Contra o imobilismo

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Por PAULO GALO, HUGO OTTATI & VINICIUS SOUZA*

É necessário um chamado da esquerda às ruas

Em meio a uma grave crise sanitária, com uma média de mais de mil óbitos diários no país e situações como a do colapso na saúde em Manaus, a postura de Bolsonaro, ora de omissão, ora de medidas antipopulares, evidencia o seu caráter genocida e o seu projeto da morte. Não se trata de incompetência; mas de escolha política.

Não bastasse a defesa de uma agenda econômica ultraliberal, que, por si só, abre terreno para a precarização e espoliação generalizada da vida e do trabalho do povo brasileiro, a postura assumida por seu governo frente a pandemia é traduzida na ausência de um plano efetivo de vacinação em massa; na recusa em relação à continuidade do auxílio emergencial; no discurso contra a ciência e na campanha anti vacinação; na omissão proposital  diante do colapso anunciado no sistema de saúde de Manaus; e reflete sua responsabilidade direta pela morte evitável de centenas de milhares de pessoas.

Na esfera da disputa institucional, desconsiderando o seu discurso de aparência anti sistêmica, Bolsonaro fez o que há de mais antigo na política e aquilo que já se imaginava: o toma-lá-dá-cá e a compra de votos de deputados e partidos fisiológicos com representação no Congresso Nacional para garantir a vitória de seu candidato à presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP).

Mas não surpreende essa movimentação e nem a indiferença de Bolsonaro em relação à morte em massa; ou ao desemprego que atinge mais de 14 milhões de pessoas e ao desalento que alcança mais de 5 milhões; ou ainda ao índice crescente de brasileiros e brasileiras em situação de miséria no país. Na verdade, o desprezo pela vida sempre foi marca de sua história e parte integrante de seu projeto político.
O que é, no mínimo, preocupante é a falta de ação; um certo “imobilismo”. Sem a intenção de diminuir os panelaços e carreatas que se intensificam pelo Brasil, que, sem dúvidas, constituem manifestações legítimas, é preciso dizer que são evidentemente insuficientes para derrubar Bolsonaro. Neste contexto de barbárie, no centro do debate político durante o mês de janeiro esteve uma disputa institucional na Câmara dos Deputados, polarizada entre duas candidaturas liberais, conservadores e que em nada contemplam a classe trabalhadora. Lados que até ontem estavam trabalhando juntos no golpe de 2016; na aprovação da reforma trabalhista, da terceirização total, da PEC do Teto de Gastos, da reforma da previdência e no desmonte do tímido arcabouço de proteção social existente.

Preocupa observar que partidos e organizações socialistas, de esquerda, tenham tido suas discussões e seus esforços durante o último mês direcionados para tal disputa entre Baleia Rossi (MDB) e Arthur Lira (PP); e que, inclusive, tenha perdido a oportunidade de, nos limites da institucionalidade, endossar uma candidatura independente e radical da esquerda, carregando em seu programa pautas que atendam às necessidades urgentes da classe trabalhadora. Definitivamente “o anzol da direita fez a esquerda virar peixe” como disse Criolo, durante a maior parte dos últimos dois meses a esquerda e o campo progressista esteve presa nesse debate entre dois lados da mesma moeda.

No fim, venceu Arthur Lira, candidato apoiado por Bolsonaro, e a política do “quem paga mais, leva” com a liberação de bilhões em emendas – e vale dizer: contando com apoio de parlamentares ditos “do campo progressista”, escondidos no voto secreto.

A derrota de Bolsonaro passa necessariamente pela construção de um projeto de país, de um programa, e de muito trabalho de base e mobilização popular; e não de um espantalho engravatado, nos corredores do Parlamento, que contemple de Dória à Luciano Huck; de Maia à Baleia Rossi; do MDB ao DEM. Esses personagens e partidos nunca se preocuparam verdadeiramente, para além de discursos vazios, com as nossas vidas.

A manutenção da mobilização da extrema direita estadunidense mesmo com a derrota eleitoral de Trump nos dá a chave para entendermos que esses fenômenos da nova extrema direita não podem ser derrotados apenas nas urnas. É preciso que abandonemos às ilusões puramente institucionais como a que colocou no centro do debate político do país essa eleição da Câmara, ao mesmo tempo em que o Brasil é varrido por um tsunami de mortes, sem aqui retomar os impactos diretos que a crise tem nos setores explorados e oprimidos do Brasil. É necessário romper com os limites impostos pela visão puramente institucional da política (o que não quer dizer abandonar a luta institucional), que nos coloca dentro de um jogo onde não importando o resultado o trabalhador sai derrotado.

Por isso, se faz urgente que a esquerda, que saiu às ruas para pedir voto durante o processo eleitoral, entendendo as contradições e os desafios colocados naquele momento, não tenha medo de fazer um chamado urgente pelo Fora Bolsonaro, pela vacinação de todos e pelo direito a quarentena com renda digna; através da construção de uma frente de luta nas ruas, desde a base, para derrubar o projeto genocida em curso no país.

*Paulo Galo é entregador.

*Hugo Ottati é advogado sindical.

*Vinicius Souza é militante do PSol.

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