Sobre as políticas de ciência e tecnologia do PT

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Por RENATO DAGNINO*

A reinvenção da universidade passa por trocar o foco estéril na empresa capitalista pelo desafio de atender às demandas cognitivas complexas embutidas nas necessidades materiais da economia solidária

Este texto foi originalmente produzido para, aproveitando o momento em que estamos renovando as coordenações dos setoriais de ciência e tecnologia e tecnologia da informação do PT, provocar as companheiras e companheiros com uma análise das “suas” políticas alinhada segundo a perspectiva de esquerda dos Estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) latino-americanos.

Ele se refere à política a elas concernente em conjunto com à da área de educação enfeixando-as mediante o conceito de política cognitiva. E tem como foco as organizações públicas intensivas em conhecimento, notadamente as instituições dedicadas a atividades de ensino, pesquisa e extensão que, em benefício da brevidade, são aqui referidas daqui em diante como “universidade”.

Por adotar aquela perspectiva de esquerda dos nossos ECTS, ele ambiciona poder se somar ao esforço do Setorial de produzir conhecimento para subsidiar o processo de decisão do partido sobre a policy e a politics da política cognitiva; o que inclui, obviamente, as duas políticas que se situam no seu foco.

Isso é realizado mediante a explicitação das deficiências do modelo empregado pelos atores hegemônicos na sua elaboração (a elite científica e “seus” tecnocratas) e a concepção de um marco analítico-conceitual alternativo e de instrumentos metodológico-operacionais mais coerentes com os valores e interesses da classe trabalhadora.

Sua linha de desenvolvimento principal é a indagação acerca das condições a serem atendidas pela política cognitiva para orientar aquelas organizações para satisfazer as demandas tecnocientíficas embutidas nos objetivos nacionais e nas necessidades materiais coletivas da maioria da população.

Para tanto, o texto examina como essa política interatua com a relação entre a “universidade” (ou a pesquisa nela realizada), e a empresa. Ator que, no capitalismo, espera-se que funcione como o vetor do desenvolvimento produzindo bens de melhor qualidade, preço cadente, salários crescentes e pagando impostos que geram a competitividade sistêmica que beneficia a sociedade.

Pelo seu potencial de alavancar o “transbordamento” que se espera da empresa, desde o surgimento da “universidade”, essa relação tem sido, desde antes que existisse uma política cognitiva como uma preocupação do Estado capitalista. Assim, em função do caráter público da “universidade”, é com o ator a empresa que ela tem buscado se relacionar de modo a, atendendo à sua demanda cognitiva, promover o desenvolvimento nacional.

O fato de que, mais do que nos países centrais (ou do Norte global), foi aqui, pelas razões que se aponta adiante, que essa relação se constituiu no núcleo da política cognitiva, faz com que o texto adote o procedimento usual dos estudos latino-americanos sobre o desenvolvimento da periferia capitalista de apreender seu objeto de análise tendo como referência o que ocorre naqueles países.

O texto se inicia com o momento descritivo da análise, aquele que precede o explicativo e que junto com o terceiro, o normativo, permitem a elaboração (formulação, implementação e avaliação) da política pública. Para examinar como se dá aquela relação, se apresenta uma tipologia de três modalidades da relação “universidade”-empresa.

Ela permite, avançando para o momento explicativo, comparar como elas tipicamente ocorrem nos países centrais e periféricos e apontar as causas que explicam o caso brasileiro.

A partir daí, na quarta seção, o texto adentra no momento normativo. A partir da constatação da ineficácia da busca de uma aliança com a empresa, que ainda preside nossa política cognitiva, e apoiando-se em casos icônicos em que a “universidade” foi exitosa em conectar sua atividade com resultados econômicos (embora nem sempre desejáveis), se indaga sobre fatos portadores de futuro que poderiam possibilitar uma aliança conducente a um cenário desejável.

Na quinta seção, baseando-se nos ECTS latino-americanos se defende a pertinência da proposta da Tecnociência Solidária para a capacitar a “universidade” para, substituindo o ator empresa pelas redes solidárias, enfrentar os desafios que lhe assombram mediante a alteração de suas agendas de ensino, pesquisa e extensão.

