Por HOMERO SANTIAGO*
O Sistema Único de Saúde expressa o desejo dos brasileiros de terem direito à saúde como um pré-requisito para o bem-estar, a liberdade e a democracia
Nas redes sociais tudo é objeto de exibição, e não podia ser diferente com a vacina contra Covid-19. Quem toma, o filho ou parente ou amigo de quem toma, todos querem anunciar ao mundo o alívio de alma ocasionado por essa experiência que no auge da doença ganhou ares epifânicos. A maior parte das postagens segue um mesmo padrão: fulano ou sicrano “vacinou” (por fidelidade aos fatos fica mantida a grotesca despronominalização do verbo), VIVA O SUS! (assim mesmo, em letras garrafais).
Trata-se de uma inédita, inesperada e muito bem-vinda unanimidade em torno de nosso sistema público de saúde, infelizmente cristalizada às custas de muito sofrimento, quase vinte milhões de doentes e, sobretudo, mais de meio milhão mortes. Por isso convém, na verdade é absolutamente necessário, aproveitar a ocasião para combater um tacanho preconceito disseminado em certas parcelas da população brasileira: o Sistema Único de Saúde brasileiro teria surgido do nada e não passaria de algo inútil a comprometer rios de dinheiro público. Poucas opiniões são tão perversas e fatalmente enganadoras quanto essa; é perversa porque frequentemente enunciada por quem nem conhece nem usa o SUS, é fatal porque o desprezo a um sistema que cuida de milhões de vidas mata. Quem, hoje, não reconhece a importância do SUS, o socorro vital (literalmente falando) que ele nos trouxe e traz na luta contra pandemia, é ruim da cabeça ou simplesmente age de má-fé.
Contra a ignorância e o preconceito, queríamos aqui, em vez de repisar o óbvio, falar e saudar nosso Sistema Único de Saúde como uma das mais belas e geniais invenções do “engenho” brasileiro (permita leitor a licença poética). Ele é o resultado e a concretização do empenho de gerações na luta pelo direito de acesso universal, igualitário e gratuito à saúde; daí a sua grandeza. Uma instituição como o SUS não se reduz a uma estrutura física: postos de saúde, um corpo de funcionários, orçamentos, e assim por diante. O mais lindo hospital privado não é SUS, o mais reles posto de saúde público o é. O SUS é grande porque é, em primeiro lugar, uma ideia que unifica tudo isso e constitui o espírito de toda essa infraestrutura pública, comum a todos nós brasileiros e residentes por aqui (importa notar que o sistema não faz distinção, reconhecendo que todo ser humano merece o mesmo respeito à sua saúde). O SUS é expressão da história do desejo dos brasileiros de ter direito à saúde, e dessa maneira é fiel depositário das mais dignas expectativas de uma sociedade nem sempre tão digna.
Antes de tudo, cumpre recordar, especialmente aos mais jovens, que nem sempre existiu no Brasil o direito à saúde, muito menos um sistema responsável por garanti-lo. Até a Constituição federal de 1988, em vez de direito vinculado à própria cidadania, a saúde diferia pouco de outras mercadorias e serviços disponíveis a quem pudesse pagar; havia o atendimento gratuito pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), mas estava reservado aos “contribuintes”, isto é, trabalhadores formais, com “carteira assinada”, como se diz. Os “não contribuintes” – autônomos, trabalhadores informais, desempregados – que não podiam pagar contavam apenas com a assistência de instituições de caridade, geralmente oferecida pelas santas casas ligadas à Igreja católica e outras entidades filantrópicas.
