Por DANIEL COSTA*
Comentário sobre o livro de Chico Felitti
1.
Abordar a trajetória e construir relatos biográficos de grupos e personagens marginalizados dentro das sociedades tem sido uma questão candente para os profissionais das ciências humanas. De sociólogos a antropólogos, passando por jornalistas e historiadores, é grande a discussão sobre os métodos a serem aplicados para viabilizar a execução do trabalho.
Como contar essas histórias, como dar voz a essas populações, e outras questões que surgem na mesma linha tem incomodado de forma positiva aqueles que desejam abordar o percurso desses personagens. O resultado parcial dessas indagações pode ser visto em uma série de trabalhos,[i] cada um, a seu modo e de acordo com metodologias diferentes, tentam apresentar subsídios para enfrentar esse desafio posto.
Quando o historiador pensa em reconstituir a trajetória de personagens marginalizados,[ii] especialmente mulheres e homens que ficaram a margem da história oficial, a primeira dificuldade reside exatamente em encontrar indícios que apontem caminhos para pensar essas trajetórias.[iii] Desde a população indígena, passando pelo significativo contingente de escravizados africanos que enfrentaram uma travessia continental forçada, chegando aos trabalhadores informais do princípio do século XX. A variedade de indivíduos com histórias dignas de estudos e reflexões abarcaria anos e anos de trabalho de pesquisa e um enorme número de profissionais dedicados à tarefa.
Buscando realizar uma reflexão baseada principalmente no método e no modo de fazer história, trago a contribuição e os questionamentos do historiador Miguel Rodrigues de Sousa Neto. De forma instigante, o historiador pergunta a seus leitores: “quem pode ter suas trajetórias, por vezes, insólitas, contadas? Quem são as pessoas cujas experiências podem ser transformadas em narrativas e passadas adiante? As vidas de pessoas fora dos grandes círculos do poder político, econômico e cultural interessam? Caso interessem, a quem?”.
O autor prossegue sua reflexão afirmando que, “a história, durante parte significativa de sua existência como um modo de apreender as ações humanas no tempo e no espaço e garantir acesso à memória escolheu poucas pessoas para que a posteridade as conhecesse. Uma das formas de incluir – e de excluir – quem comporia seus anais seria avaliar o impacto de tal sujeito na sociedade da qual fez parte. Mesmo com um critério tão largo, os sujeitos subalternizados, grupos “marginais”, pessoas “comuns” têm estado fora das narrativas históricas”.[iv]
Cabe esclarecer, porém, que a história, enquanto disciplina, não é a única responsável por esse apagamento. Segundo Miguel Rodrigues de Sousa Neto, “a grande imprensa, outras ciências, museus e demais espaços de guarda das memórias têm comumente se fechado aos sujeitos desviantes, não hegemônicos. Pessoas consideradas “fora da lei”, “marginais”, “desviadas”, “perigosas”, “inconvenientes” têm sido mantidas longe das narrativas que contam sobre o Brasil, seus grandes centros urbanos, as cidades e vilas interioranas, as sociabilidades possíveis, os desejos vários, a capacidade transgressiva, quando não figuram como vilões e vilãs – antagonistas a serem batidos”.
Nesse rol de personagens que, na maior parte de sua existência, tivera a cidadania negada pelo Estado constituído, destaco ainda aqueles que eram tidos como malandros, além de prostitutas, cafetinas, crianças e jovens órfãos. Essa parcela considerável da população brasileira poderia passar quase desapercebida pela história, visto que os registros que deixados ao longo de sua trajetória são quase nulos. Quando pensamos em pessoas T, ou seja, mulheres e homens trans ou travestis a dificuldade é ainda maior, afinal suas trajetórias são marcadas por um processo dual, uma espécie de renascimento e, ao mesmo tempo de invisibilização de seus corpos e identidade.
2.
