Por uma nova dinâmica nas campanhas eleitorais de 2024

Imagem: Fabio Akamine
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Por CHICO WHITAKER*

Parlamentares a favor do povo devem também formar suas bancadas

Fui convidado para este encontro com candidatos e candidatas às eleições municipais de 2024, mas minha saúde me impede de estar com vocês. Tomo então a liberdade de lhes enviar este texto.

São só três palpites que gostaria de lhes dar, para suas campanhas. Esperando que conversem sobre eles com seus eleitores e apoiadores. São coisas que aprendi quando fui vereador há mais de 20 anos e que venho aprofundando na Universidade Mútua, que promove trocas de saberes, na perspectiva pedagógica de Paulo Freire: todos tem alguma coisa a ensinar e alguma coisa ainda a aprender.

1.

O primeiro palpite é sobre o poder que terão depois de eleitos ou eleitas. Eu diria que terão muito pouco poder, se ficarem isolados. Podem ficar falando sozinhos, mesmo que façam belos discursos na tribuna da Câmara. Só terão algum poder se tiverem o apoio de outros vereadores e vereadoras. E, nesse caso, poderá ser muito grande. Porque vivemos num Estado democrático de direito e, nesse Estado, todos tem que respeitar a lei. Só se pode fazer o que for autorizado por lei. Nem prefeitos, governadores e presidentes podem ignorá-la. E quem faz a lei são as Câmaras, as Assembleias, o Senado. Ou seja, o Poder Legislativo, para o qual vocês querem ser eleitos.

E como esse Poder decide? Por maioria de votos. Mesmo os mais autoritários ou autoritárias não conseguem nada se não contarem com maiorias de parlamentares que votem a lei que proponham, ou tomem qualquer outra decisão. As propostas de mudança das coisas, que vocês estão fazendo nas suas campanhas, só se concretizarão se forem assumidas por uma maioria de vereadores e vereadoras.

2.

O segundo palpite é sobre uma maneira de conseguir isso. Nossas casas legislativas (Câmaras, Assembleias, Senado) andam muito mal no Brasil. São pouco ou nada representativas do povo brasileiro. E acabam votando só coisas contra o povo. Porque só lhes interessa tomar decisões que atendam aos seus interesses pessoais e aos das empresas e organizações que financiem suas campanhas.

Os que propõem e querem votar coisas a favor do povo, nos nossos parlamentos, são minorias. Não contam com os votos necessários para que suas propostas sejam aprovadas.

Como superar então esse bloqueio? Os parlamentares contra o povo defendem seus interesses formando grandes bancadas: a bancada do boi, da bala, da Bíblia, do agronegócio, do veneno etc., etc. E assim impõem o que quiserem ao país. Se quiserem não aprovam nenhuma proposta do Executivo, ou nenhuma lei de que ele precise para cumprir suas promessas de campanha, ou mesmo para só governar.

Ora, os e as parlamentares a favor do povo não podem também formar suas bancadas? A favor da saúde do povo, da sua moradia, da educação, do transporte, da igualdade, dos idosos, dos jovens, contra o racismo, a corrupção, o desmatamento, o veneno, etc, etc? Como as mulheres: elas já não estão formando bancadas das mulheres, reunindo gente dos mais diversos partidos?

Mas para virar assim o jogo será preciso consagrar a isso um pouco do tempo das campanhas de vocês, de cada candidato ou candidata a favor do povo. O tempo que puderem. Porque lhes será essencial. E envolver nessa reflexão e ação seus eleitores, eleitoras, apoiadores e apoiadoras. Disso depende não ficarem depois falando só para eles.

Comecem identificando bem a questão ou questões sobre as quais pretendem trabalhar mais intensamente. Identifiquem em seguida outros candidatos e candidatas que tenham os mesmos objetivos. Discutam com eles a necessidade de formar maiorias a favor do povo, em torno desses objetivos. E formem coletivos de candidatos e candidatas que pensem o mesmo. E, uma vez eleitos (tomara!) formem bancadas a favor do povo, para a realização dos objetivos dos coletivos.

Temos que ter grandes e poderosas bancadas a favor do povo. E é preciso que, somadas, elas tenham a maioria dos votos nas Casas Legislativas.

3.

Meu terceiro palpite: é pela porta das eleições municipais que entram na classe política os oportunistas e aproveitadores que deterioram a qualidade e a representatividade de nossos parlamentos. Candidatam-se não por ideologia, mas para se tornarem cabos eleitorais, na base da sociedade, dos deputados e senadores que financiem suas campanhas. Para que funcione bem a máquina eleitoral contra o povo! E depois, se subirem na carreira política, serão os parlamentares que inflarão as bancadas contra o povo. Trocarão o poder de seu voto por tudo que possam arrancar dos cofres públicos, em proveito pessoal, chantageando quem estiver no poder.

Mas como esses espertalhões conseguem ser eleitos? Comprando, em troca às vezes de ínfimas ajudas, os votos de milhares de pessoas com necessidades desatendidas e desinformadas politicamente, que é o que não falta no Brasil. São os abusadores das carências alheias.

Ora bem, existe uma Lei, número 9840/99, que pune a compra de votos e também o uso da máquina pública para conseguir eleitores. Foi uma lei de iniciativa popular porque só mesmo o povo teria coragem de propor algo como isso. E o milhão de assinaturas com que foi apresentada ao Congresso derrubou as resistências, até ser aprovada.

E agora, graças a ela, quem for flagrado cometendo esses crimes perde o seu registro de candidato(a) e se torna inelegível por oito anos. Basta juntar provas e os denunciar ao MP – Ministério Público e ao MCCE – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Que ninguém espere para fazê-lo, se souber da atuação de algum criminoso desse tipo. Diminuiremos assim o número de membros das bancadas contra o povo.

Será que podemos começar a virar o jogo em 2024? Tenham a certeza: se vocês falarem disso em suas campanhas acordarão muitos eleitores e eleitoras para o poder que eles têm em suas mãos, como cidadãos e cidadãs, para melhorar nosso país. Não deixarão mais para escolher na última hora em quem votar para vereador ou vereadora e não esquecerão em quem votaram!

*Chico Whitaker é arquiteto e ativista social. Foi vereador em São Paulo. Atualmente é consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

Transcrição de vídeo enviado a encontro da Pastoral de Fé e Política da Lapa (SP) em 17/08/2024.


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