Em sendo assim, não espanta a penúria da maior parte da população no acesso à saúde, condição que se se refletia cabalmente nas estatísticas. Para mencionar só dois índices básicos ao avaliar a saúde de uma população, na década de 1980, quando o país se redemocratiza e é redigida a nova Constituição, segundo o IBGE a expectativa de vida dos brasileiros ao nascer era de 62,5 anos, já a taxa de mortalidade infantil era de 69,1 a cada 1000 crianças de até um ano.[i]
Contra essa situação dramática e buscando transformá-la, nunca faltaram revoltas, lutas, discussões, pressões, ações pontuais e outras de maior alcance. Um momento crucial desse incessante combate se dá na segunda metade da década de 1970, quando se concentra no movimento que ficou conhecido como Reforma Sanitária Brasileira (RSB); no compasso da oposição à ditadura militar, o problema do direito à saúde congrega trabalhadores da área, universitários, sindicatos e movimentos populares. Teoricamente, a grande novidade repousa em, mais do que buscar a simples melhoria das possibilidades de atendimento, a RSB promover um intenso debate em torno da própria ideia de saúde e sobre como efetivá-la por meio de um sistema de saúde.[ii] Trata-se de uma profunda e instigante reflexão. Em vez de limitar-se a entender “saúde” pela negativa, como mera ausência de doença, defende-se um sentido positivo para a noção: a saúde integral como bem-estar físico, mental e social; garantida como um direito de todos, e não restrita aos privilegiados que pudessem por ela pagar. Em decorrência dessa amplitude do conceito, compreendeu-se que, além de medidas pontuais e ao gosto dos governantes de ocasião, só um sistema igualmente amplo, unificado, dotado de estrutura e fontes de financiamento fixas, seria capaz de assegurar a saúde dos brasileiros.
Ao longo da década de 1980, marcada pela paulatina saída da ditadura militar, pelo retorno de eleições diretas e sobretudo pela elaboração de uma Constituição que fizesse jus aos novos tempos, essa meditação militante concentrada na RSB ganhou ressonância formidável; o problema da saúde, ao invés de questão técnica e estatística, combinava-se inextricavelmente aos anseios de vida democrática. Democracia é saúde, saúde é democracia – mais ou menos assim se exprimiu o médico sanitarista Sérgio Arouca (1941-2003), um dos nomes fundamentais na luta pela saúde no Brasil, ao propor uma reflexão sobre os termos “saúde”, “doença” e a relação entre eles, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. A saúde, explica, “é um bem-estar social que pode significar que as pessoas tenham mais alguma coisa do que simplesmente não estar doentes: que tenham direito à casa, ao trabalho, ao salário condigno, à água, à vestimenta, à educação, às informações sobre como dominar o mundo e transformá-lo. Que tenham direito ao meio ambiente que não lhes seja agressivo, e que, pelo contrário, permita uma vida digna e decente.”[iii]
É claro que uma movimentação e uma reflexão dessa magnitude não nascem do nada; pelo contrário, muito dependem da consideração de outras experiências e do aprendizado com seus êxitos e dificuldades. Se há um lugar em que a originalidade importa menos que o eficaz acúmulo de forças, é o campo das lutas sociais e das políticas públicas.
Assim, as palavras de Sérgio Arouca apresentavam-se como uma leitura dos documentos fundadores da Organização Mundial de Saúde (OMS). Logo ao fim da Segunda Guerra Mundial, em meio aos esforços de reconstrução de um mundo destroçado e no quadro da então recém-fundada Organização das Nações Unidas (ONU), cria-se em 1948 a OMS, que funcionou como propulsora da ideia de direito à saúde e hoje é um importante agente global no combate à pandemia, centralizando informações e resultados de pesquisas, orientando países e coordenando o programa Covax Facility, que objetiva fornecer imunizantes a todos os países do mundo, inclusive e sobretudo os mais pobres.