É como parte de um processo crescente de quebra da invisibilidade imposta a pessoas T, que o jornalista Chico Felitti[v] trouxe para o público o livro Rainhas da noite. As travestis que tinham São Paulo a seus pés. Ao longo de 236 páginas o leitor terá a oportunidade de conhecer além da história de Jacqueline Welch, Andréa de Mayo e Cristiane Jordan, um centro de São Paulo que ficou na memória de velhos boêmios e notívagos, mas também um centro onde para escapar da violência; seja do Estado ou daqueles que se intitulavam como “pessoas de bem”, essas mulheres criaram seus próprios códigos e leis.
De acordo com Chico Felitti ainda no prefácio da obra, “a história de Jacqueline Welch, Andréa de Mayo e Christiane Jordan é uma história oral. Não há fotos do bordel de luxo que Jaqueline comandou durante décadas em frente à igreja da Consolação, nem registros oficiais dos anos em que Cristiane foi vítima de pedofilia, tampouco inquéritos sobre os assassinatos que Andréa de Mayo declarava publicamente ter cometido. Também não existe rastro de qualquer documentação sobre a riqueza financeira e os feitos artísticos dessas grandes personagens da noite paulistana”.
Ante ao que foi dito pelo próprio autor, era necessário então buscar caminhos que possibilitasse a reconstituição mesmo que parcial da vida dessas mulheres. Afinal, “os poucos papéis que restam sobre a vida de Jacqueline, Andréa e Cristiane são boletins de ocorrência e processos por crimes[vi] como estelionato, notícias de prisão e de mortes publicadas na capa de tabloides ou noticiadas timidamente por jornais. As três são vítimas do que hoje se chama violência arquival,[vii] ou seja, o apagamento da história de pessoas que viveram às margens da sociedade,[viii] o que impossibilita contar a biografia delas com o mesmo embasamento factual que teriam a de empresários, esportistas e qualquer outra categoria de ser humano considerada mais “digna” de documentação”.
Ao ser questionado sobre a importância em discutir a questão da violência arquival, Chico Felitti também traz a própria dificuldade enfrentada no processo de construção de Rainhas da noite, vejamos: “Porque ela (a violência arquival) cria um ciclo sem fim, um ciclo vicioso de apagamento. Então tá, essas pessoas existiram em uma época em que elas eram ainda mais segregadas, marginalizadas. Por causa disso elas não saíam no jornal, não eram sequer documentadas na Justiça. Muitas nem tinham documento. Depois, quem quiser contar a história delas não vai conseguir justamente por causa dessa falta de arquivo. Quando a gente escolhe não contar algumas histórias, isso tem um efeito, um eco que dura por muito tempo. A partir do momento em que se inicia uma investigação que seja pela memória das pessoas, você rompe com isso. As pessoas passam a poder consultar essa história, algo que até então não era possível. Existem acontecimentos que já estão no arquivo, mas é difícil inserir nele próprio outros novos”.[ix]
3.
Antes de ler o livro de Chico Felitti, é fundamental o leitor saber que o Brasil, com suas eternas contradições, figura entre os países que mais consome pornografia trans,[x] e, ao mesmo tempo, é o país que mais assassina essas população.[xi] Quando o olhar é voltado para temas como saúde[xii] e educação, o caminho a ser percorrido também apresenta obstáculos. Apesar de políticas afirmativas desenvolvidas nos últimos anos, o acesso ao ensino superior[xiii] ainda é restrito a essa parcela da população, assim como os espaços de empregabilidade.[xiv]
Por fim é oportuno trazer a contribuição do também historiador Juno Nedel sobre a questão. De acordo com Juno Nedel: “Seria inapropriado afirmar que pessoas transgêneras e gênero-diversas foram completamente apagadas da história. Há inúmeros registros de diversidades de gênero em sociedades pré-coloniais e pós-coloniais, como as hijira, na Índia, ou as pessoas dos povos nativos norte-americanos que foram chamadas de mujerados e two-spirit pelos colonizadores da América”.[xv]
Tomando como recorte a trajetória de mulheres trans e travestis ainda há um longo caminho a seguir; em uma sociedade que busca colocar essas mulheres a margem, cabe a historiadores, antropólogos, sociólogos e jornalistas (e que tenhamos cada vez mais profissionais T para desenvolver tais pesquisas[xvi]) desbravarem esses labirintos de memória[xvii], e foi isso que o jornalista Chico Felitti fez de forma magistral em Rainhas da noite.
