Bolsonaro e os Proud Boys

Imagem: Thelma Lessa da Fonseca
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Por DIJACI DAVID DE OLIVEIRA*

O governo não está interessado em garantir mais segurança para a sociedade brasileira. Deseja armar dezenas e milhares de pessoas que se enquadram no perfil de milicianos

Desde que assumiu o Governo, o presidente Jair M. Bolsonaro tem ampliado continuamente o acesso às armas (BRASIL, 2019a, 2019b, 2019c, 2021). Chama a atenção o esforço do governante para assegurar o acesso, a posse e o porte de armas, ao mesmo tempo em que demonstra descaso ou protela o acesso à vacina aos brasileiros (FERREIRA et al., 2021). Está claro que salvar vidas é o que menos importa ao governo Bolsonaro.

Sabidamente, existem inúmeras pesquisas realizadas mundo afora que demonstram que mais armas em circulação em uma nação representam mais mortes, seja por homicídios, seja de casos de suicídios. Nos Estados Unidos, por exemplo, 60% das pessoas que se matam usam arma de fogo. Da mesma maneira, muitas outras pesquisas demonstram a ineficiência do acesso às armas como forma de garantia de defesa pessoal (CERQUEIRA; MELLO, 2012). Porém, a despeito dos vários estudos, o Governo insiste que ter uma arma em casa é a melhor forma de “garantir a segurança do cidadão de bem”. Será que é isso mesmo que preocupa o governo?

A resposta que salta aos olhos é que o governo não está interessado em garantir mais segurança para a sociedade brasileira. Se sua preocupação fosse aperfeiçoar a segurança, deveria investir na melhoria dos serviços de segurança e de serviços essenciais para a população. Qualificar a educação, garantir mais acesso à saúde, ampliar a oferta de empregos, assegurar acesso à alimentação, assim como ampliar a oferta de moradia para famílias carentes estão entre os serviços prioritários que ajudariam na redução da falta de segurança no Brasil (CHESNAIS, 1999). Isso não seria o suficiente, mas daria um grande passo para melhorar os índices de violência. Vale assinalar que um dos grandes indutores de práticas de violência é a desigualdade (MARICATO, 1996). Outro grande foco está nas inúmeras práticas preconceituosas (MINAYO; SOUZA, 1993). Mas, enfim, enfrentar a desigualdade não é o foco do governo. Desde o primeiro momento ele resistiu em ofertar um abono e este apenas saiu por iniciativa do Congresso em aprovar um benefício no valor de R$ 600,00 (AGÊNCIA SENADO, 2020).  Hoje, depois da queda vertiginosa da popularidade presidencial ele quer um novo abono, mas com um valor abaixo de RS 300,00 (BARBOSA; BATISTA, 2021) e para um grupo bem menor (FLOR, 2021). Diante disso é possível afirmar que, ao se recusar a investir na melhoria dos serviços essenciais, o governo prefere reforçar ainda mais o modelo de desigualdade. Como assim?

Armas são caras. Dentre as mais procuradas estão a carabina CBC 7022 (preço médio de R$ 2,3 mil), pistola Taurus TH 380 (preço aproximado de R$ 5.535,00), pistola Glock G25 (preço na faixa de R$ 7.715,97). Os valores estão bem acima da linha de acesso para as faixas de renda da classe baixa. Logo, a aquisição de armas ficará concentrada nas classes média e alta. Qual, então, é a vantagem de armar as pessoas ricas e não garantir o acesso às armas para as pessoas pobres?

Não há nenhuma vantagem (CERQUEIRA; MELLO, 2012). As casas das famílias ricas (classes alta e classe média) são os alvos preferenciais de roubos. Há inclusive muitas perdas de armas com os chamados “arrombamentos de domicílios”. Conforme Cerqueira et al. (2019), os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) do Ministério da Justiça apontam que aproximadamente 22,9 mil armas de fogo foram perdidas ou extraviadas entre 2009 e 2011, e outras 29,3 mil foram furtadas ou roubadas. Mas independente dos problemas que podem ocorrer com eventuais ampliações do acesso às armas, o governo vai além, e tem anunciado que deseja que o acesso às armas seja de até cinco armas para “os caçadores” e de até 50 unidades para “os colecionadores” (BRASIL, 2021). Mais ainda, quer que o controle seja “fragilizado”, de forma que se dificulte um monitoramento público do acesso às armas (BRASIL, 2021). E qual é o problema nesse caso?

A situação é grave. Se hoje, com o atual sistema de controle, têm-se precárias informações públicas sobre quem adquiriu e onde estão essas armas, imagine-se em um cenário em que as agências estatais não possuem menos controle.  Aqui se pode formular novas questões: enfim, quem se beneficia com a falta de controle sobre as armas de fogo?

