Por ANDREW KORYBKO*
Joe Biden não será afastado por corrupção na Ucrânia, mas novas alegações ainda podem ter impacto.
O ex-deputado ucraniano Andrey Derkach lançou uma série de declarações bombásticas sobre os negócios corruptos de Joe Biden na Ucrânia numa entrevista recente à jornalista ítalo-americana Simona Mangiante. As conclusões podem ser lidas aqui, mas basicamente se resumem a subornos e lavagem de dinheiro, entre outros crimes. Embora possam impulsionar os esforços de impeachment dos republicanos na Câmara, onde a oposição tem uma pequena maioria, a falta de uma maioria de dois terços no Senado significa que ele não será removido do cargo.
Mesmo assim, essas novas alegações ainda podem ter um impacto importante nos eventos, que pode ser muito mais significativo do que seu impeachment superficial pela Câmara. Os procedimentos nesse nível se tornaram politizados, conforme comprovado pela caça às bruxas dos democratas contra Donald Trump, o que não quer dizer que os republicanos estejam fazendo algo assim contra Joe Biden, mas apenas para enfatizar que o impeachment pela Câmara não tem significado tangível. No máximo, fortalecerá os esforços de ambos os partidos para obter votos em novembro.
A importância real dessas últimas alegações está no contexto mais amplo do conflito ucraniano, que começou a diminuir no final do ano passado após o fracasso da contraofensiva de Kiev e a consequente diminuição da ajuda ocidental. Os republicanos já acertaram que qualquer outro acordo desse tipo depende de reformas robustas na segurança das fronteiras, mas agora eles também podem incluir a condição adicional de uma investigação conjunta abrangente com a Ucrânia sobre as revelações bombásticas de Andrey Derkach sobre Joe Biden.
Se a oposição fizer essa proposta, não há como os democratas concordarem, o que inviabilizaria a possibilidade de qualquer compromisso sobre essa questão até o próximo ano, após as eleições de novembro, o que poderia abalar a dinâmica do Congresso e, potencialmente, levar também à destituição de Joe Biden. Além disso, não se pode contar com o regime de Volodymyr Zelensky para auxiliar qualquer investigação teórica conjunta de boa fé, já que figuras importantes de lá também estão implicadas nessa corrupção de acordo com as revelações de Andrey Derkach.
Esse ponto específico acrescenta uma reviravolta curiosa a esse escândalo, pois sugere que eles também podem ser capazes de chantagear o governo Joe Biden, o que fornece uma nova camada de compreensão da razão do presidente em exercício e sua equipe estarem tão entusiasmados em perpetuar a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia por meio da Ucrânia. Volodymyr Zelensky sabe que qualquer resultado aquém da vitória maximalista com a qual ele fantasia acabaria com sua carreira política, portanto, ele tem motivos de interesse próprio para querer transformar isso em uma chamada “guerra eterna”.
Os interesses nacionais objetivos dos Estados Unidos não são atendidos pelo esgotamento ainda maior de seus estoques e, por conseguinte, pela redução de sua capacidade de responder de modo flexível a crises externas à medida que elas surgem, ou que até podem ser provocadas pelos Estados Unidos ou seus parceiros, por isso, tornou-se popular falar sobre o congelamento do conflito. A proposta de armistício “terra por paz” semelhante ao coreano do ex-comandante supremo da OTAN, almirante James Stavridis, no ano passado, poderia ser um ponto de partida, mas somente se o Ocidente concordar com as solicitações de garantia de segurança da Rússia na Ucrânia.
No entanto, eles relutam em fazer isso, o que explica o fato de não ter havido nenhum progresso nessa questão. Uma das razões por trás da recalcitrância dos EUA pode ser não apenas a preocupação em “perder o prestígio” ao chegar a uma série pragmática de compromissos mútuos com a Rússia, mas também porque Volodymyr Zelensky está chantageando o governo Joe Biden, dizendo que ele revelará tudo se eles ousarem seguir essa política. Dado seu anterior status “divino” na mídia ocidental, qualquer corroboração das afirmações de Andrey Derkach pode ser amplamente considerada pelos ocidentais.
Eles sabem que Volodymyr Zelensky não é um suposto “agente russo” e se convenceram de que ele é um “combatente da liberdade democrática”, portanto, seria muito prejudicial para a reputação dos operadores democratas se ele se envolvesse numa “divulgação limitada” compartilhando alguma informação relevante. É claro que ele não implicaria a si mesmo ou a seus aliados mais leais, mas poderia derrubar algumas autoridades politicamente menos confiáveis nesse caso (talvez como parte de um expurgo) e, ao mesmo tempo, possivelmente comprometer a reeleição de Joe Biden e virar o Senado.
O controle republicano da Casa Branca e do Congresso, juntamente com o que muitos consideram ser a Suprema Corte de direita, pode levar ao pior pesadelo dos democratas, que é o de seus oponentes reverterem a maioria das políticas de Joe Biden. Enquanto isso, o pior pesadelo de Volodymyr Zelensky é que Joe Biden se curve ao sentimento popular entre os americanos para reduzir a participação de seu país nessa guerra por procuração e coagi-lo a retomar as negociações de paz com a Rússia, para que cada um possa, assim, manter o outro sob controle por meio dessa chantagem mútua.
A legitimidade tanto do governo Joe Biden quanto do regime de Volodymyr Zelensky depende, portanto, de cada um deles permanecer em silêncio sobre seu esquema de corrupção, mas um ou outro poderia, pelo menos em teoria, revelar alguns detalhes sobre isso caso comecem a desconfiar ou queiram se livrar um do outro. Por exemplo, o governo Joe Biden poderia vazar algumas informações sobre a corrupção de Volodymyr Zelensky para a mídia pró-democrata a fim de pressioná-lo a retomar as negociações de paz ou preparar o caminho para um “governo de unidade nacional”.
Essa proposta foi apresentada por um membro do influente grupo de reflexão Atlantic Council no mês passado num artigo para o portal Politico e pode ser interpretada com credibilidade como um sinal de que o governo Joe Biden está começando a se cansar de Volodymyr Zelensky. Quanto ao líder ucraniano, já foi explicado que ele pode ser o primeiro a vazar certos detalhes sobre esse esquema se sentir que o apoio dos democratas a essa guerra por procuração está titubeando, o que poderia ser uma de suas “opções nucleares” nesse caso, junto com uma grande falsa bandeira.
Voltando às últimas alegações de corrupção de Andrey Derkach, seu impacto em termos do conflito ucraniano é muito mais importante do que a possibilidade delas ajudarem os esforços dos republicanos para destituir Joe Biden na Câmara, já que não podem removê-lo devido à falta de apoio no Senado. Os republicanos poderiam condicionar o apoio a mais ajuda ucraniana a uma investigação conjunta sobre essas alegações e/ou o governo Joe Biden ou o regime de Volodymyr Zelensky poderia vazar provas se o outro não cumprir suas obrigações.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]
Tradução: Fernando Lima das Neves
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