4.
No decorrer de doze capítulos Chico Felitti apresenta muito mais que a trajetória de três travestis, o jornalista mostra como ao longo de sua obra como ao longo de quatro décadas essas três mulheres construíram um império, “cada qual com seu território, sua maneira de governar, seus defeitos e suas qualidades”.
As três mulheres chamadas por Chico Felitti de rainhas da noite são: Jacqueline Welch, foi pioneira ao abrir no começo da década de 1970 um salão de beleza nos moldes dos mais luxuosos da cidade para atender travestis, transexuais e prostitutas, na mesma década instalou em seu palacete um bordel de travestis, o sobrado localizado na esquina da Consolação com a Rego Freitas, funcionou entre 1974 e 1994.
Andréa de Mayo, foi dona de pensionatos para travestis, atriz, participando inclusive da montagem paulistana da Ópera do malandro. Chico Felitti narra que apesar de ensaiar por pouco mais de duas semanas, Andrea despertou a atenção. “Há protestos de grupos católicos contra a presença dela na peça, com os seios pequenos à mostra. A crítica elogia o espetáculo, mas nenhuma resenha toca em seu nome. Não falam bem nem mal, simplesmente a ignoram. Poderia ser uma coincidência, mas há textos que citavam da iluminação à atuação de figurantes, enquanto calavam sobre o fato de Andréa de Mayo, uma travesti que vive em um submundo de pessoas segregadas e sem direitos, interpretar Geni, uma travesti em iguais condições”.[xviii]
Andréa ainda foi uma reconhecida ativista, sendo uma das principais vozes do movimento LGBT na década de 1990, foi ainda a primeira travesti paulistana a se tornar colunista da imprensa e foi proprietária da Prohibidu’s, boate que foi um marco na noite de São Paulo, localizada na Amaral Gurgel, número 253.
A terceira rainha apresentada por Chico Felitti é Cristiane Jordan – em sua caminhada aquela criança que fugira da região do Bixiga para os arredores da Praça da República. “Seria já adulta a “delegada” de cerca de vinte e dois quarteirões ocupados pela prostituição no centro da maior cidade brasileira”.
De acordo com o autor, Cristiane é um Estado paralelo de quase dois metros de altura, “e, quando esse Estado paralelo vem cobrar seus impostos, as outras estendem a mão”. Um dos poucos casos em que houve alguém que enfrentou Cristiane, foi exatamente outra travesti, chamada Cláudia Edson. “Em uma noite de sexta quando Cristiane está cobrando seu pedágio, Cláudia, que mora na Itália e passa o inverno europeu no Brasil, diz que não vai pagar. “A semana foi penosa, não tenho dinheiro nem para mim”, avisa. Cristiane Jordan levanta a mão para lhe dar na cara. Cláudia, que é tão forte quanto Jordan, a impede.
“Nem de polícia eu apanho na cara, não é de você que eu vou apanhar”, diz Edson. Cristiane abre os olhos e faz cara de aviltada. “A gente era parecida. Parecidas na fama. Na mente do povo já era o preto, o negão, o macaco, a babadeira que se atraca”, diz Cláudia. A tensão se dissolve no ar enquanto Cristiane e Cláudia selam um pacto silencioso. “Ela viu que a gente era parecida. Que eu era como ela”, conta. Cristiane então recolhe a mão e a estende para as próximas prostitutas”.[xix]
Ao mesmo tempo que extorquia as trabalhadoras da rua, Cristiane também garantia a segurança e a proteção de suas meninas, seja frente a clientes que causavam problemas, ou seja, frente aos abusos cometidos pelo Estado oficial. Um dos conflitos liderados por Jordan e que ficaria na memória de dezenas de travestis da região ocorreu em uma noite quente do verão de 1988. “O camburão para na frente do bar da Sopa, na rua Amaral Gurgel. Cláudia Edson, que está comendo um picadinho, para com um garfo no ar. Meia dúzia de policiais sai correndo da viatura. Há quinze travestis jantando no bar, perto da meia-noite. Os policiais começam a gritar ordens, como “Todo mundo na parede”.
