Sobre o Novo Ensino Médio

Imagem: Dids
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Por DANIEL CARA*

Breve análise da proposta do MEC apresentada em 7 de agosto

O MEC divulgou os resultados da Consulta Pública sobre o Novo Ensino Médio e apresentou uma proposta. Se mantida, ela traz avanços, mas precisa ser aperfeiçoada.

O Ministério da Educação (MEC) assumiu as 2400 horas de Formação Geral Básica (FGB) que propusemos no PL 2601/2023 (apresentado em maio/2023), questão também reiterada na colaboração da USP à matéria, enviada ao MEC em julho. Essa é uma boa notícia.

Com a Formação Geral Básica (FGB) de, no mínimo, 2200 horas, os cursos técnicos terão “exceção” de carga horária e podem ter 800 e 1000 horas dedicadas exclusivamente à formação profissional. Para cursos técnicos de 1200 horas de formação profissional haverá ampliação de jornada, com a possibilidade de apoio do Programa Escola em Tempo Integral do MEC. Interessante.

Contudo, a Formação Geral Básica de, no mínimo, 2200 horas é razoavelmente problemática. A educação técnica não pode concorrer com a FGB, ao contrário, deve ser integrada. Falo, inclusive, como egresso do modelo, por ter sido ex-aluno da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETESP), minha melhor e mais importante experiência educacional.

Outro importante princípio do PL 2601/2023 (mas apenas) “sugerido” na proposta do MEC: Artes, Educação Física, Literatura, História, Sociologia, Geografia, Filosofia, Química, Física e Biologia deveriam integrar a Formação Geral Básica (FGB). O espanhol figura como “alternativo” ao inglês.

Uma questão fundamental: o Brasil deve avançar para uma oferta obrigatória de espanhol como língua estrangeira, concomitante ao inglês. aliás, essa deve ser uma questão de estratégia nacional, além de um compromisso regional.

Agora uma boa “sugestão” que consta da proposta do MEC: Educação Digital. Contudo, deve ser na perspectiva da educação crítica das mídias, como defendemos no relatório da transição governamental “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”.

Concluindo o tema dos componentes curriculares a serem contemplados na Formação Geral Básica (FGB): a posição do MEC deveria ser mais firme. Essa é a maior demanda das educadoras e dos educadores, para além da carga horária de 2400 horas para Formação Geral Básica. Por que? Porque estruturar bem a Formação Geral Básica significa fortalecer a profissão docente, além de ser o melhor remédio para evitar o caos vivido nas redes estaduais com as disciplinas estapafúrdias do Novo Ensino Médio que revoltaram estudantes, professoras e professores.

Outro ponto que segue a linha do PL 2601/2023: o fim do malfadado e nada rigoroso termo “itinerários formativos”. O termo é abolido no PL 2601/2023, mas substituído na proposta do MEC por “percursos de aprofundamento e integração de estudos”. O que isso pode significar na prática?

Para além da Formação Geral Básica (2400 horas), na perspectiva do tempo expandido ou “integral” (3000 hs), pode ser ofertado um aprofundamento de estudos (600 hs). Na prática, seriam 2 possibilidades: (a) Português, Inglês ou Espanhol (deveria ser “e”), Matemática e Ciências da Natureza; e, (b) Português, Inglês ou Espanhol (repito, deveria ser “e”), Matemática, Filosofia e Ciências Humanas.

Ou seja, para as 600 horas restantes da carga horária de 3000 horas, o estudante teria que escolher entre essas duas possibilidades.

Você deve se perguntar: isso não se assemelha à velha divisão do Clássico, Científico e Normal? Sim, mas devemos lembrar: há a Formação Geral Básica de 2400 horas. Ela estaria garantida. O problema maior é outro:

O Enem, corretamente e seguindo a posição que nós defendemos desde a transição governamental, será pautado na Formação Geral Básica. Reitero: corretíssimo! Mas há um grave risco de ampliação de desigualdades: os alunos da educação profissional ficarão aquém das 2400 horas da Formação Geral Básica (apenas 2200 hs). Por isso, o Ensino Técnico deve ser integrado (4200 horas).

Aliás, a Formação Técnica e Profissional é considerada um “percurso de aprofundamento e integração de estudos” pelo MEC. Não listei dessa forma porque considero que isso deva ser revisto, sob pena dos estudantes desse modelo terem muitas dificuldades de ingressar na Educação Superior.

Há outras questões importantes, como a extinção da Educação à Distância no Ensino Médio “regular”, porém sendo “permitido” o uso de 20% da carga horária da educação profissional nessa modalidade de ensino, o que é grave. e, por último, há ainda um problema de indefinição prática sobre como tratar o notório saber na educação profissional.

Após ler uma primeira versão desse texto, a professora Monica Ribeiro, da UFPR, uma das mais importantes especialistas sobre Ensino Médio no Brasil, me alertou: “sobre a formatação técnica e profissional tem ainda a possibilidade absurda de se mater os cursos de qualificação, cursos FIC, que não asseguram habilitação profissional. É uma carga horária formada pela junção de vários cursinhos descoordenados.” Isso é grave. E ela ainda chama a atenção: há outros problemas como “a vinculação obrigatória à Base Nacional Comum Curricular” e também “a obrigatoriedade de organização por áreas”, enquanto “as redes se organizam por disciplinas ainda”. Como possível ponto positivo, Ribeiro afirma: “talvez, é assim que está na apresentação, se revogue ou se reveja a BNC Formação de professores”.

Por fim, não há mais alternativas políticas: o que o MEC propôs exige a tramitação do tema no Parlamento, como alertamos desde 2016 e é congruente com o esforço do PL 2601/2023. Nesse sentido, trata-se de revogação do Novo Ensino Médio – esse é um fato que não está sendo assumido na cobertura da imprensa.

Contudo, fica o alerta: há muita água para passar por debaixo da ponte. Vamos em frente!

*Daniel Cara é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.


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