Por JOSÉ ALBERTO ROZA*
Como transformar a ilha comunista em um lugar turístico, em um mundo capitalista onde o desejo de consumir está imenso, mas nela a escassez se presentifica?
A ilha está representada em nosso imaginário de esquerda. A expressão “Vai pra Cuba”, nos vem endereçada da extrema direita. E, uma vez enviado à ilha, hoje me convidei para pensá-la, em um recorte: o maior apagão dos últimos anos. Tomo em consideração o livro Divã a passeio (2001), de Fabio Herrmann, e início a caminhada compreendendo que estar em um lugar é um campo e pode ser analisável. Assim, coloco-me diante do olhar psicanalítico para pensar sobre a minha experiência em Cuba.
Minha postura não se deu no campo do turista porque em Cuba não dá para ser turista. “Ser turista é dar as costas ao real” (Herrmann, 2001, p. 85). Esse se fotografa de costas ao objeto-monumento e mantém sua autorrepresentação intacta. Seu contraponto é o viajante, com um olhar mais atento que observa o objeto-monumento. O turista vai e volta, íntegro em sua identidade. O viajante vai e, quando volta, algo se rompe.
Como transformar a ilha comunista em um lugar turístico, em um mundo capitalista onde o desejo de consumir está imenso, mas nela a escassez se presentifica? “Turistas somos todos. Porém, podemos chegar a viajantes e, com alguma sorte, a viagem converte-se em aventura e mesmo em exploração”. (Herrmann, 2001, p. 54)
Neste texto, compartilho cinco pontos que me atravessaram ao longo da viagem e opero em análise com a Teoria dos Campos, proposta pelo autor.
Uma ala chinesa no avião:
As primeiras poltronas estavam ocupadas por chineses. O estranhamento se deu durante o voo, mas acima de tudo, na chegada a Havana. A porta do avião se abriu e integrantes do governo cubano adentraram para a recepção daquele grupo. Meu olhar se perdeu na cena, então resolvi seguir o grupo pelo aeroporto. As filas de uma alfândega especial é o exemplo de como a China está dentro de Cuba. Isso não é um dado novo, mas me faz refletir sobre os acessos à ilha.
Destaco Cuba ter sido um dos primeiros países latino-americanos a reconhecer a República Popular da China, em 1960, passando pela visita de Fidel Castro à China, em 1995, pelo fortalecimento de laços econômicos e políticos até os acordos de cooperação em áreas como comércio e investimentos, em 2020. Hoje, Cuba depende fortemente da China para importações e investimentos, inclusive na renovação energética.
A China é um dos um dos países tecnologicamente mais avançados do mundo, umas das maiores economias mundiais. A gigante mantém um regime comunista em partes selecionadas para tal. No geral, estão no mundo capitalista. Cuba se mantém em um regime comunista (afinal, foi para lá que nos mandaram nas últimas eleições). O aeroporto de Havana é pequeno e o calor da ilha me invadiu…
Caminhar por Havana
Escolhi um hotel estrategicamente localizado na esquina Malecón com o Paseo José Martí, no bairro Havana Velha. É um luxuoso e moderno hotel, com um quarto grande, cama king size e uma grande banheira no meio de tudo isso. Tudo foi criado para os turistas, feito para os que não moram na ilha. O pôr do sol é magnífico, visto do terraço-bar. Não consegui beber o tradicional drink Mojito, pois faltava hortelã no hotel.
Um pouco depois do pôr do sol, eu resolvi descer para o calçadão e retornei após caminhar por duas quadras. É assustador quando as pessoas, com olhar triste, mostram que a realidade embaixo não é a mesma encontrada em cima. O eu-turista se afastou e o eu-viajante foi convocado: era necessário ter atenção.
O café da manhã não era rico em opções, mais um sinal de que eu estava em uma ilha em escassez. Eu só queria um café, um gole de café para acordar. Busquei algo familiar: um café coado. Quando tomei meu primeiro café cubano… um café ruim, amargo, queimado, assim como os demais que tomei na ilha.