Cláudia olha para a pessoa que está comendo ao seu lado no balcão. “Nós não vamos, né?”, pergunta. “Só se você quiser”, responde a mulher, de peruca black power e vestido de lantejoulas. “Eu não quero, não”. As duas deixam os pratos pela metade e se levantam prontas para a guerra. Cláudia Edson e Cristiane Jordan não são amigas. O embate da praça Rotary não foi esquecido, mas naquela noite há uma união em nome de um bem maior. No bar, as duas juntam forças. Literalmente. Cláudia levanta uma cadeira de madeira enquanto Cristiane pega um filtro de barro do balcão e arremessa na direção dos policiais.
A cerâmica terracota estoura como uma bomba, e faz com que os policiais se desagrupem. Depois, começam a jogar mesas. Pratos. Talheres. Até que as outras seguem o exemplo. “Nós quebramos tudo, meu amor”, conta Cláudia. “Minha coragem vinha do medo. Eu era muito traumatizada, tinha muito medo”. Mas quem se assusta são os homens, que acabam indo embora. Nenhuma travesti é presa no bar da Sopa. Cláudia Edson e Cristiane Jordan se sentam no balcão e terminam de jantar em meio a um local destruído. Como se fosse mais uma noite qualquer. Como se o centro não fosse um território em guerra”.[xx]
A batalha travada por Cristiane e Cláudia contra o contingente de policiais seria apenas uma amostra da violência perpetrada pelo Estado oficial contra a comunidade LGBTQIAP+, diante de tal cenário o Estado paralelo também deveria reagir. Nesse período, Andréa também vive um momento de intensa atividade. Além da Prohibidu’s, ainda administra suas oito “repúblicas de prostitutas” e “ronda o bairro dando ordens e defendendo o sustento das colegas”. Felitti narra que a rainha da noite pegava seu carro e saia pelo entorno da Praça da República, Largo do Arouche e Amaral Gurgel ditando suas regras e a programação das casas da região. “Quero show de travesti aqui na quarta-feira”, exige dos administradores da Danger, uma boate voltada para o público gay que só oferece shows de drags no final de semana e eles obedecem de pronto”.[xxi]
Andréa não tinha medo de passar seus recados, como quando descobriu que uma boate estava fazendo shows de travestis às seis da manhã, horário que considera dela e de mais ninguém. Andréa aparece no começo da noite na casa noturna, entra e avisa os donos: “Vocês vão passar a fechar às cinco da manhã. E amanhã não vão nem abrir”[xxii]. Na noite seguinte ela passa em frente a casa, que respeita a ordem da rainha e não abre.
Como uma verdadeira rainha do seu território, Andréa poderia ser inclemente com aqueles que não seguissem suas determinações, porém, ao mesmo tempo, exigia que as boates abrissem espaço para shows com travestis, para que suas meninas pudessem ter uma fonte de renda. Ainda usou de sua força para acabar com a discriminação que impedia pessoas T de entrarem em determinadas festas e casas noturnas da região.
5.
Em meio a trajetória das três rainhas, Chico Felitti traz outras questões para reflexão do leitor, como a dificuldade enfrentada pelas travestis que buscavam o seu reconhecimento enquanto artistas. No final da década de 1970 muitas travestis começam a fazer pontas em produções da Boca do Lixo[xxiii], entre elas Jacqueline Welch que faria uma ponta em Casais proibidos. Margot Minnelli relembra sua passagem pelo cinema da Boca quando participou de um filme dirigido por Wilson Barros.
