Por AIRTON PASCHOA*
Oito peças curtas
Cálculo
Faz de conta que o mundo tem jeito
que a vida tem remédio faz de conta.
Que a vida é brincadeira que andamos de mãos dadas e
cirandamos sem parar. Faz de conta que
somos desiguais em paz
ou somos iguais sem parada
faz de conta.
Faz de conta
que custa pouco. E o pouco que custa
faz de conta que tem
pronto socorro
que o cálculo
cada vez mais dói
cada vez menos.
Faz de conta.
Parada
Feriados há tão parados que sentimos comichão de parada.
Desta quadra não vemos senão túmulos, túmulos e mais túmulos, suntuosos uns, quase mausoléus, outros nem tanto, só cova e olhos, simplórios a maioria, beirando carneiros.
De vez em quando aponta um verme e logo se recolhe desapontado. Nada, nem cardíaca. Voltemos ao repasto.
Aos nossos pais
In memoriam
Perdoem a cara deslavada, a falta de espaço etc., os dias são assim. Festa houve, tão breve, que muitos pensam não passou de sonho. Lavamos, esfregamos bem os olhos, os dias são assim. Mais difícil talvez é contar-lhes a transformação. Nós o colhemos e provamos e, como direi? é e não é o gosto, é e não é o fruto… Não é dialética. Também não entendo muito bem, perdoem. Os dias são assim. Chamam de transformação genética. Transgênico é o fruto, transgênico o gosto — perdoem, o neologismo se impõe. E se impôs tão democraticamente que não temos mais como falar aos nossos filhos. Os dias são assim.
Montanha & praia
Tocar poesia! quando milhões e milhões seguem enredados astros de futebol, estrelas de novela, quando não estrelas e astros ascendidos e acendidos pelas próprias redes, quando mal toca, terrena todavia, milhares e milhares que se espraiam e amontoam.
Réquiem brazuca
Não terminou a tempo mestre Pazzo, elo de tradicional banda militar. O coro, o que resta, permanece boquiaberto. Surdo, o regente prefere a batuta bazuca. O auditório, anestesiado, toma por celesta o tinir de lâminas.
[degaullando]
Faço saber, a quem interessar possa, que deixe de ser turrão! de levar a sério o torrão fatal; sério, ele leva você — pra campa, pro pinel, até pra rampa! Aprecie o grande elenco tentando disfarçar a farsa. Repare nos espirros de gente, nosocômicos, não? Sim, sim, graves são as consequências ao virarem esbirros, mas por isso mesmo havemos de casquinar menos? Não encasquete. Vai perder a cabeça e a cadeira?
[chorando]
Faço saber, a quem interessar bossa, que a alma brasileira é avessa a vale de lágrimas; aqui reina o chorinho. O negócio é levar na flauta. Pensa, que que compensa? O machete racha e o violão escora. Tudo é de palha e mal para em pé. O que pega fogo é o choro, mas a flauta sopra. Quem lá quer saber da ventania — cortante que nem guilhotina! da legião de arcos? Chorões, aquela, “Toco-toco no bafu”, nossa alma, nossa palma, por favor.
[praguimatismo]
Faço saber, a quantos imaginar possa, wow! que país fora este! Quem não needs de amor, carinho, proteção? Há resistir ao protetorado paternal, maternal, eternal? Por alguma razão de ordem unida qualquer, porventura metafísica, nosso interesse não se concentra neste território. Por que então desdenhá-la, a proposta de intervenção — mister desfazer o mal-entendido! insight de interação, amiga, amorosa, de parte da América nossa de cada dia? Don’t forgetam o nome, inspirador, de tamanha democrata mam, Pam Keith.
Não digo this nem please pelas moças, que adorariam kids de fitar claro e anelos dourados, que nem nas glamorosas fitas, nem mesmo pelo English gratuito desde o berçário, o que não é pouco, tampouco por minha sofrida corporação, em meio a cujas gerações vindouras já me vejo vicejar (mas presidente de honra, ora!) em merecida memória, com conduzi-las a gosto ao Panteão das Letras, a cujo ingresso naturalmente assegura a língua soldadã do mundo. Minha razão íntima pode soar praguimática; entretanto, cá entre us, sonhos e suspiros… who não trocaria por pankeikh?
*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de Ver Navios (e-galáxia, 2021, 2.ª edição, revista).