Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Economistas discutem sempre a respeito da determinação de uma linha de partida dos processos
O ChatGPT responde. “Uma revolução é um evento abrupto e geralmente violento. Ela leva a súbitas mudanças radicais em uma sociedade, muitas vezes com o objetivo de substituir um sistema existente por outro”. Muitos militantes de esquerda se imaginam revolucionários e substituir rapidamente o sistema capitalista pelo socialista.
As revoluções geralmente envolvem um conflito armado entre grupos com interesses ou ideologias antagônicas. Podem ser acompanhadas de instabilidade política, social e econômica, porque costumeiramente a liderança ou vanguarda armada militariza o Estado, adota um regime totalitário e impõe uma uniformização geral.
Por sua vez, um processo sistêmico é uma mudança gradual e contínua, em um modo de produção e/ou de vida, muitas vezes sem um evento ou conflito específico capaz de o desencadear voluntariamente. Essa re-evolução sistêmica é influenciada mais por fatores endógenos (variações tendenciais ou graduais) em lugar de exógenos (choques). Mudanças tecnológicas, políticas, sociais e econômicas, ao fim e ao cabo, levam a mudanças significativas e duradouras na sociedade.
Enquanto as revoluções são frequentemente vistas como soluções radicais para problemas sociais e políticos, senão para o atraso econômico, os processos sistêmicos geralmente envolvem mudanças evolutivas mais permanentes. Os ativistas sociais adotam essa abordagem mais pragmática e sustentável para a mudança social.
A chamada “revolução industrial” foi, na realidade, um processo evolucionário. É imprecisa sua designação, porque as revoluções se caracterizam por serem variações súbitas e rápidas como um choque – e não um processo tendencial.
Discute-se até se ela teve início, de fato, na segunda metade do século XVIII no Reino Unido. Historiadores, como Lewis Mumford e Ademar Romeiro, defendem ela ter sido um fenômeno dependente de trajetória civilizacional desde a Idade Média europeia. Se as mudanças ocorreram gradualmente o termo revolução é um equívoco.
Tratá-la como “revolução capitalista” é uma metáfora, como fosse uma contrapartida econômica das revoluções burguesas – a inglesa concluída em 1688, a americana em 1776 e a francesa em 1789. Essa “revolução” é simbolizada por sua inovação disruptiva: utilização de máquinas na indústria, inclusive a invenção da máquina a vapor.
Economistas discutem sempre a respeito da determinação de uma linha de partida dos processos. Quando convencionam quais seriam as condições iniciais, a trajetória caótica representaria o afastamento delas. Daí muitas vezes não sabem quando se partiu nem tampouco aonde se chegou…
Dentro desse critério, designam de Segunda Revolução Industrial a mudança causada pela introdução da eletricidade, do petróleo e dos motores de combustão. Já a Terceira Revolução Industrial é relacionada ao tratamento eletrônico de dados e utilização da informática e robótica nos processos industriais.
Todas essas mudanças tecnológicas, quando ocorreram, envolveram desequilíbrios políticos, sociais e econômicos. Por isso merecem ser tratadas como fossem revolução?
Usualmente, a história é usada como o guia para o futuro incerto ou imprevisível. Mas está se tornando comum usar o presente como guia para o passado desconhecido.
Muitos historiadores econômicos fazem previsão do passado! Adotam previsibilidade retrospectiva – e não prospectiva Partem do presente em direção a uma jornada desconhecida com uma única certeza: encontrarão as raízes históricas antecedentes do visto adiante como consequente. Contam a história a partir da linha-de-chegada, ou seja, da frente para trás!
Uma das principais características do historicismo é a rejeição do universalismo ou holismo sistêmico, oriundo do Iluminismo. É substituído por uma visão onde cada nação, região ou continente é considerada como uma totalidade orgânica, com leis e lógicas próprias de evolução.
Deirdre McCloskey, por exemplo, ironiza todos os fatos contra suas ideias liberais como fossem “um conto de esquerda errôneo da história econômica”. Ao fim da leitura de seu livro Porque o liberalismo funciona: como os verdadeiros valores liberais criam um mundo mais livre, igualitário e próspero para todos (2019), a autora despenca na opinião do leitor de uma empertigada liberal para uma reles anticomunista…
Seu historicismo ideológico apenas reafirmar a vida ter melhorado muito se comparada com a do pré-capitalismo. Tudo seria fruto da revolução industrial capitalista – e não conquistas de lutas sociais ao longo dos últimos séculos. Por exemplo, na Inglaterra, em 1787, anglicanos criaram a Sociedade para a Abolição do Comércio de Escravos.
Deirdre McCloskey não vê a história como sendo própria de um sistema complexo, emergente de interações de todos os seus componentes, mas apenas como uma cena capitalista. Nela, só a diversidade de “livres” (sic) vontades humanas individuais se expressariam.