Não restam dúvidas de que a falta de controle estatal beneficia diretamente a criminalidade organizada e os movimentos de caráter paramilitar. Será muito fácil abrir “clubes de tiro”, “organizações de caça”, “colecionadores de armas” e similares como forma de facilitar a emissão de registros em escala e nem sempre confiáveis e, com isso, massificar o acesso às armas. Como já dissemos, como as armas são caras, apenas pessoas das classes média e média alta terão acesso a elas. Contudo, as aquisições podem ser patrocinadas por grupos da criminalidade organizada, assim como por organizações de milicianos. Agora imaginem-se esses grupos com dezenas, centenas ou milhares de pessoas “devidamente credenciadas”, com acesso às armas, com fartas munições e ainda com pleno direito de porte de arma – ou seja, poder andar para cima e para baixo com uma arma carregada?

Sabendo da admiração e da subserviência que o governo Bolsonaro nutria pela ex-presidente Trump, pode-se afirmar que exatamente é o de se espelhar e reproduzir no Brasil o movimento fracassado do Donald Trump. Para quem não sabe, Trump contou com o apoio de vários grupos com características paramilitares, dentre eles o ultranacionalista Proud Boys. Trata-se de um grupo conservador, de caráter paramilitar, que ostentava suas armas publicamente como forma de intimidar eventuais adversários de Trump (FEUER, 2021).

Portanto, é aqui onde o Governo quer chegar. Ele deseja armar dezenas e milhares de pessoas que se enquadram no perfil de milicianos. Ele acredita que se estas pessoas estiverem armadas elas se engajarão na defesa dos projetos de Bolsonaro de continuidade no poder. Quer fazer isso exatamente nos mesmos moldes do Proud Boys, que chegaram a invadir o Legislativo dos EUA.  Aqui, como o Legislativo já está dominado, na linha de tiro está o Judiciário brasileiro.

Pois bem, assim como os EUA passaram a discutir seriamente o futuro da democracia após a tentativa de fracasso de um golpe de estado patrocinado pelo presidente Trump, é preciso pensar seriamente sobre o futuro da democracia brasileira. Não se pode assistir de camarote a que os eventos que aconteceram nos EUA ocorram por aqui. Lá morreram cinco pessoas. Aqui, no entanto, quantas morrerão em uma tentativa de golpe patrocinada por Bolsonaro, seus seguidores armados e com a ajuda de uma trupe de militares?

*Dijaci David de Oliveira é professor de sociologia na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Referências


Agência Senado. Coronavírus: Senado aprova auxílio emergencial de R$ 600. Brasília: Senado Notícias, 30 mar. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/30/coronavirus-senado-aprova-auxilio-emergencial-de-r-600.

BARBOSA, Marina; BATISTA, Vera. Novo auxílio emergencial deve ser inferior aos R$ 300 do fim de 2020. Correio Braziliense, Brasília, 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/02/4905046-novo-auxilio-emergencial-deve-ser-inferior-aos-rs-300-do-fim-de-2020.html.

BRASIL. Decreto n°. 9.845, de 25 de junho de 2019. Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição. Diário Oficial [da] União, Brasília, 25 jun. 2019a.

BRASIL. Decreto nº. 10.030, de 30 de setembro de 2019. Aprova o Regulamento de Produtos Controlados. Diário Oficial [da] União, Brasília, 1º out. 2019b.

BRASIL. Decreto nº. 9.847, de 25 de junho de 2019. Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Diário Oficial [da] União, Brasília, 25 jun. 2019c.

BRASIL. Decreto nº. 10.628, de 12 de fevereiro de 2021. Altera o Decreto nº 9.845, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição. Diário Oficial [da] União, Brasília, 12 fev. 2021.

CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro; MELLO, João Manoel Pinho de. Menos armas, menos crimes. Textos para Discussão, 1721. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2012.

CERQUEIRA, D. et al. Atlas da violência 2019. Brasília; São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.

CHESNAIS, Jean Claude. A violência no Brasil: causas e recomendações políticas para a sua prevenção. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 1, p. 53-69, 1999.

FERREIRA, André Bastos et al. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. Boletim n. 10, São Paulo: Conectas Direitos Humanos e Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), 20 jan. 2021.

FEUER, Alan. Proud Boys Charged With Conspiracy in Capitol Riot. The New York Times, Jan. 29, 2021.

FLOR, Ana. Governo federal estuda auxílio emergencial de R$ 250 por 4 meses. Brasília: G1, Brasília, 12 fev. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/blog/ana-flor/post/2021/02/12/governo-federal-estuda-auxilio-emergencial-de-r-250-por-4-meses.ghtml.

MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

MINAYO, Maria Cecília de S.; SOUZA, Edinilsa R. de Souza. Violência para todos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 65-78, jan./mar. 1993.

 

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