Segundo Margot Minelli: “A gravação era um fervo. Mas era coisa curta. Eles queriam travesti para fazer um show, ou fazer um número sexy, e era isso aí. A gente não era nem chamada de atriz. Era chamada de travesti. Ouvi até de um diretor que não colocavam nosso nome no pôster porque travesti não é artista, é travesti”[xxiv]. Cláudia Wonder é outra personagem que apesar do destaque obtido na Boca afirmou que no período: “A representação da travesti era erótica, sexual. Ou chacota”.[xxv]
Com Rainhas da noite, Chico Felitti mostra para o público três rainhas que mesmo em uma sociedade que luta dia e noite para calá-las foram protagonistas de suas próprias vidas. Foram também protagonistas da vida cotidiana do centro da cidade de São Paulo, por quase quatro décadas. Em um país que violenta, pessoas T cotidianamente, Jacqueline, Andréa e Cristiane tiveram voz e a usaram, em lugares que lhe eram hostis, forçaram a entrada e disputaram espaços. No centro da maior cidade da América Latina, elas deram as cartas.
Além da versão impressa lançada em 2022, com reimpressão em 2024 – fato que comprova a aceitação e importância da obra – o livro foi lançado também em audiolivro em 2021.[xxvi] Na versão disponível na plataforma Storytel a trajetória das três rainhas é contada pela atriz, dramaturga e transpóloga Renata Carvalho, que assim como as personagens da obra de Chico Felitti é uma referência.
Ao fundar o Movimento Nacional de Artistas Trans (Monart), e, dentro dele lançar o Manifesto Representatividade Trans Já, Diga Sim ao Talento Trans, Renata Carvalho surge como figura de proa no movimento que pede o fim do chamado transfake, ou seja, a representação de personagens trans por pessoas que não são trans e que geralmente é carregada de estereótipos. Com a luta que em determinados momentos pode trazer mais ônus que bônus, Renata contribui de forma decisiva para que situações como as narradas por Margot Minnelli e Cláudia Wonder não se repitam.
Rainhas da noite é um livro fundamental para aqueles que desejam conhecer um pouco dos tortuosos caminhos percorridos por três grandes personagens. Em uma cidade hostil e animalesca elas foram humanas. Ou seja, caminharam na tênue corda do “certo e do errado”, do “moral e do imoral”, construíram seus micros impérios e foram temidas por alguns e respeitadas por outros.
Ao fim e ao cabo, a trajetória das três rainhas pavimentou o caminho para que hoje, mesmo com todas as dificuldades impostas pela sociedade, mulheres trans e travestis possam lutar para serem as rainhas do dia, e não mais personagens relegadas ao canto escuro de uma praça qualquer.
*Daniel Costa é mestrando em História na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Referência
Chico Felitti. Rainhas da noite. As travestis que tinham São Paulo a seus pés. São Paulo, Companhia das Letras, 2022, 236 págs. [https://amzn.to/3VqJYSH]
Notas
[i] Para introduzir o leitor a trabalhos que buscam discutir essas novas abordagens destaco as seguintes obras: CARNEIRO, Natália; SANTANA, Bianca; GAIA, Gabriela. (orgs). Insumo para a ancoragem de memórias negras. CARNEIRO, Natália. (org.). Raízes e asas: memória para a autonomia negra. Coletivo Narrativas Negras. (org.). Narrativas negras: biografias ilustradas de mulheres pretas brasileiras. SANTANA, Bianca. (org.). Vozes insurgentes de mulheres negras. Do século XVIII à primeira década do século XXI. KON, Noemi Moritz; SILVA, Maria Lúcia da; ABUD, Cristiane Curi. (orgs.) O racismo e o negro no Brasil. Questões para a psicanálise. CARVALHO, Mário Felipe; CARRARA, Sérgio. “Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. In: Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latino-americana. Num. 14, p. 319-351, 2013. Para o artigo ver: https://www.e-publicacoes.uerj.br/SexualidadSaludySociedad/article/view/6862
[ii]Como caso emblemático dessa nova perspectiva acerca das trajetórias destaco o caso de Xica Manicongo por quase quatrocentos anos, os historiadores consideravam Xica Manicongo como um homossexual, erroneamente. O apagamento de sua transexualidade foi apenas corrigido no final do século XX. Desde então, a congolesa escravizada tornou-se um símbolo de luta e resistência para a comunidade trans no Brasil. Para mais informações conferir o trabalho de JESUS, Jaqueline Gomes de. “Xica Manicongo: a transgeneridade toma a palavra” In: Revista Docência e Cibercultura, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 250–260, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/re-doc/article/download/41817/29703/145153
[iii] O historiador Sydney Chalhoub, um dos pioneiros na abordagem da trajetória de sujeitos oriundos das classes populares irá afirmar que desde a publicação da primeira edição do seu clássico, Trabalho, lar e botequim, a historiografia brasileira mudou muito, diversificou-se, sofisticou-se, ampliou horizontes teóricos e apurou o rigor das pesquisas empíricas. Ver: Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque.
