dos mais pobres alcançaram as notas máximas.
Devido a inconsistências do sistema de seleção universitária, o Estado chileno sofreu manifestações de secundaristas e de grande parte da população. Conhecida como a Revolução dos Pinguins, iniciada em 2006, consistiu em ocupações de colégios, exigindo melhorias na educação e mudanças estruturais no país. O nome peculiar remetia ao uniforme dos secundaristas, que se tornaram um grupo mobilizador. Entre as principais reivindicações estavam: (i) Derrogação da ‘Ley Orgánica Constitucional de Enseñanza (LOCE); (ii) Fim da municipalização do ensino; (iii) Gratuidade da Prova de Seleção Universitária; (iv) Passe escolar gratuito.
A grande mobilização social pressionou o governo e um dos resultados da “Revolta dos Pinguins” foi a Lei de Educação Superior de 2009. Tal lei garantiu uma extensão do direito à gratuidade ao ensino superior de maneira gradativa, com o aumento da gratuidade para 60% da população mais pobre do Chile. Em seu segundo mandato, Michelle Bachelet (2014-2018) permitiu que jovens mais carentes acessassem gratuitamente os estudos universitários. Foi criado um órgão competente para a função de credencialização e implementação da lei de gratuidade, como responsabilidade da Superintendência da Educação Superior, no interior do Ministério da Educação chileno.
Figura 5 – Organograma do ministério da Educação Chilena
ÓRGÃO COMPETENTE | FUNÇÃO |
Superintendência de Educação Superior | Fiscalizar e credencialização |
Lei de Gratuidade |
Por último, uma das reivindicações levou à criação de um sistema nacional de avaliação da qualidade do ensino superior (entre eles as CFT, IP e universidades) de responsabilidade da “Comisión Nacional de Acreditación” (CNA-Chile), decretado na LEI Nº 20.129 de 2006.
Políticas de permanência no Ensino Superior no Chile
Como foi apresentado até aqui, o sistema de ensino superior no Chile guarda muitas peculiaridades, dada a sua gênese e desenvolvimento no contexto da ditadura. A questão da permanência está diretamente ligada às condições que o estudante tem para vivenciar plenamente o espaço da universidade e desenvolver todo seu potencial intelectual dentro dela. As políticas de permanência possuem maior abrangência, incluindo aspectos relacionados a diferentes formas de inserção plena na universidade, como por exemplo, programas de iniciação científica e à docência, monitoria, apoio à participação em eventos, entre outras atividades (Vargas e Honorato, 2014, p.06).
O que entendemos por assistência estudantil está ligado a possibilitar que o estudante tenha literalmente como sobreviver durante a fase universitária, que ele permaneça e se forme de maneira satisfatória. Desse modo, as ações de assistência são voltadas àqueles que estão passando por situações de vulnerabilidade, seja ela de ordem econômica, social e psicológica. Até o presente momento, a permanência na educação superior no Chile não se inclui em nenhum desenho ou concepção nacional como direito ou mesmo como algum tipo de prática assistencialista por parte do governo. Os principais documentos legais que contemplam a educação não são específicos sobre o tema permanência na educação superior (Vargas e Heringer, 2017).
A seguir destacamos as principais políticas de permanência adotadas de maneira autônoma por cada universidade e a visão dos estudantes sobre as mesmas, com base na Lei 20.845/2015, chamada Lei de Inclusão, que alterou artigos da Lei Geral da Educação (Lei 20.370/2009), de forma a aumentar a lista de princípios que norteiam a educação no Chile, assegurando que ela será ofertada em regime de direito social e não de mercado, com acesso equitativo, gratuidade e ampliação de recursos.
