Pondé e o “Reich de 100 anos do PT”

Foto: Felix Mittermeier
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Por LUIZ DE LUCCA NETO* e ANDRÉ VILLELA DE SOUZA SANTOS**

Comentário sobre o artigo de Luiz Felipe Pondé “O PT é profissional, os bolsonaristas são amadores e cafonas”

Antes de tudo, é importante dizer que a Folha de São Paulo, que frequentemente abre espaço para as mais obtusas opiniões, não se interessou por publicar este comentário sobre os textos mirabolantes de um de seus mais assíduos colunistas. Este texto pontua, de forma irônica, a manipulação de ideias e conceitos que o filósofo pratica em suas colunas.

No ambiente das redes sociais existe a máxima de que nunca, em hipótese alguma, deve-se responder ou “dar palco” para comentários ou críticas inferiores. Aqui, inferioridade corresponde ao capital digital acumulado, que inunda as redes em busca de sua própria valorização e que determinado indivíduo atuante nos meios digitais pode reunir. Seja um comunicador, um produtor de conteúdo ou um articulista de jornal, o seu reconhecimento é medido em quantidade de seguidores e número de views, refletindo, de modo geral, a sua popularidade na internet.

Partindo desse princípio e estando nós, jovens pesquisadores de humanas, em uma posição de larga inferioridade, tanto no quesito popularidade digital quanto em projeção intelectual, pensamos: por que não escrevermos um texto comentando as recentes e mirabolantes colunas do filósofo Luiz Felipe Pondé? Basta transformar em texto aquilo que já falamos por whatsapp, durante toda fatídica manhã em que abrimos o site da Folha de São Paulo e surge, diante dos nossos olhos, uma coluna com título sugestivo (click bait), assinada por ele.

Recentemente, o filósofo nos brindou com mais uma manhã de longa conversa entre amigos pelo whatsapp. O título de sua coluna era arrebatador, como se o dedo ganhasse vida própria e clicasse o botão esquerdo do mouse sem o seu consentimento:“O PT é profissional, os bolsonaristas são amadores e cafonas”. O primeiro parágrafo logo denunciava, sem rodeios e embriagado de “totalitarismo” de Hannah Arendt, a trama conspirada pela esquerda:

Se Boulos levar a prefeitura de São Paulo, a cidade será uma importante cabeça de ponte para o PT levar o estado em 2026. Com as mãos nos cofres federais e de São Paulo —estado mais rico da federação— o PT sangrará o país por 100 anos.

Seria o “Reich de 100 anos do PT”! Provavelmente comandado pelos famigerados clones de Lula, tão falados recentemente no submundo do “zap”, que dariam continuidade ao projeto de poder do líder petista. Se é que o Lula atual já não se trata de um clone. Seria Luiz Inácio o Paul McCartney do Partido dos Trabalhadores e o PT, assim como os Beatles, uma criação de Theodor Adorno e da Escola de Frankfurt, para subverter a cultura ocidental e os pilares do capitalismo?

Não sabemos. O fato é que o filósofo Luiz Felipe Pondé sabe o que escreve e, sem qualquer ironia, domina os conceitos do seu campo.

Certa vez, precisei escrever para a minha tese acadêmica (alerta de academia dominada pelo marxismo cultural!), um pequeno texto de caráter metodológico sobre o conceito de estrutura e superestrutura para a teoria marxista, como introdução para o conceito de hegemonia do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci. Enfim, levantei os principais textos sobre o assunto e, navegando pela internet, encontrei um vídeo de Luiz Felipe Pondé, pasmem, comentando exatamente aquilo que eu procurava: o conceito de estrutura e a superestrutura no marxismo!

Como quase todo acadêmico de humanas, que não esconde uma certa prepotência, logo imaginei falas desconexas e absurdas apresentadas por alguém que repudia o marxismo. Não poderia estar mais enganado, o vídeo do filósofo me brindou com um didatismo que poupou dias a mais de leitura e estudo para escrever sobre o assunto. Imediatamente exclamei ao meu amigo pelo whatsapp:parece que o Pondé realmente leu (sem distorções) Hegel e Marx!

Voltando ao “Reich do PT”, o que Luiz Felipe Pondé apresenta em seu artigo é uma defesa difusa de liberdade, como faz a extrema direita, evocando o pânico moral do “totalitarismo petista” e do “estado brasileiro corrupto”. Neste sentido, as redes sociais seriam a última fronteira não dominada pelo projeto de poder dos esquerdistas, tendo sido todas as instituições da república já tomadas.

No título de sua coluna destaca-se a equivalência entre esquerda petista e a extrema-direita bolsonarista, na maior vibe “teoria dos dois demônios”, dos mesmos criadores de nazismo e comunismo são iguais e a ditadura militar foi uma guerra entre militares e guerrilheiros perversos. No entanto, apesar da falsa equivalência, Pondé dá certa ênfase pejorativa ao “profissionalismo” do PT, diante do “amadorismo” bolsonarista, esquivando-se de qualquer associação com o bolsonarismo.

Pondé sabe se diferenciar das tias “cafonas” do “zap”, que consomem teorias conspiratórias na internet e dificilmente puderam abrir algum livro sobre estes assuntos. Afinal, ele é de origem uspiana, doutor em filosofia, leu e entendeu Hegel e Marx. Sabe bem, muito mais do que nós, quem são Adorno, Benjamin, Horkheimer, Marcuse e a Escola de Frankfurt, diferentemente daquele outro “filósofo”, falecido e terraplanista, que alegava a dominação cultural da esquerda através dos Beatles e o uso de fetos abortados como adoçante por uma empresa de refrigerantes.

Em que pese as aparências, do acadêmico “sofisticado” e do astrólogo do povão, a “teoria” de ambos parece ser a mesma: a esquerda tem um plano para dominar as instituições e construir uma hegemonia cultural. Não existem indícios que provem tal ponto, mas esperamos que tanto o filósofo vivo quanto o falecido “filósofo” estejam corretos.

*Luiz de Lucca Neto é doutorando em História da Arquitetura pela FAU-USP. Membro do grupo Cultura Arquitetura e Cidade na América Latina (CACAL/ FAU-USP).

**André Villela de Souza Santos é doutorando em Psicologia pela FFCLRP-USP. Membro do Grupo de Estudos de Filosofia Contemporânea (GEFICO/ FFLCRP-USP).

Referências

Hannah Arendt. The origins of totalitarianism. San Diego, Nova York, Londres: Harcourt Brace & Company, 1975.

Luiz Felipe Pondé. O PT é profissional, os bolsonaristas são amadores e cafonas. Folha de São Paulo, 03.Mar.2024.


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