Em termos de implementação daquela concepção de saúde, a inspiração mais imediata vinha do sistema de saúde britânico, que também tinha raízes numa crucial inovação no campo das ideias. Em plena guerra e com o Reino Unido acuado, o economista e político William Beveridge (1879-1963) foi chamado a presidir uma comissão encarregada de estudar a reorganização das políticas sociais do governo. Em 1942, ele apresenta o documento que ficou conhecido como “relatório Beveridge” (no original Social Insurance and Allied Services[iv]), contendo um plano de reformas cujo princípio seminal era o seguinte: “liberar-se das necessidades é uma das liberdades essenciais da humanidade”. A defesa da liberdade não era nova, mas sim redefinir o conceito vinculando-o às suas condições materiais. Em vez de restrita a um sentido negativo (não sou obrigado a fazer isso ou aquilo, o Estado não pode intervir aqui ou ali), a ideia de liberdade ganha um conteúdo positivo e concreto que só pode ser alcançado e preservado por meio de um amplo programa de amparo social: educação, renda mínima, saúde, aposentadoria, seguro-desemprego. Todo o ideário do bem-estar social tal como se configurou na Europa no pós-guerra (o chamado Welfare State ou Estado de bem-estar) foi influenciado pelo “relatório Beveridge”. Ora, um de seus efeitos mais imediatos foi a criação em 1948 do NHS (National Health Service, Serviço nacional de saúde), um sistema público de atendimento a toda a população, ainda hoje atuante no Reino Unido e que ganhou visibilidade mundial durante a pandemia o primeiro-ministro britânico Boris Johnson sempre discursava de um púlpito com a inscrição “Stay home, protect the NHS” (fique em casa, proteja o NHS).
As lutas e os debates em torno do direito da saúde, os anseios de gerações de brasileiros condenados a sofrer e morrer por falta de cuidados de saúde, o ímpeto do desejo humano mais básico que é a vida saudável, tudo isso foi desaguar na Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1986, e finalmente no texto da nova Constituição promulgada em 1988.
Ali, de maneira convencional, desde o artigo 6 a saúde era arrolada como um direito social ao lado de outros (educação, lazer, previdência social etc.). O passo inédito vinha só adiante no capítulo “Da seguridade social”, numa breve seção intitulada “Da saúde” que infletiu decisivamente a história constitucional brasileira ao consagrar a saúde como um direito de todos os cidadãos. O âmago dessa pequena revolução está no artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Para garantir a efetividade desse direito, o artigo 198, igualmente fundamental, previa o seguinte: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (…). O sistema único de saúde será financiado (…) com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”
Era o ato de nascimento do SUS, que não por acaso se dava a partir da firme combinação das noções de direito à saúde e sistema de saúde.
Na vida social, há coisas que um indivíduo pode ter ou não de acordo com suas posses: frequentar certo lugar, adquirir um aparelho, utilizar o transporte aéreo etc.; há outras cujo usufruto é garantido por meio de um direito. O que este prevê não é nem privilégio (como antes de 1988 a saúde era privilégio de quem podia pagar) nem satisfação de carências (até 1988, aos que não podiam pagar sobrava a caridade); o direito é universal, assegura um bem a todos os cidadãos de um Estado, de tal forma que a ideia mesma de cidadania ficaria capenga se o direito não fosse respeitado. Assim, ao estabelecer que a saúde é um direito, nossa Constituição afirma que todos os brasileiros devem ter igual acesso a ela só pelo fato de serem cidadãos, e que esse direito precisa ser garantido pelo Estado brasileiro como uma de suas atribuições básicas; do contrário, o Estado estaria negando a ideia de cidadania e, portanto, deslegitimando-se. Cidadania e direitos estão indissociavelmente reunidos.
É compreensível, pois, que na tradição do pensamento político democrático o tema dos direitos ocupe um lugar de proa: eles exprimem como que a alma do poder republicano e da própria liberdade. Para a democracia, tão importante quanto o estado de direito (corretamente tido por obstáculo aos desmandos autoritários) é o estado dos direitos (quais são? são respeitados? como ampliá-los?). Se, por um lado, existe inequivocamente a forma jurídica do incomum, a propriedade privada; os direitos, por outro lado, são o que mais se aproxima de uma forma jurídica do comum, isto é, aquilo cuja essência não está na exclusividade, mas em ser universal e igualitário, beneficiando a todos. Daí a criação de direitos, no interior de uma sociedade, geralmente implicar a ampliação e o fortalecimento da esfera do que é comum a todos os cidadãos, a res publica (lembremos que a palavra “república” deriva dessa expressão latina que significa precisamente coisa pública ou comum). Isso é tanto mais verdadeiro e relevante quando o objeto de um direito é a saúde, condição básica de qualquer vida e, portanto, também da vida feliz e livre. Embora a saúde não seja garantia de liberdade e felicidade, sem ela a possibilidade destas é necessariamente precária.