Uma taxonomia da relação “universidade”-empresa

Tendo por base análises de pesquisadores da política cognitiva é possível produzir este quadro sinóptico.

modalidadequando e como ocorre a relação “universidade”-empresa?
transferencistaadotando o modelo de oferta e demanda (inadequado para tratar o conhecimento), se busca fazer com que o resultado desincorporado (não incorporado em pessoas) da pesquisa universitária, seja transferido para a empresa
empreendedorista  lançando mão do conhecimento que adquiriram realizando pesquisa na “universidade”, e por ela apoiados, professores ou estudantes se transformam em empreendedores ou empresários
contratistadotadas de conhecimento incorporado adquirido na pesquisa na “universidade”, seus egressos são contratados para realizar a P&D que assegura o lucro da empresa

É importante ressaltar que a modalidade transferencista, ao contrário da contratista, não se dá via contratação dos egressados que detêm um conhecimento advindo de sua experiência com a pesquisa. Ela se dá via a transferência para a empresa dos resultados desincorporados (gerados pela pesquisa na “universidade”) passíveis de serem por ela empregados e não do conhecimento incorporado em pessoas.

E que, diferentemente da modalidade empreendedorista, a transferencista não costuma ter como ator beneficiário uma empresa previamente existente e potencialmente interessada no emprego dos resultados da pesquisa que ela realiza. É um pesquisador-empreendedor que por não contratar ninguém, não extrair mais-valia e pertencer à “universidade”, se apresenta como um ator exógeno ao circuito de acumulação de capital.

O propósito desta modalidade é, mediante um arranjo que apesar de não ser destinado a acostumar um indivíduo já nascido a sobreviver no ambiente empresarial é denominado incubadora de empresas, apoiar esse ator. Seu objetivo central é ajudá-lo, a partir dos sunk costs da “universidade”, de seus recursos correntes e de outros específicos, possibilitados por marcos legais amparados no pervasivo senso-comum inovacionista, criar startups cujo destino usualmente almejado por ele, e legitimamente esperado por seus pares é sua aquisição por uma grande corporação intensiva em tecnologia.

Avaliando as modalidades e comparando países centrais e o Brasil

Em favor da brevidade, e devido a que o país usualmente tomado pelos responsáveis pela elaboração de nossa política cognitiva são os EUA, limita-se a ele o quadro que segue. Seu objetivo é comparar as características da relação “universidade”-empresa mediante a informação empírica cujas fontes são citadas nas análises recém referidas.

modalidadeEUABrasil
transferencistaa parcela do valor gasto pela empresa em pesquisa orientado para, mediante parceria com a universidade, desenvolver o conhecimento que necessita é de apenas 1%7% das empresas inovadoras possuem relação com a universidade e destas, 70% a consideram de pouca relevância  
empreendedorista    iniciativas como o Silicon Valley patrocinado pelo imperativo militar, embora pouco frequentes, catalisam empresas inovadorasstartups exitosas costumam ser adquiridas por empresas, frequentemente multinacionais, pouco propensas à pesquisa
contratista60% dos mestres e doutores formados em ciências duras são contratados por empresas para fazer pesquisaentre 2006 e 2008, quando a empresa inovadora lucrou muito, e formamos 90 mil mestres e doutores em ciências duras, apenas 68 deles foram contratados para realizar pesquisa

Explicando as modalidades no caso brasileiro

A primeira linha do quadro indica para ambos os casos, a parir da evidência empírica disponível, a muito escassa relevância da modalidade transferencista para promover a inovação propriamente dita. Isto é, aquela atividade (das cinco consideradas como atividades inovativas pelo Manual de Oslo que é o que usamos no Brasil) que se conhece como P&D. O que já seria suficiente para, como fazem aquelas análises, questionar a orientação de nossa política cognitiva.

Ou seja, seu foco fundacional e recorrente de promover agendas de ensino, pesquisa e extensão orientadas a gerar conhecimento para transferi-lo para a empresa e assim promover o desenvolvimento. Conhecimento que, como se argumenta em seguida, embora possa alavancar (via a modalidade contratista) a competitividade no Norte, muito dificilmente possa vir a interessar a empresa local.

Em relação a esta modalidade, e particularizado para o caso da universidade, é interessante mencionar que salvo casos excepcionais, como o do MIT onde aquela parcela é de 20%, este valor é, por coincidência, apenas 1% do custo das universidades estadunidense. E que no nosso MIT, a Unicamp, o recurso advindo de parcerias de pesquisa com empresas é inferior a essa média estadunidense.

Essa comparação adiciona à evidência de que não é o resultado desincorporado da pesquisa o que interessa à empresa e sim os pesquisadores que dela egressam, algo importante para repensar a política cognitiva. Ela invalida a proposição, que de tão irrealista chega às raias da má-intenção, dos que consideram que esta modalidade possa vir a diminuir o custo da universidade pública brasileira mediante a captação de recurso privado para realização de pesquisa.

O insucesso empiricamente atestado desta modalidade é creditado pelo ator elite científica e “seus” tecnocratas, e aceito pelos demais atores envolvidos com a política cognitiva e pelo público em geral, ao atraso dos empresários locais. Apesar de contrafactual, o modelo que concebeu para elaborar a política cognitiva, que equivocadamente considera esta modalidade como determinante do êxito da empresa do Norte, e que, ademais, presume que ele poderia vir a ser aqui emulado, raramente é sujeito à crítica.

Isso porque ela supõe o questionamento do que pesquisadores dos ECTS têm denominado “mito transideológico da neutralidade da tecnociência capitalista”, cuja aceitação atravessa as pessoas de direita e de esquerda e cuja vigência alimenta a baixa propensão da “universidade” a atualizar suas agendas.

Tudo isso opera no sentido de justificar o recorrente clamor do ator hegemônico da política cognitiva pelo aumento do recurso que recebe, visto ser ela capaz de gerar o “ambiente de inovação” que existe no Norte. E que caberia a ele, de modo voluntarista, arrostando o capitalismo periférico e seu “mercado”, aqui engendrar.

Alegação que deve ser guardada serve para apresentar a modalidade empreendedorista que aparece na segunda linha, mas que é analisada no final desta seção. O ator pesquisador-empreendedor que a motoriza, apoia-se na noção de cabe a ele por default corrigir o irrealismo da modalidade transferencista e a impossibilidade, derivada da condição periférica, de implementação da modalidade contratista.

A terceira linha do quadro, relativa à modalidade contratista, põe em evidência a enorme diferença que existe entre os países centrais e os periféricos. Explicá-la exige uma menção à nossa condição periférica. E a consideração de seus dois condicionantes estruturais que, por causa disto, embora não sejam percebidos como tais pelos tomadores de decisão da política cognitiva, estão fora da sua governabilidade.

Uma dependência cultural que condiciona um modelo de consumo imitativo, faz com que a satisfação da demanda que ele origina no mercado implique a produção de bens e serviços já engenheirados no Norte. O que praticamente limita a inovação de nossas empresas inovadoras a uma daquelas cinco atividades inovativas, a denominada “aquisição de máquinas e equipamentos”. Sabidamente muito pouco intensiva em pesquisa, ela, ao contrário do que ocorre no Norte, pouca tração exerce sobre a relação “universidade”-empresa.

Nosso salário mínimo, que indexa a remuneração do trabalho em geral, por ser um dos mais baixos do mundo (num dos países mais desiguais do mundo), adiciona outro elemento à irrepreensível racionalidade empresarial adversa à realização de pesquisa. Como todos sabemos, quem gosta de fazer pesquisa é o pesquisador. Empresário precisa lucrar – senão, no dia seguinte, está fora do mercado.

E, para lucrar, racionalmente, na periferia do capitalismo, não costuma fazer pesquisa. Por isso, não precisa contratar os pesquisadores egressos da “universidade” ou se interessar pelos resultados de pesquisa que a “universidade” teima em se dedicar a lhe oferecer.

Ou seja, no Brasil, não é apenas a modalidade transferencista, aquela que em todo o mundo e em particular no Norte é inusitada, que é irrealizável. Também a modalidade contratista, aquela que é lá a norma, é aqui, devido às especificidades do capitalismo periférico brasileiro, irrealizável.