Caminhar por Havana começou com uma estátua de José Martí, grande nome para a independência da ilha. As construções históricas me intrigam e me fascinam. São edifícios antigos e degradados pela ação do tempo e a escassez de recursos, mas não estava na Europa e isso não me incomodou. “Turismo é quando se transforma a vida em espetáculo, numa espécie de transe narcísico, querendo que tudo se preste a um quadro de beleza vulgar (…) Deseja o turista que natureza e cultura mostrem seu rosto sem regatear e bem depressa: é ele quem corre e regateia nas compras”. (Herrmann, 2001, p. 85)
O que me intrigou foi o lixo nas ruas fora do circuito turístico. Eu, turista, tinha um roteiro, mas decidi improvisar para caminhar por outros lugares mais próximos ao viajante. O lixo, incluindo ratos mortos, nas ruas e os olhares dos moradores estavam presentes em tudo. Não fui abordado por nenhum deles, mas os olhei e senti o cheiro forte vindo das ruas. Uma quadra fora do circuito turístico e fui colocado numa espécie de “baixada do Glicério”, fazendo referência a minha cidade São Paulo, de um lugar onde a degradação é enorme.
Quando entrei na catedral, me deparei com uma aula de música clássica, onde crianças e seus instrumentos eram comandados por um professor que aparentemente não é cubano. Um guia de turismo com crachá do governo ofereceu o clássico passeio de carro pelas ruas da cidade. Escolhi caminhar mais um pouco e aceitei as dicas desse guia: um restaurante tradicional e um café que ele prometeu ser bom. As duas opções me agradaram. Eu experimentei o tradicional prato Ropa Vieja e o café, dessa vez, foi o mais agradável da ilha. Retornei ao lugar algumas vezes durante os dias na cidade.
No meio da caminhada, me deparei com a imagem que se tornou a minha visão de Cuba: um homem negro se banhava em uma fonte. Ele não tem cara, mas tem um rosto que denuncia a vida fora do turismo, embora ele esteja invadindo esse circuito. “Um rosto é idealidade, é imagem; muda a cara, fica o rosto. Ou com mais rigor, só há um rosto quando a cara material se vai transformando, pois um rosto é o que resta de idêntico. Idêntico a quê? Idêntico à alma, é claro, àquilo que não existe mas há, ao inconsciente, se preferem”. (Herrmann, 2001, p. 79)
Meu caminhar me levou até o Gran Teatro Alicia Alonso, bailarina famosa em Cuba, que estudou nos Estados Unidos e é considerada a maior bailarina cubana. Na escadaria do teatro, uma escultura em tamanho real: Alicia continua dançando com sua veste? “A veste, as representações, é sempre conhecida, mas raramente reconhecida como sendo a forma do sujeito. Este muda continuamente suas representações, de acordo com as condições cambiantes de realidade; além disso, em si mesma, a veste representacional só negativamente deixa ver a forma do corpo psíquico, numa certa constância das próprias mudanças” (p. 88). A escultura da bailarina em sua veste tradicional é uma espécie de manutenção histórica, embora o teatro nos mostrou sua degradação.
O teatro estava em reforma, mas a pandemia embargou a obra, foi a informação fornecida pelo guia. A palavra embargo faz referência ao processo que, desde 1959, adentra todo o imaginário mundial sobre a ilha. Não tenho dúvidas do papel do embargo na ilha, mas precisamos ir além dele. A visita guiada é estranha, porque é daquilo que deveria ser e não o que meus olhos se depararam: sujeira, tijolos, cadeiras da antiga plateia pelos cantos. E, de repente, uma ala fechada: essas salas são do governo espanhol, disse o guia. Um país in-dependente se anunciou a mim: outra manutenção histórica?
Da janela lateral, se via o Capitólio, uma espécie de réplica dos Estados Unidos, responsável pelo embargo mais longo e doloroso ao país. Os tradicionais carros coloridos e conversíveis, dos anos 1950, estão ali em frente.
Escolhi um dos motoristas: Ernesto. O idioma escolhido para a comunicação foi o inglês. Iniciamos o passeio com ele que, de pronto, não será Guevara. O imaginário de Ernesto Che Guevara está nas ruas da ilha, assim como a revolução, que estampa pelas ruas a frase: Patria o Muerte. É como se o povo precisasse se convencer de que tudo que foi feito pelos lutadores de 1959 ainda precisasse existir. Talvez ainda estejamos em guerra: desta vez, pela sobrevivência de um povo. A prosa com Ernesto tem um impacto quando ele faz uma pergunta que, nós brasileiros, escutamos com frequência: Lula é comunista?