Na realidade, as forças político-ideológicas de movimentos sociais como o humanismo ou racionalismo esclarecido, o conservadorismo, o fundamentalismo religioso, o nacionalismo fascista, e as ideologias utópicas como o socialismo e o ambientalismo, entre outras, digladiaram entre si ao longo dos séculos. Isto sem considerar os componentes psicológicos de provocadores de guerra: dominância, vingança, insensibilidade, tribalismo, pensamento de grupo, autoengano etc.
É possível demarcar diversas Eras políticas, desde os primórdios do capitalismo, no caso, comercial. Na Era das Dinastias, nos séculos XV-XVI (1400-1559), predominava, inclusive entre descendentes familiares dos nobres, a luta pela propriedade rural. Na Era das Religiões, nos séculos XVI-XVII (1559-1648), lutava-se até a morte pela fé. Na Era da Soberania, nos séculos XVII-XVIII (1648-1789), predominaram lutas pelos direitos civis. Na Era do Nacionalismo, no século XIX (1789-1917), as reinvindicações foram os direitos políticos. Na Era da Ideologia, no século XX (1917-1989), buscaram-se direitos sociais. Finalmente, no século XXI, tem predominado a pauta identitária contra a desigualdade de gêneros, o racismo, a homofobia, a transfobia a gordofobia, a velhofobia ou ageísmo etc., caracterizando esta Era da Identidade.
Entretanto, historiadores liberais costumam destacar apenas as pressupostas causas da supremacia ocidental sobre a Ásia. Niall Ferguson, p.ex., destaca seis “aplicativos”.
A Competição, isto é, a descentralização da vida política e econômica, criou as condições para o surgimento dos Estados-nação e do capitalismo. A Ciência, uma forma de estudar, entender e, finalmente, transformar o mundo natural, deu ao Ocidente, entre outros benefícios, importante vantagem militar sobre o restante. A Medicina, um ramo da ciência, possibilitou uma importante melhoria na saúde e na expectativa de vida, inicialmente nas sociedades ocidentais, mas também em suas colônias.
O Direito de Propriedade foi parte do controle da lei como um meio de proteger os proprietários privados e solucionar, pacificamente, as disputas entre eles, assentando a base para a forma mais estável de governo representativo. A Sociedade de Consumo instalou um modo de vida materialista no qual a produção e a compra de bens de consumo, em grande escala, desempenharam um papel econômico central, e sem o qual a Revolução Industrial teria sido insustentável. Por fim, a Ética do Trabalho foi um sistema moral e um modo de atividade, derivados do cristianismo protestante, capaz de fornecer a coesão à sociedade dinâmica e potencialmente instável criada por tudo isso.
Porém, Ferguson não teve como negar as alternâncias de Civilizações, nas quais ascensões e quedas dos Impérios se deram em ciclos em torno de ½ ou um milênio. Daí as subdividiu em quatro grandes. A Civilização Ocidental 1.0 englobou a República Romana (550aC-44aC) e o Império Romano Ocidental (44aC-476dC). A Civilização Oriental 1.0 envolveu tanto o Império Romano Oriental Bizantino (476-1453) quanto o Império Chinês I (da Dinastia Ming 1368 até as Guerras do Ópio Anglo-Chinesas: 1839-1842 e 1856-1860). A Civilização Ocidental 2.0 (1492-2050) somou o Império Anglo-Saxão, o Euro-Americano e o Soviético (1917-1991). Agora, a Civilização Oriental 2.0 (1979-.…) a substituirá com o Império Chinês II.
Se não acredita nisso, confira a divisão da produção mundial (1700-2012) apresentada no livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI. A Ásia tinha 60% dela em 1700. Após a Revolução Industrial, foi declinando até estar com apenas 20%, quando justamente aconteceu a Revolução Comunista chinesa em 1949.
O PIB europeu era pouco mais de 30% do PIB mundial em 1820, durante a Revolução Industrial inglesa. Elevou-se para 47% em 1913, antes da I Guerra Mundial e depois entrou em decadência até ficar com 25% no fim dessa série temporal em 2012. A fatia da América com 35% do total permaneceu a mesma desde 1950, após a II Guerra Mundial. A Ásia, em 2012, já tinha a superado com cerca de 40% do PIB mundial.
De maneira geral, a luta dos trabalhadores ocidentais tem sido pela democracia da casa própria e pelo acesso à sociedade de consumo. Os marxistas pregam a revolução com a abolição da propriedade privada e a propriedade estatal de todos os meios de produção, a extinção da herança e a estatização do crédito. As reinvindicações socialdemocratas são um governo constitucional para autodeterminação nacional, liberdade de expressão, de imprensa e de associação para a representação parlamentar de um partido trabalhista resultante da aliança entre a casta dos trabalhadores organizados sindicalmente e a casta dos sábios intelectuais em defesa do Estado de bem-estar social. Defendem um processo sistêmico em lugar da revolução.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Rede de apoio e enriquecimento (Disponível aqui).
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