A modalidade empreendedorista, que aparece na segunda linha do quadro, a julgar pela intensidade como sua importância vem crescendo no interior da política cognitiva, é quase uma jabuticaba.

Como a transferencista, ela nasce amparada na ideia de que o empresário brasileiro – aquele cujo desempenho faz com que desfrute das mais altas taxas de lucro e de juro do mundo – é atrasado (como se as empresas estrangeiras que lá fazem pesquisa não dominassem nossos setores mais intensivos em conhecimento). Em consequência, como a empresa local é vista como incapaz de aproveitar nosso potencial tecnocientífico, um ator emergente da “universidade”, o pesquisador-empreendedor, este sim autoproclamado como capaz de promover o desenvolvimento, se dedica a impulsionar esta nova modalidade.

Com muito cautela, ao criticar a modalidade transferencista por não ter conseguido difundir na sociedade e espalhar no meio empresarial a importância da C&T e da pesquisa gerando um clima de inovação, este ator, em seu beneficio advoga sua materialização: a destinação de recurso crescente às incubadoras orientadas a permitir que professores e alunos desenvolvam startups etc.

Derivada da pressão corporativa dos pesquisadores-empreendedores que se manifesta a partir da década de 1980, ela tem crescido rapidamente desde então. Convive, entretanto, por conveniência e por ser ela indispensável à sua existência, com a modalidade transferencista. A qual, por sua aderência à noção oriunda do modelo, concebido pela elite científica para descrever a realidade dos países centrais, que legitima a atividade da maioria dos integrantes da “universidade”, segue influenciando fortemente nossa política cognitiva.

Uma retrospectiva sobre nossos êxitos

A essa altura, quem está lendo deve estar se preguntado como se explicam então, face à baixa propensão à P&D da empresa local, os êxitos que alcançou a “universidade”. Fazendo uma retrospectiva histórica, vamos constatar que quando tivemos a praga do café, no fim do século XIX, quem é que sabia disto? Ninguém. Então, criamos o Instituto Agronômico.

E quando apareceu a febre amarela? Idem: criamos o que hoje é a Fiocruz. Quando os militares voltaram da Segunda Guerra querendo um avião quando nem fabricávamos carros? Criamos o CTA, o ITA e a Embraer. Quando o agronegócio queria plantar soja no cerrado, quem é que sabia disto? Criamos a Embrapa. Quando o petróleo brasileiro apareceu em água profunda, nós nos tornamos líderes mundiais nisto.

A explicação é que essas exceções, que também aparecem em outros países da periferia, confirmam a regra. Elas foram resultados singulares da emergência de atores com grande peso político ou econômico dotados de um projeto político que continha uma demanda cognitiva original ou de difícil obtenção. E que, para satisfazê-la lograram, por meio do Estado, os recursos necessários para gerar uma dinâmica inovadora capaz de mobilizar nosso potencial tecnocientífico cronicamente subutilizado pela empresa.

Com mais esta explicação é possível voltar à preocupação inicial acerca de como fazer para que a “universidade” possa hoje contribuir efetivamente para o desenvolvimento nacional. Seria ocioso para poder passar ao momento normativo, adicionar elementos do nosso contexto econômico, social, ambiental, da crise sistêmica do capitaloceno etc.

Cabe agora indagar sobre qual seria o ator presente na cena brasileira que, por conter em seu projeto político uma demanda por conhecimento original e complexo, tem condições de mobilizar o potencial tecnocientífico recorrentemente subutilizado pelo ator empresa até hoje entendido como alvo de nossa política cognitiva.

A “solucionática”

Dentre os atributos que podem qualificar um projeto político de um ator específico para ganhar o apoio de quem está consciente da suprema necessidade de, como diz o Krenac muito sabiamente, prolongar nossa vida neste planeta, avulta o da solidariedade. Atributo que aponta para um outro tipo de economia, que não é a economia capitalista, das empresas.

Cresce a consciência em fóruns inter e supranacionais, como a OIT, a OCDE etc., de que o mundo precisa de outros arranjos econômicos, produtivos, de consumo e de finanças que não sejam aqueles tradicionais.