Antes, ele mapeou se poderia se abrir sobre seus questionamentos acerca do regime cubano. Ernesto tem menos de 40 anos e se considera um empreendedor cubano. Em sua opinião, se não houvesse o regime, ele poderia se tornar um empresário de turismo. Acredito que ele desconsidere que as agências de turismo têm um capital maior que o dele e que o sonho do empresário poderia ser apagado por uma simples conversa com um funcionário da agência capitalista. E como dizia Fabio Herrmann: o mundo vai acabar… em turismo.
E quando se fala em Lula, se fala em seu recente opositor: Jair Bolsonaro. É sobre ele, que esse Ernesto quis falar. Paralisei. Emespanhol, contei que Lula pensa na diversidade, pluralidade e nas questões sociais. Paralisei novamente. O parceiro ao meu lado tomou a palavra, em inglês. A comparação escolhida veio com uma pergunta: o que você acha de Donald Trump? Ernesto comentou todos os retrocessos na ilha vindos do governo trumpista, exemplificou os problemas no turismo com o fechamento do porto para os cruzeiros. É quando o xeque-mate se faz: Jair Bolsonaro é como Donald Trump! Lula não é comunista… O silêncio se fez presente por alguns minutos e meu coração se tranquilizou pelo restante do passeio.
Os últimos anos, no Brasil, têm sido difíceis para a nossa esquerda. Será que ela tem funcionado como o regime cubano, que luta para se manter vivo e não se reinventa? Como podemos criar outro espaço de existência crítica, que traga esses Ernestos para perto e não os coloque próximos da extrema direita?
Trinidad e o apagão
A chegada na cidade teve um acaso importante, um erro do trajeto até o hotel precisou passar por ruas estreitas e pude ver moradores sentados em frente à suas casas. O motorista me preocupava com as falas de que aquele lugar era ruim, que sentia perigo e se preocupava com minha segurança. Era como Havana, qualquer rua ao lado do que os turistas passeavam, tinha pobreza, tristeza e lixo.
Ao descobrir um novo caminho e chegar ao hotel escolhido, o luxo se fez presente completamente oposto ao que vi minutos antes. A piscina imensa, no pátio central, a cama confortável e a varanda para as montanhas. Era final do dia e a decisão de não sair às ruas, naquele dia, veio assim que o check in foi feito. O jantar do hotel estava com gosto ruim, a escassez de temperos e mesmo de ingredientes se fazia presente. A tentativa de tomar novamente um mojito foi frustrada: não temos hortelã! A opção do Gin Tônica foi possível.
Logo pela manhã deu no noticiário: o Sistema Elétrico Nacional (SEN) entrou em colapso, com uma queda total devido a um problema numa central termoelétrica. O fato provocou um dos maiores apagões na história do país. A saída às ruas de Trinidad se deu justamente nesta manhã. A crise energética não é algo novo na ilha, o sistema termoelétrico enfrenta problemas e não há dúvidas de que o embargo estadunidense tem sua responsabilidade, embora não possa ser compreendido como a única causa.
Sem luz, somente o cheiro forte de combustível vindos dos pequenos geradores. Esses não se encontram em todas as casas, porque a ilha enfrenta, também, problemas de falta de combustível. São inúmeros problemas que aquele povo vive em seu cotidiano. A escassez se mostrou aos olhos do viajante. Andei um pouco pelas ruas estreitas, escutei as pessoas, as percebi com o olhar triste mas sem uma reclamação ou indignação. Parece não poder existir qualquer revolta ao modelo atual: o regime cubano.
Aqui não é uma crítica à esquerda enquanto um movimento fundamental, em que eu me debruço e acredito. Não precisamos de um avanço na extrema direita mas sim, repensar de forma crítica o que queremos da nossa esquerda: em mim a única possibilidade de se viver em um mundo mais justo e igualitário.
Entro em contato com a história da revolução de 1959, aprendi sobre os bandidos, homens cubanos que foram contra a luta de Fidel, Che e tantos outros lutadores pela independência da ilha diante das violências norte americanas. Vejo sobre a entrada (e ainda presente) da Rússia. São muitos turistas russos por onde caminhei na ilha.
