Por MANUEL DOMINGOS NETO*
Quem ofende as Corporações militares brasileiras são seus comandantes
A ser verdade que tenham “consultado” oficiais sobre o acatamento do resultado das urnas, Lula e Nelson Jobim agrediram as Forças Armadas: admitiram que os comandantes poderiam atuar à margem da lei. Não cabe a generais manifestação a respeito do gosto do eleitor, que materializa o princípio constitucional da soberania popular.
Ao que eu saiba, nem Lula nem Jobim confirmaram o que a imprensa noticiou. Os comandantes não reagiram. Fosse verdade, perceberiam a agressão?
Eis que, no dia 24 de abril, o Ministro da Defesa acusa um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de ofender seriamente as Forças Armadas. Luís Barroso disse que as fileiras estariam sendo orientadas para atacar o sistema eleitoral.
Neste caso, o Ministro da Defesa reage rapidamente. Declara que as corporações seguem o padrão republicano e que o Ministro teria afetado “a ética, a harmonia e o respeito as instituições”.
Como explicar reações tão distintas?
A política sempre conviveu com a hipocrisia e os militares com a dissimulação. Quem melhor camufla intenções leva vantagem na guerra. Dissimulação e camuflagem são matérias obrigatórias no aprendizado militar. Nestes tempos tormentosos, a cidadania sofre para entender o que se passa.
Luís Barroso, na verdade, prestou grande serviço às fileiras. Ao dizer que estariam sendo orientadas, eliminou a alternativa de os comandantes serem orientadores; reforçou a versão que os isenta de responsabilidade pela tragédia brasileira. Essa versão pretende ignorar que o atual presidente foi formado no quartel e dele recebeu apoio. Ignora também que, em seu governo, os militares, em consorcio com outros atores, firmam diretrizes perversas e administram sua implementação.
Fingindo advertir as fileiras, Barroso ajudou a limpar a farda suja. O que pretende o Ministro falando sobre o que não lhe compete? A cumplicidade do Supremo com a degradação institucional é histórica. O mesmo se pode dizer de comandantes militares que insistem em posar de imaculados após secular e tenebrosa trajetória de interferências na vida brasileira.
O general Paulo Sérgio diz que as Forças Armadas atenderam “republicanamente” ao convite para integrar a Comissão de Transparência das Eleições. Esquecidos do preparo para enfrentar estrangeiros cobiçosos, os militares se meteram onde não deviam. O general disse: “eleições são questão de soberania e segurança nacional”. Tanto tempo de escola cara e não aprendeu a distinguir conceitos elementares!
No clima de desmoralização acentuada das fileiras, o Ministro assegurou que as Forças Armadas contam com o respeito da população e martelou: “desde o seu nascedouro, (as FFAA) têm uma história de séculos de dedicação a bem servir à Pátria e ao Povo brasileiro, quer na defesa do País, quer na contribuição para o desenvolvimento nacional e para o bem-estar dos brasileiros”.
Por que as maiúsculas nos termos pátria, povo e país? Seriam instituições? Como identificá-las? O cacoete castrense das maiúsculas exibe noções confusas e indigência intelectual.
A nota assinada pelo general Paulo Sérgio amplia a barafunda, agrava o clima de incerteza e expõe a crise de identidade das fileiras: é uma pretensa permissão para que continuem interferindo no processo político.
Quem ofende as Corporações militares brasileiras são seus comandantes que, dilapidando recursos públicos, descuidam da defesa nacional, perdidos entre funções incompatíveis. Duzentos anos após a Independência, os comandantes ainda não resolveram o que pretendem ser na vida, se militares, políticos, policiais ou administradores públicos.
Sugestão aos generais: recolham-se, aguardem as determinações do comandante supremo que será definido nas urnas. Enquanto isso, reflitam sobre o seu fracasso em dotar o país de autonomia básica em armas e equipamentos para encarar o estrangeiro que não desiste de levar nossas riquezas e se beneficiar com nosso suor.
*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC/UFF, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e ex-vice-presidente do CNPq.