Os herdeiros de Goebbels

Imagem: Connor Danylenko
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUÍS FERNANDO VITAGLIANO*

Jornalistas lucram com a disseminação de mentiras pelas redes sociais

É inadmissível em uma democracia que o principal disseminador de fakenews pelo YouTube a respeito de Coronavírus, removidos da rede pela própria gestora da rede social seja um jornalista da grande mídia ancora em dois dos principais veículos de jornalismo do país. Isso explica muito da nossa fragilidade institucional e política.

Como pode A Rede Globo de Televisão e a CNN reivindicarem a condição de credibilidade quando empregam o jornalista apontado na CPI da COVID no Congresso que mais arrecadou com conteúdo falso sobre o tema no YouTube? Isso mesmo: na sexta feira, 11/06 a CPI recebeu uma lista de 385 vídeos que foram retirados do ar por conterem desinformação sobre a pandemia. Simplesmente 126 deles foram do jornalista e comentarista político Alexandre Garcia, que arrecadou com isso em torno de 70 mil reais com a disseminação de desinformação sobre a Covid-19.  Em segundo lugar ficou o candidato a prefeitura de Goiânia pela Democracia Cristã, Gustavo Gayer e em quinto lugar na lista está outra jornalista de longa carreira nas Organizações Globo: Leda Nagle, que hoje atua independente.

É preciso entender que a fakenews não é apenas um desserviço a notícia, é também uma forma de chamar a atenção e lucrar com a audiência. A fakenews, principalmente no sentido alarmista ou negacionista, é uma forma de ganhar atenção para a audiência, gerar engajamento e, logo, monetizar. A pandemia desnudou a fakenews e mostrou sua gravidade: é uma opção de negócio à custa das pessoas, sem empatia, sem ética. No caso da desinformação sobre a COVID, tem sido demonstrada pela CPI do Congresso, a Fake news é também uma forma de ação do Governo e, junto disso, um jeito de aproximar-se e valorizar que se alinhava com seu discurso independentemente da missão do jornalismo em buscar a verdade dos fatos.

Infelizmente, verdades e fatos se tornaram a Kriptonita das redes sociais – a enfraquecem. Por algum algoritmo chegou-se a conclusão que verdade, realidade, equilíbrio, consistência não dão audiência. No cerne das redes sociais estão os cliques. O problema é que audiência não constrói fato. Cliques não constroem verdades.

O que dificulta sobre o papel das redes sociais na sociedade da informação é a constatação necessária de que a comunicação falsa é o fundamento da manipulação e, como muitos veículos querem usar de estratégias de manipulação da informação para fomentar a audiência e apreender o expectador, não querem regulação. Regular a informação e responsabilizar os veículos de comunicação pelas fakenews é a própria regulação que pune a manipulação da informação.

Fatos e verdades se fazem a partir de evidências concretas na realidade, e a soma de inúmeras mentiras não se transformam em uma verdade. Alias, é preciso parar de reproduzir essa idiotice de que uma mentira dita mil vezes se torna verdade. Fale mil vezes para uma maça que ela é uma pera, você não vai torná-la pera. Mesmo que você se convença da sua própria mentira, isso não muda um fato ou a realidade. Mudar a percepção de algo não muda sua relação causal. Convencer uma pessoa que ela é um cachorro pode servir para você dominá-la, mas não a torna um cachorro.

A paráfrase da frase do ministro da propaganda nazista Goebbels não deve ser entendida no seu sentido literal, mas é preciso observar que no seu contexto quer dizer que uma mentira contada inúmeras vezes gera dominação. Por isso ela é tão perigosa e deve ser combatida. A dominação vinda da mentira é a da pior espécie, do tipo que alguns se beneficiam com a desgraça de muitos.

Infelizmente a maioria população não discerne claramente interpretações dos fatos. Dizer que a pandemia é inofensiva é uma interpretação que não diminuiu o fato de que sua disseminação gera aumento no número de infecções e mortes; pelo contrário, a interpretação que não se sustenta nos fatos permitiu que muita gente não se cuidasse e tornasse vulnerável a contaminação. Nenhuma mentira vai convencer um veneno de que ele é um alimento nutritivo. Pior, dizer que a pandemia deve correr solta para atingirmos a imunidade de rebanho é uma decisão que encobre a verdade de que a imunidade de rebanho no Brasil teria o custo de aproximadamente 2 milhões de vítimas.

A questão aqui é que as redes sociais são redes de disseminação de fakenews, entre outros motivos, porque não há mecanismo de verificação. Os veículos de imprensa em geral, devem se preocupar com a verificação das notícias, confrontar a informação com os fatos e se responsabilizar pela publicação. As pessoas nas redes sociais e as distintas possibilidades de falsificação permitem que se propaguem informações que danificam pessoas, processos e instituições. Verificação e responsabilização pelos veículos de informação são fundamentais. O fato de YouTube ser uma plataforma colaborativa não pode o eximir de criar mecanismos de verificação e de ser responsabilizado pela propagação da notícia falsa.

Rede Globo e CNN Brasil empregar um disseminador de notícias falsas e dar a ele audiência de analista âncora é sintomático: o quanto essas instituições se interessam pela disseminação de notícias manipuladoras?

Ou a parte da população esclarecida entende que não deve discutir com outra parte da população manipulada pela fakenews e passa a mirar suas energias para o foco das mentiras e da estratégia de manipulação, ou o dano causado pela mentira vai aumentar a condição de vulnerabilidade da maior parte da população; que pode não associar sua condição de miserabilidade as estratégias de rede social, mas certamente a sente no preço da carne, na piora das condições de emprego, no dia a dia desgastante e na piora das condições de vida cotidiana. Cabe agora fazer a relação entre as condições de miséria que são apresentadas com aqueles que querem convencer-nos da nossa desumanidade.

*Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.

Referência


Lista Extraída do Jornal “O Globo”: “Canais da internet ganharam dinheiro com fakenews sobre Covid, informa Google à CPI”, em 11/6/2021. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/canais-na-internet-ganharam-dinheiro-com-fake-news-sobre-covid-informa-google-cpi.html

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Vinício Carrilho Martinez Antonino Infranca Igor Felippe Santos João Feres Júnior Eleonora Albano Tarso Genro Otaviano Helene José Costa Júnior Flávio R. Kothe Ari Marcelo Solon Flávio Aguiar Armando Boito Paulo Fernandes Silveira Salem Nasser Paulo Martins Marcos Aurélio da Silva Yuri Martins-Fontes Alexandre de Freitas Barbosa Gilberto Maringoni Heraldo Campos José Micaelson Lacerda Morais Luiz Eduardo Soares Daniel Afonso da Silva Rodrigo de Faria Celso Frederico Ricardo Musse Mário Maestri Eugênio Bucci Boaventura de Sousa Santos Leonardo Boff Bernardo Ricupero Ronald León Núñez Lorenzo Vitral José Dirceu Plínio de Arruda Sampaio Jr. Atilio A. Boron Gilberto Lopes Jorge Luiz Souto Maior Thomas Piketty Remy José Fontana Francisco Fernandes Ladeira Lucas Fiaschetti Estevez Daniel Costa Alexandre de Lima Castro Tranjan Eliziário Andrade José Luís Fiori Airton Paschoa Marjorie C. Marona Andrew Korybko Elias Jabbour Paulo Capel Narvai Michel Goulart da Silva Carla Teixeira Michael Roberts João Sette Whitaker Ferreira Liszt Vieira Valerio Arcary Renato Dagnino Luiz Carlos Bresser-Pereira Kátia Gerab Baggio Lincoln Secco Denilson Cordeiro Alexandre Aragão de Albuquerque Carlos Tautz Gabriel Cohn Osvaldo Coggiola Vanderlei Tenório Marcelo Módolo Jean Marc Von Der Weid Bento Prado Jr. Marcus Ianoni Daniel Brazil Everaldo de Oliveira Andrade Eduardo Borges Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Priscila Figueiredo Marilia Pacheco Fiorillo Jorge Branco Manuel Domingos Neto Luiz Werneck Vianna Rubens Pinto Lyra Anderson Alves Esteves Marcos Silva Antônio Sales Rios Neto Ladislau Dowbor Caio Bugiato Afrânio Catani Érico Andrade Matheus Silveira de Souza José Machado Moita Neto Benicio Viero Schmidt Berenice Bento Juarez Guimarães Ricardo Antunes Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luis Felipe Miguel Dênis de Moraes Francisco de Oliveira Barros Júnior Sandra Bitencourt Rafael R. Ioris Francisco Pereira de Farias Luiz Renato Martins Michael Löwy Marcelo Guimarães Lima João Adolfo Hansen Anselm Jappe Paulo Sérgio Pinheiro Ricardo Abramovay Luiz Bernardo Pericás Ricardo Fabbrini Andrés del Río Eugênio Trivinho Claudio Katz João Carlos Salles Dennis Oliveira Maria Rita Kehl Chico Whitaker Mariarosaria Fabris Paulo Nogueira Batista Jr Luciano Nascimento Eleutério F. S. Prado José Geraldo Couto Leonardo Sacramento Henry Burnett Sergio Amadeu da Silveira José Raimundo Trindade Luiz Roberto Alves Tales Ab'Sáber Leda Maria Paulani João Paulo Ayub Fonseca Luiz Marques Antonio Martins Marilena Chauí Jean Pierre Chauvin João Lanari Bo Luís Fernando Vitagliano João Carlos Loebens Celso Favaretto Henri Acselrad Ronaldo Tadeu de Souza André Singer Ronald Rocha Julian Rodrigues Leonardo Avritzer André Márcio Neves Soares Fernando Nogueira da Costa Manchetômetro Fernão Pessoa Ramos Vladimir Safatle Annateresa Fabris Bruno Machado Gerson Almeida Chico Alencar Walnice Nogueira Galvão Slavoj Žižek Fábio Konder Comparato Milton Pinheiro Alysson Leandro Mascaro Samuel Kilsztajn Tadeu Valadares

NOVAS PUBLICAÇÕES