Sou colocado agora dentro da vivência, por óbvio não total, do que enfrentam os cidadãos cubanos. Nos hotéis e restaurantes um árduo trabalho para não incomodar os turistas, que injetam dinheiro para o dia a dia cubano. Quero mas não posso vivenciar o cotidiano porque para me alimentar usarei os restaurantes da cidade e todos são para os turistas.
Andei um pouco pelas ruas paralelas ao centro histórico e encontrei um café. Não havia energia elétrica e ele estava vazio. Somente a atendente me recebe e solicito um café coado. Os móveis antigos e o lugar são bastante interessantes. Não é um café para locais, mas não é um lugar com aquela maquiagem turística. Na parede, miro um pequeno adesivo do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dou um sorriso e me sinto bem… o café e o adesivo me lembram de algo familiar.
Voltei ao hotel no final do dia, tomei um banho e fui jantar fora dali. Quando saio na porta e olho para a cidade: tudo está apagado! É um apagão imenso e parece que só o hotel se mantém vivo… tudo mais está no breu. Sinto a impossibilidade de sair, mas o porteiro tenta me tranquilizar ao dizer que eu posso caminhar pelas poucas quadras até o restaurante e que lá terei luz. Acrescentou que a cidade não tem perigo de assaltos ou violências.
Desci uma longa escadaria até o centro histórico e tudo estava escuro. Escuto vozes dentro e fora das casas. Parece uma acostumação dolorosa nessa realidade tão presente. A luz que tenho é a do celular. Ela precisa ser apontada para o chão. Não vejo nada à minha frente, só escuto prosas. Hoje penso que foi um dos maiores medos que tive ao caminhar em uma cidade. Morando em São Paulo há tantos anos, eu jamais sairia às ruas em uma condição como essa.
A vida parecia existir e não existir ao mesmo tempo. Eu caminhava por um não lugar e algo se rompeu em meu campo psíquico. “O processo interpretativo converte-se numa série de pequenos estímulos, de variações emocionais, de reversões de posição do sujeito ou de sentido do discurso, que provocam a ruptura do campo dos pressupostos lógico-emocionais que determinavam as representações dominantes do paciente. Como qualquer explorador, ele se vale dos mapas estabelecidos apenas para chegar ao local inexplorado; lá, vê o que há para ver e tem de desenhar seus próprios mapas”. (p. 16)
A vontade de chegar ao restaurante, que eu sequer sabia ao certo onde estava, aumentava. Não era possível ir rápido, eu não sabia o que iria encontrar pelo caminho. Cheguei! E de repente, tudo parecia estar numa estranha normalidade. As mesas estavam cheias de turistas, a comida saborosa embora não houvesse toda a oferta do cardápio e eu consegui um mojito. O gosto do rum desceu incrivelmente bem. Mas quem vai, precisa voltar… e a volta foi tão tensa quanto a ida, embora mais rápida. Eu só queria voltar para casa.
Antes de seguir viagem, um passeio pela cidade me levou até a estação de trem. Esperava trens em movimento, mas os que encontrei estavam desativados há anos e a ferrugem comia suas partes…
Varadero, all inclusive e a crise energética
Ir a um resort nunca foi uma opção antes, esse lugar de viajante não comportaria algo previamente construído para que não se viva nada da cidade. Ao mesmo tempo, ser viajante nessa cena do apagão seria impossível. O risco do viajante sucumbir em um lugar que não é o seu, convoca a apreciação de turismo. Turistas somos todos e manter a autorrepresentação é fundamental para não mergulhar em águas que não sabemos onde vão dar.
Eu só queria chegar até um lugar onde eu pudesse me embriagar de ilusões de normalidade. Tudo é fantasioso em um resort, tudo é fabricado para o deleite dos turistas. A turista russa, seu maiô verde, com uma saída de banho transparente e cheia de pérolas. O celular a postos para vídeos e fotos na praia. Enquanto isso, seu marido está deitado ao sol.
