Por OTAVIANO HELENE*
Seria para implantar o projeto político, econômico, cultural (?) e moral (melhor, imoral) que hoje, como a COVID, sufoca o país?
O crescimento do número de mortes por COVID-19 no Brasil ao longo do mês de março do 2021, é impressionante: cerca de 3% ao dia, alguma coisa próxima de 20% por semana! Até os últimos dias do mês, não há nenhuma indicação de que a taxa de crescimento esteja cedendo; ao contrário, não apenas o número de mortos a cada dia tem aumentado, como aumentou cada vez mais rapidamente ao longo do mês. Como essa é uma característica do início de cada novo surto, ou nova onda, como se convencionou chamar, uma conclusão é possível: o atual surto está em seu início. Se essa avaliação for correta, ainda devemos esperar que o aumento do número de mortes ao dia comece a se reduzir, atinja um máximo e comece a recuar, até que o atual surto acabe.
A figura abaixo ilustra a situação das mortes por COVID no Brasil entre o início de abril de 2020 e final de março deste ano. Os pequenos círculos mostram o número de mortes a cada dia, sendo que os dados foram dessazonalizados segundo os dias da semana.[1] A linha contínua é o resultado do ajuste de um modelo de comportamento da variação do número de mortes em prazo longo, servindo para guiar os olhos.
Mantida a atual situação, na segunda semana de abril o número diário de mortes poderá ter atingido quatro mil, chegando a cinco mil na segunda metade do mês. Esperemos que tal previsão esteja errada, embora, por enquanto, nada indique isso.
Até quando o atual surto durará é difícil prever. Entretanto, comparando com outros surtos no Brasil e em outros países, é possível que a fase de crescimento ainda dure muitos dias e permaneça alto por um período de várias semanas. Por exemplo, surtos que iniciaram em dezembro passado em vários países duraram cerca de 3 a 4 meses, com um período mais intenso no número de mortes diárias da ordem de dois meses, mesmo em países que combinaram rigorosos confinamentos e restrições de movimento com ampla aplicação de vacinas.
No Brasil, o período mais intenso do primeiro surto no número de mortes, no primeiro semestre de 2020, durou três ou quatro meses, duração bastante típica em países populosos, como os EUA, Índia, Rússia, entre outros (com a notável exceção da China).
Portanto, se tais regras se mantiverem – e nada indica que não será assim –, o surto que nos atinge desde o início de março pode levar à perda de algumas centenas de milhares de vidas; ao longo do mês de março, 60 mil vidas já se foram. Isso nos transformará no país com o maior número de mortes e, possivelmente, entre os países com as maiores taxas de mortalidade em relação à população.
Comparativamente com a média de mortes nos demais países da América Latina e Caribe, relativizadas para o tamanho das populações, a perda adicional de vidas no Brasil até agora foi da ordem de 140 mil. Quando tomamos todos os países do Mundo como referência, a perda adicional de vidas foi de cerca de 250 mil vidas. Se o Brasil tivesse optado pelos procedimentos tipicamente adotados pelos demais países, centenas de milhares de pessoas não teriam morrido.
E nossos governos (governos?) foram avisados deste surto que nos sufoca e mata neste momento: eles sabiam que as mortes atingiriam os patamares atuais e têm como saber como elas evoluirão nos próximos meses com muito mais precisão do que os valores estimados neste pequeno artigo.
Por que tantas mortes? Seriam elas necessárias para implantar o projeto político, econômico, cultural (?) e moral (melhor, imoral) que hoje, como a COVID, sufoca o país? Por que precisam que nós morramos?
*Otaviano Helene é professor sênior do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Adusp e do INEP. Autor, entre outros livros, de Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento (Autores Associados).
Nota
[1] A dessazonalização foi feita observando-se a sistemática na variação diária, ao longo de uma semana, nos dados reportados. Nos domingos e segundas-feiras, os números de mortes são inferiores aos valores esperados; entre terças- e sextas-feiras, os dados são superiores. Possivelmente, tal sistemática significa que as mortes ocorridas mas não registradas em um período são registradas posteriormente. Os fatores de ajuste sazonal calculados com base na sistemática do período analisado, pelo qual os dados reportados entre domingo e sábado devem ser multiplicados, são 1,79, 1,61, 0,80, 0,81, 0,81, 0,92 e 1.00. Tal dessazonalização, como qualquer outra, não é exata, pois não inclui variações provocadas pelos fatores não considerados (como feriados durante os dias da semana, por exemplo).