No Chile, cerca de 30 a 40% dos alunos da educação superior abandonam os estudos nos dois primeiros anos (Donoso, Donoso & Frites C., 2013). Deve-se destacar uma variedade de programas, que incluem apoio acadêmico, fortalecimento da cultura autóctone e criação de redes de apoio, a saber:
PACE – Programa de Acompanhamento e Acesso Efetivo à Educação Superior, para alunos que prenunciam alto risco de sair do sistema de ensino. Aplica-se a estudantes de ensino médio no momento anterior ao ingresso na universidade e após seu ingresso, oferecendo atividades de nivelamento acadêmico e acompanhamento psicossocial;
JUNAEB – Junta Nacional de Auxílio Escolar e Bolsas, com a oferta de serviços de alimentação, saúde física e mental, transporte, trabalho voluntário;
Programas de apoio acadêmico (cursos de nivelamento): sistema de reparação ou nivelamento, para corrigir as deficiências nos primeiros anos dos alunos. Em algumas instituições, tais programas assumem a forma de estágios especiais, aulas extraordinárias, cursos de recuperação, tutoria especial efetuada pelos estudantes seniores, palestras sobre métodos de estudo e uso tempo, oficinas de computação, de comunicação, técnicas de estudo, técnicas de leitura veloz, oficinas de oratória, dentre outros;
Programas de apoio econômico e social: bolsas alimentação, transporte, contratação de alunos para trabalhos esporádicos, especialmente de Licenciatura e de Pedagogia;
Programas de integração e motivação: inovação em metodologias de ensino e de aprendizagem, a fim de aumentar sua eficácia e uma maior motivação dos alunos, programas de apoio médico e psicológico, programas de integração e motivação, proposição de atividades extracurriculares, como o esporte e a cultura;
Programa de Apoio à Adaptação Universitária – Universidade da Fronteira (UFRO), que se encontra em uma região com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do país, atendendo uma sociedade multicultural, com estudantes de alta vulnerabilidade socioeconômica e expressiva presença de estudantes com ascendência mapuche;
Programa Rüpü (caminho em mapudungun) de apoio acadêmico para estudantes mapuches. Consideramos importante destacar em razão de sua consistência acadêmica, sociopolítica e pedagógica. O projeto desenvolve estratégias de apoio acadêmico e cultural favorecedoras de incremento das expectativas de êxito acadêmico e de reforço identitário destes estudantes. Na área sociocultural, oferece oficinas de desenvolvimento socioafetivo, relações interpessoais, auto estima, língua e cultura mapuches (Navarrete, Candia & Puchi, 2013);
A Universidade de Bío-Bío (UBB), localizada na região central do país, conta sobretudo com carreiras técnicas na sede de Concepción. Na sede de Chillán há um misto de carreiras em Pedagogia, Psicologia, Engenharia e Psicologia;
Programa Kuykuytun (cruzar uma ponte, em mapudungun), criado em 2008, pretende-se desenvolver respeito, reconhecimento e aceitação da diversidade cultural, através de ações interculturais que visam o resgate de valores das diferentes identidades socioculturais e territoriais dos estudantes da Universidade. O programa se baseia na aplicação de cursos de nivelamento de conhecimentos, apoio acadêmico, fortalecimento da cultura autóctone, desenvolvimento de sistemas de informação especializado, atividades de diagnóstico e geração de redes de apoio.
No entanto, o fundamental para o êxito de qualquer política pública é seu grau de visibilidade para os destinatários e sua participação nos processos decisórios. Pesquisas realizadas pelo Observatório Chileno de Políticas Educativas em 2016, dão conta de que os jovens declaram muitas vezes não contar com a informação sobre os benefícios dos programas de apoio, fazendo com que o problema da evasão se perpetue.
*André Serradas é mestrando em Ciências da Informação na Escola de Comunicações e Artes da USP.
*Juliane B. da Silva é doutoranda em Educação na Faculdade de Educação da USP.
*Lucas Lima de Andrade é mestrando em Educação na Faculdade de Educação da USP.
*Sandy S.G.Oliveira é mestranda em Educação na Faculdade de Educação da USP.
*Afrânio Catani é professor titular sênior aposentado da Faculdade de Educação da USP. Atualmente é professor visitante na Faculdade de Educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.
Referências
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Notas
[i] O texto completo da Lei 17398 pode ser consultado na Biblioteca Nacional do Chile no seguinte endereço eletrônico: Ley Chile – Ley 17398 – Biblioteca del Congreso Nacional (bcn.cl).
[ii] Ver em: https://portal.beneficiosestudiantiles.cl/becas/creditos-de-educacion-superior
[iii]Ver em: https://goodneighbors.cl/desigualdad-educativa/.
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