O imaginário filmográfico convoca o espião russo. “A espionagem apenas arma o enredo e dá ensejo às peripécias, mas o motor do fascínio é a exaltação do quotidiano, que põe em relevo o paralelismo entre os dois mundos, o do turista e o do espião. Na espionagem de verdade nada é fascinante, sendo esse o mais sórdido dos mundos: o mísero ofício dos denunciantes e bisbilhoteiros – moscas enxameando a miséria alheia –, ubíquos e inúteis como só os turistas sabem ser.” (Herrmann, 2001, p. 36) Tudo ali parecia cafona, uma estética anos 1980/90. A energia elétrica só existia nos resorts, de resto tudo era breu. Em mim, a sensação de que ali era meu único lugar possível.
Fui ao posto médico por um problema no ouvido e descobri que ali era lugar do hotel mais humano. Conheci a equipe que prontamente limpou meus ouvidos. É estranho quando se quer escutar e não se pode. E eu queria escutar, não simplesmente ouvir. O calor ali era insuportável, sem energia elétrica, ao contrário do resto do resort. A preocupação delas veio em minutos: como você está? “Fico triste porque vocês turistas também estão sofrendo com esse apagão. Espero que isso não atrapalhe você a aproveitar um pouco a ilha”. Toda a preocupação era com os turistas.
Descobri que a médica tinha vivido em São Paulo, integrando o programa Mais Médicos. Segundo ela, que é casada e com duas filhas em Cuba, não seria possível permanecer no Brasil, por mais que desejasse. Conversamos bastante e, ao final, nos abraçamos como duas pessoas críticas, defendendo uma esquerda renovada e plural.
De volta a Havana – o Hotel Nacional
O apagão se mantinha na ilha quando voltei a Havana e depois para casa. Cheguei numa manhã de quarta-feira, passei na estrada por duas hidrelétricas, escancaradamente velhas e com funcionamento muito reduzido. A crise estava novamente diante dos meus olhos.
A decisão de me hospedar no tradicional Hotel Nacional foi importante: o hotel inaugurado em 1930, administrado por uma empresa norte-americana até 1959, quando foi tomado pela revolução cubana. Encontrei a nostalgia dos tempos passados, mas incluindo um cheiro forte de mofo no quarto, lugares onde se estampam pelas portas e corredores nomes famosos como Ernest Hemingway, Alexander Fleming, Frank Sinatra, Marlon Brando, Ava Gardner, Rita Hayworth, Fred Astaire, dentre outros.
Todo um andar para os chineses. Um andar isolado e o terraço, que diziam ser um cartão-postal, não pode ser visitado. A falta de energia elétrica, como nos demais hotéis, não era percebida. Resolvi ir até o pátio, escutar cantores cubanos. O cheiro de charuto era forte, a nostalgia imperava. Eu estava em um não-lugar, onde era tudo uma fantasia romântica de um tempo outro, esse que não se era possível ver quando se andava pela cidade.
Meu quarto tinha um retrato na porta, ali tinha se hospedado um dos famosos. O quarto era antigo, de um tempo-outro e nele, o cheiro de mofo só era camuflado quando, pela fresta da janela, sentia o vento entrar.
Selecionei onde almoçar e jantar, dois restaurantes para turistas: um que fez parte de um filme e outro onde o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, jantou quando da pequena e curta reaproximação com a ilha. No almoço, só havia minha mesa ocupada e, no jantar, a reserva só era possível após um grupo de chineses jantarem. A comida estava horrível, a lagosta estava crua e mergulhada em um molho agridoce, assim como todos os sentimentos que vivenciei na viagem.
Na manhã seguinte, a tentativa de passear um pouco, ver outros pontos turísticos. O único possível foi passar pela embaixada norte-americana e, em frente a ela, o memorial anti-imperialista que estampava, em direção à embaixada, a frase que vi em muitos lugares do país: Patria o Muerte.
Tudo, além disso, estava com a informação: cerrado hasta martes (fechado até terça-feira). Não me parecia que a ilha se abriria na quarta-feira posterior, ela está fechada há muitos anos. Ela sonha, cria e inventa modos de viver, mas parece que o povo tem sofrido muito, isolado.
*José Alberto Roza é doutor em psicologia do desenvolvimento humano pela USP.
Referência
HERRMANN, F. O divã a passeio: à procura da psicanálise onde não parece estar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. [https://amzn.to/4imR5oK]
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