[iv] NETO, Miguel Rodrigues de Sousa. “Quantos lados tem uma História?” In: Revista Territórios & Fronteiras. Cuiabá, v. 15, n. 2, jul – dez. 2022. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/territoriosefronteiras/index.php/v03n02/issue/view/34
[v] O jornalista Chico Felitti publicou também os livros: Ricardo e Vânia: o maquiador, a garota de programa, o silicone e uma história de amor (2019), A Casa: A história da seita de João de Deus (2020) e Elke: Mulher Maravilha (2021).
[vi] Sobre o uso de processos crimes em pesquisas históricas Chalhoub explica que: “o interesse em ler e analisar processos criminais estava exatamente na expectativa de que tais documentos flagrantemente trabalhadores – homens e mulheres – agindo e descrevendo os sentidos de suas relações cotidianas fora do espaço do movimento operário, do lugar da fala política articulada”.
[vii] Para uma introdução ao debate acerca da violência arquival ver: LACERDA, Thays. “Entre os poderes do arquivo e a violência arquivística. O lugar do arquivo no dispositivo de arquivo”. In: Revista Acervo. Vol. 36, num. 3, p. 1-26, 2023. Disponível em: https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1986/1900
[viii] Para buscar alternativas a essa prática de apagamentos a historiadora Margareth Rago irá apontar que “a análise do poder em sua positividade, como rede de relações que se exerce molecular, ininterrupta e ramificadamente, em todos os domínios da vida social, produzindo individualidades, adestrando os gestos, elevando a rentabilidade do trabalho – como aponta Michel Foucault – abre toda uma perspsectiva metodológica. Ver: Do cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar e a resistência anarquista. Brasil 1890-1930.
[ix] Para a acessar na íntegra a entrevista com Felitti, ver: https://www.papelpop.com/2021/10/em-audiolivro-chico-felitti-desvenda-sexo-poder-e-gloria-das-noites-queer-de-sp/
[x] De acordo com Bruna G. Benevides: Como esperado, esses dados não são exatamente uma surpresa. Assim como não é surpresa o fato de que o Brasil seguiu pelo 15º ano consecutivo como o país que mais assassinou travestis e transexuais no mundo todo em 2023, de acordo com o publicado pela TGEU (organização que monitora globalmente assassinatos de pessoas trans). Para mais informações ver: https://catarinas.info/colunas/brasil-invicto-como-campeao-no-consumo-de-pornografia-trans-no-mundo-e-de-assassinatos/
[xi] Segundo o último levantamento divulgado pela ANTRA: Em 2023, houve um aumento de mais de 10% nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação a 2022. Destacando o fato de o país figurar novamente como o que mais consome pornografia trans nas plataformas de conteúdo adulto no mesmo momento em que o Brasil seguiu como o país que mais assassinou pessoas trans pelo 15º ano consecutivo. Se manteve a política estatal de subnotificação da violência lgbtifóbica. Entre as mortes em 2023, foram 155 casos, sendo 145 casos de assassinatos e 10 pessoas trans suicidadas. A mais jovem trans assassinada tinha 13 anos, e vimos a persistência de uma patrulha contra crianças e adolescentes trans. Observou-se ainda que a manutenção da violência parte de um projeto político em que a extrema direita assumiu o protagonismo preocupante da pauta das pessoas trans. E pudemos ainda observar os impactos da polícia de gênero para mulheres cisgêneras, em casos em que foram tratadas como geralmente a sociedade trata pessoas trans. Para o relatório completo acessar: https://antrabrasil.org/wp-content/uploads/2024/01/dossieantra2024-web.pdf
[xii] Sobre o acesso (ou falte de) a saúde pública pela população trans acessar: https://jornal.ufg.br/n/166253-pesquisa-investiga-acesso-a-saude-pela-populacao-trans e https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/67104