Embora nem sempre explicitamente, se aponta para arranjos baseados na solidariedade (e não na idealizada competividade que nos obriga a competir entre nós e com a natureza), na autogestão (e não na gestão centralizada e autoritária que nos impede de realizar nosso potencial intelectual) e, para torná-las possíveis, na propriedade coletiva dos meios de produção (e não na propriedade privada ou na estatal do socialismo real, com grandes déficits de democracia, de participação etc.).

Esses arranjos são o que, no Brasil e na América Latina, denominamos redes solidárias. As organizações que constituem a Economia Solidária.

Não por acaso, esse é o ator portador de futuro que emerge na cena da política cognitiva brasileira que, por conter em seu projeto político uma demanda por conhecimento original e complexo, tem condições de mobilizar o potencial tecnocientífico recorrentemente subutilizado pelo ator empresa até hoje entendido como alvo de nossa política cognitiva.

Sua “construção” do ponto de vista político mais amplo envolve a mobilização dos 160 milhões de brasileiras e brasileiros em idade de trabalhar. Em especial dos que não integram o contingente 40 milhões que têm carteira assinada (dos quais 65% recebem menos de 2 salários mínimos e apenas 8% são sindicalizados); os cerca de 80 milhões que nunca tiveram e nunca terão emprego, os que nosso capitalismo periférico não se dispõe a incorporar no circuito formal de acumulação de capital.

A maioria deles pertence uma geração filha da antiga classe trabalhadora que se situava no foco do movimento pelo socialismo. Aquela cuja força de trabalho viabilizava a acumulação do capital ao ser explorada na produção, que era onde ela começaria, de acordo com a concepção desse movimento, a se transformar de “classe em si” em “classe para si”, atacaria o sistema que a oprimia, e construiria o socialismo.

A geração formada pelos millennials que nasceram a partir dos oitenta e os da Z, que nasceram a partir de meados dos noventa cresce convivendo com crises climáticas, instabilidade econômica, pandemias e ansiedade com um futuro muito pior do que o de seus pais, com um regime de exploração brutal dos seres humanos e da natureza. E, que por viver num capitalismo cada vez mais financeirizado e datatificado que já não lucra com a exploração da classe trabalhadora na produção, dificilmente poderá ter seu potencial de contestação ao sistema materializado segundo aquela concepção.

No campo que nos diz respeito, a “construção” desse ator portador de futuro pela sociedade civil organizada coloca o desafio de ir elaborando uma política cognitiva capaz de viabilizá-la. Ou seja, o desafio de construir uma plataforma cognitiva de lançamento da economia solidária mediante ações que, no interior da “universidade”, contaminem o espaço de ensino, pesquisa e extensão com outros valores que não os do capital, que não os da empresa.

A Tecnociência capitalista, que nós herdamos e que temos que reprojetar, possui sete pecados capitais: deterioração programada, obsolescência planejada, desempenho ilusório, consumismo exacerbado, degradação ambiental, adoecimento sistêmico, sofrimento psíquico.

Optar pela Tecnociência solidária não significa jogar a criança com a água do banho. Significa reprojetar a tecnociência capitalista submetendo-a a processos de adequação sociotécnica que nos conduzam a uma tecnociência diferente da qual até hoje a “universidade” de modo pouco refletido tem tentado colaborar pela via da sua relação com a empresa.

Enquanto buscamos nos relacionar com a empresa (que não nos quer, que não nos dá bola, que não precisa de nós), temos descuidado das demandas tecnocientíficas, extremamente originais e complexas, embutidas nas necessidades materiais coletivas da maioria da população. Demandas cognitivas que não vamos poder atender com a tecnociência capitalista. Se formos aplicar seus métodos produtivos para resolver as necessidades que temos, vamos prejudicar nossa sociedade. Vamos gerar mais desemprego, mais efeitos nocivos no nosso meio ambiente etc.

*Renato Dagnino é professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Autor, entre outros livros, de A indústria de defesa no governo Lula (Expressão Popular) [https://amzn.to/4gmxKTr


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