Jenny von Westphalen Marx

Imagem: Engin Akyurt
image_pdf

Por ARI MARCELO SOLON*

A presença da esposa de Marx

“O peso das gerações passadas assombra como um pesadelo as novas” (Karl Marx).

Nós, marxistas, temos com o que nos orgulhar. Jenny von Westphalen Marx redigiu as obras mais importantes do socialismo revolucionário. Deu à luz a muitos filhos, perdeu tantos outros, e, apesar da tragédia, foi uma mulher exemplar na militância política a favor do socialismo revolucionário. Abrigou os communards em sua casa, em Londres, os refugiados da comuna de Paris. Ela não tinha nem pão para comer e dar a seus filhos, mas o concedia aos pobres exilados. Amava seu marido incondicionalmente. Tinha um pouco de sua origem na aristocracia: era da pequena nobreza, proveniente de funcionários públicos

Seu marido, entretanto, era imperfeito. Ao longo de sua vida, várias expressões racistas utilizava. Referiu-se ao socialista Lassale como “negro judeu”.

Enquanto Jenny dava a luz a uma de suas queridas filhas, Marx engraçava-se com a empregada, e obrigou-a a conceber a criança anonimamente (posteriormente adotada por Engels).

Qual era o problema de Karl Marx?

O problema era o Complexo de Édipo com sua mãe judia.

Tanto do lado materno quanto do lado paterno, Marx descende de dinastias rabínicas. Ocorre que do lado paterno o pai, por questões de oportunidade, converte-se ao cristianismo. Observa-se na passagem a seguir a presença dessa origem: “Marx was converted to Christianity when he was six years old. His father had converted a year before his birth; his mother was to convert a year after his own conversion, so that when we address the question of Marx’s Jewish identity it is clearly not within any theological or ethnic definition” (GILMAN, 1988, p. 275).

E é uma conversão bem-sucedida. Tanto o pai quanto o filho acreditam que, de fato, converteram-se ao espírito prussiano. A Prússia germânica estava acima de tudo: “Karl Marx’s father, Heinrich Marx, born Heschel Marx, was not atypical of the acculturated Jews who saw conversion to Christianity as the natural next step in entering German society. He had strong emotional ties to his sense of “Germanness,” opposing Napoleon and supporting the German position during the “War of Liberation.” This identification with the German society was heightened by the family’s life in Trier, a city perched on the linguistic border between German, French, and Dutch. Of all the cities in Loter, the ancient settlement of German Jewry, it was the area in which the level of awareness of the political and social implication of language was the highest. Marx’s language as a child was German. His father’s identification was with the Prussian state and thus with the German language and its concomitant rhetoric” (GILMAN, 1984, p. 276).

Já a mãe mal sabia alemão. Todas as cartas escrevia ao filho com yiddishismos e desconhecimento total da língua pátria. Isso fez com que as obras perfeitas, hegelianas, que Jenny digitava tivessem erros ideológicos. Quando criticou o antissemita Bauer, por negar emancipação cívica aos judeus, e Marx a defendendo, não deixou de constatar o espírito do materialismo da religião materna.

Até na obra máxima que Jenny digitou, O Capital, há erros ideológicos. A bela teoria aristotélico-hegeliana da mercadoria é um pouco comprometida com resquício da raiva com que Marx sentia pela herança materna. A mercadoria fala uma língua de trapaceiros, de mercadores, de Ostjuden (judeus polacos).

Ainda bem que tivemos Jenny e todas as suas filhas (quatro belas Jenny) para nos orgulharmos cem por cento do socialismo revolucionário.

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

Referências


GILMAN, Sander L. Karl Marx and the Secret Language of Jews. Modern Judaism, v. 4, n. 3, p. 275-294, out. 1984.

VON KROSIGK, Lutz Schwerin. Jenny Marx. Liebe und Leid im Schatten von Karl Marx. Wuppertal: Staats-Verlag, 1976.

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES