Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*
Um zero à esquerda, eis o que representou a suposta força do bolsonarismo no recente pleito eleitoral
A partir do resultado das eleições municipais, começa no Brasil um novo desenho das forças políticas. Se anteriormente os eleitores brasileiros foram induzidos a uma irresponsável aventura, conduzidos pela articulação midiática, jurídica e institucional golpista, instalada em 2016, elegendo em 2018 como presidente um candidato com explícito teor autoritarista e fundamentalista, demonizador das políticas progressistas de construção do Estado de Bem-estar brasileiro colocadas em prática pelos governos de Partido dos Trabalhadores, de 2003 a 2014, agora em 2020 o resultado eleitoral demonstrou certa acomodação da vontade popular em torno de propostas menos aventureiras, apesar de conservadoras.
Por um lado constata-se uma acachapante derrota daquele episódio de 2018, artificialmente construído. Um zero à esquerda, eis o que representou a suposta força do bolsonarismo no recente pleito. Por outro lado, houve um crescimento muito expressivo da direita em partidos como DEM (conquistou 193 prefeituras a mais), PP (187 prefeituras a mais), PSD (113 prefeituras a mais), Republicanos (105 prefeituras a mais). Os partidos políticos que mais perderam prefeituras foram o PSDB (perdeu 273 prefeituras), MDB (perdeu 261) e o PSB (perdeu 153). O PDT de Ciro Gomes, apesar de toda a sua euforia, perdeu 20 prefeituras em relação a 2016.
Nunca é demais registrar que o pleito de 2018 foi maculado pelo impedimento do exercício dos direitos políticos do presidente Lula em disputar aquela competição, uma vez que o general Eduardo Villas Bôas, então comandante do exército, ameaçou publicamente, por postagem em sua conta do twitter, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) quando da votação do Habeas Corpus favorável ao presidente Lula. Porém agora, com mais um agravante, o das revelações da contratação de Sérgio Moro como sócio-diretor de uma empresa estadunidense, a qual reconhece em seus documentos que o tríplex era de fato da OAS, empresa esta que está vinculada ao processo da Odebrecht na Lava Jato, o STF fica obrigado a declarar nulas as decisões daquele ex-juiz em relação ao presidente Lula naquele processo.
Diante deste fato, em sua conta no twitter, o ex-juiz federal e atual governador do Maranhão, Flávio Dino, declarou: “Se Sérgio Moro juiz fosse julgar Sérgio Moro político, ele não escaparia de uma pena de 20 anos de cadeia, por corrupção, lavagem de dinheiro etc. Sérgio Moro juiz diria que este ato (de Sérgio Moro ser sócio-diretor dessa empresa estadunidense) revelaria pagamento disfarçado de propina”.
Retornando ao tema, o desenho envolvendo o novo arranjo de forças, estabelecido a partir do recorte da relação entre o governo dos estados com as prefeituras das capitais, conforme tabela 1 abaixo, ficou compreendido entre 16 partidos, dos quais 12 estão à frente dos governos estaduais. Alguns deles não conseguiram eleger seus representantes em 2020 nas capitais, como são os casos do PT, PSL, PSC, PC do B e Novo, mesmo que tenham participado de coligações municipais, como ocorreu em Belém – PA, onde o PT compôs a coligação “Novas Ideias”, com o PSOL elegendo seu candidato Edmílson Rodrigues.
Tabela 1
Como lembra Guillermo O’Donnel, a democracia não se limita a liberdades formais, apenas como um sistema autorizativo em eleições, desobrigando-se do enfrentamento de obstáculos socialmente determinados impeditivos do gozo da saúde integral por parte dos cidadãos. Há a necessidade de políticas destinadas à equalização de modo que os sujeitos atingidos diretamente pela estrutura de injustiça social possam ter chances reais de exercer seus direitos de fato. Portanto, é hora de prefeitos e governadores trabalharem de verdade. Há muito por fazer.
*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).