[xiii] Segundo pesquisa realizada pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil, 82% das pessoas trans abandonam o Ensino Médio entre os 14 e os 18 anos. Os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), de 2022, são ainda mais reveladores. A pesquisa mostra que cerca de 70% das pessoas trans e travestis não concluíram o Ensino Médio e apenas 0,02% dessa população teve acesso ao ensino superior. Os números mostram ainda que muito desta violência é praticada por docentes e gestoras (es) da instituição, além das situações vividas entre estudantes. Para mais informações ver: https://www.adufsba.org.br/noticia/5557/instituicoes-de-ensino-sao-espacos-violentos-e-excludentes-para-pessoas-trans-e-travestis
[xiv]Segundo levantamento realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 2020, apenas 13,9% das mulheres trans e travestis tinham um emprego formal, enquanto 59,4% dos homens trans ocupavam esses tipos de cargos. No entanto, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), apenas 4% das pessoas trans e travestis estão no mercado de trabalho formal. Para mais informações
[xv] NEDEL, Juno. “O corpo como arquivo. Tensionando questões sobre História e memória trans.” In: Revista Ventilando Acervos. Florianópolis, v. especial, n. 1, p. 16-41, jul. 2020. Disponível em: https://ventilandoacervos.museus.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/03.-Juno-Nedel.pdf
[xvi] Sobre a produção literária e acadêmica de pessoas T, podemos destacar: NASCIMENTO, Letícia. Transfeminismo, Ed. Jandaíra; MOIRA, Amara. E se eu fosse puta, Hoo Editora; NERY, João. Viagens Solitárias, Leya; ODARA, Thifanny. Pedagogia da desobediência, Editora Devires; CARVALHO, Renata. Manifesto Transpofágico, Ed. Monstra; LANZ, Letícia. A construção de mim mesma, Cia. das Letras; PASSOS, Maria Clara Araújo dos. Pedagogia das travestilidades, Civilização Brasileira; WONDER, Claudia. Ohares de Claudia Wonder, Ed. GLS. Os títulos destacados não esgotam o tema, para mais informações sobre o tema ver: CHAVES, Leocádia Aparecida. “Autobiografias trans: um levante em formação“. In: Revista estud. lit. bras. contemp. Brasília, num. 64, e644, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/elbc/a/qbmBDYyjbqtDsD8mGSCjCTp/?format=pdf&lang=PT
[xvii] Parte substancial dos estudos acadêmicos que apresentam mulheres trans e travestis como protagonistas abordam principalmente questões ligadas à saúde e à sexualidade. Trabalhos biográficos, que buscam abordar trajetórias de vida ainda são incipientes. Para um trabalho considerado referência ver: PELUCIO, Larissa. Abjeção e Desejo – uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Annablume, 2009.
[xviii] Após dois meses participando do espetáculo Andréa deixa de forma inexplicada a montagem, sendo substituída às pressas por Thelma Lipp, que também era transsexual, percebe-se um avanço na montagem paulistana, visto que na temporada carioca Geni fora interpretado pelo ator Emiliano Queiroz.
[xix] Rainhas da Noite, p. 126.
[xx] Rainhas da Noite, p. 134-136.
[xxi] Rainhas da Noite, p.177.
[xxii] Rainhas da Noite. p.178.
[xxiii] Para mais informações sobre o cinema produzido na região da Boca do Lixo ver: ABREU, Nuno César. Boca do Lixo: Cinema e classes populares e STERNHEIM, Alfredo. Cinema da boca: Dicionário de diretores.
[xxiv] Rainhas da Noite. p. 109.
[xxv] Rainhas da Noite. p.107.
[xxvi] A versão da obra de Felitti na voz de Renata Carvalho está disponível em: https://www.storytel.com/br/books/rainhas-da-noite-1399531
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