Ora, por melhor que seja uma ideia, é necessário implementá-la para que demonstre a sua eficácia no real. A instituição de um sistema único foi a forma de efetivação do direito à saúde preconizada pela Constituição, na esteira das propostas da RSB, e a sua paulatina estruturação seguiu duas diretrizes que se revelaram decisivas: descentralização e atendimento integral.
O SUS é um sistema único mas descentralizado; todos os níveis de governo (municipal, estadual e federal) são responsáveis pela promoção e financiamento da saúde, possuindo inclusive autonomia para ações locais. Na pandemia, essa arquitetura institucional demonstrou seu vigoroso acerto após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que prefeitos e governadores podiam tomar medidas sanitárias à revelia da inação federal; quer dizer, ainda que uma esfera do governo mostre-se falha, o SUS é capaz de funcionar por meio de suas ramificações espalhadas por cada rincão do país. A unicidade do sistema não significa que seja um monólito passível de ser autocraticamente direcionado para cá ou para lá.
Além disso, o SUS não se resume a cuidar de doenças. Ele foi implantado para contemplar a saúde em sua plenitude: do atendimento básico ao complexo, da prevenção ao planejamento passando pela investigação científica. Em alguns aspectos, até chegou mais longe que seus congêneres no mundo; fato notável tendo em conta as dimensões continentais do Brasil. Por exemplo, fomos dos primeiros países a incluir no sistema de saúde o fornecimento gratuito de coquetéis contra a Aids, ainda nos piores anos da doença; da mesma forma, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), nascido em 1973 e depois incorporado ao SUS, tornou-se um dos maiores e mais eficazes programas de vacinação pública e gratuita do mundo, responsável pelo controle de doenças como o sarampo, pela erradicação da poliomielite, e hoje é peça crucial na vacinação contra Covid.[v]
Os efeitos da criação do SUS foram enormes e reconfiguraram o quadro da saúde no Brasil, coisa que normalmente nem nos damos conta. Em pouco mais de três décadas de funcionamento, o acesso ao atendimento universalizou-se e a prevenção funciona; a caridade deixou de existir porque os procedimentos prestados são reembolsados; todos os números referentes à saúde melhoraram. Retomando os dois índices referidos acima, em 2018, pouco mais de três décadas após a nova Constituição, a expectativa de vida do brasileiro saltou para 76,3 anos e a mortalidade infantil caiu para 12,4. E detalhe de suma importância: graças ao atendimento universal e gratuito, as melhorias chegaram também a parcelas mais desprivilegiadas da população, em alguns casos aproximando-as estatisticamente (mais que em educação, por exemplo) da média nacional.[vi]
Até mesmo os brasileiros que nunca puseram os pés num posto de saúde se beneficiam do SUS. Não faltam exemplos e vale a pena mencioná-los para dissipar a impressão preconceituosa de que a saúde pública é coisa que só interessa aos desassistidos: o SUS organiza a doação de órgãos e realiza mais de 90% dos transplantes; a proteção vacinal proporcionada pelo PNI é essencialmente coletiva, pois só funciona quando todos são imunizados; o SUS é crucial para as estatísticas sobre criminalidade, e por conseguinte a formulação de políticas de segurança pública, mediante o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) alocado no departamento de informática do órgão (o DataSUS); a maior parte da pesquisa científica brasileira na área de saúde é produzida em instituições ligadas ao SUS ou por meio de seus programas.
Bem entendido, isso não significa ventilar que o sistema desconheça gravíssimos problemas. Eles são muitos e o maior de todos é o financiamento.[vii] Embora o gasto per capita com saúde no Brasil seja razoável em cotejo com outros países, ocorre que o investimento em saúde pública, isto é, com o SUS, ainda é baixo em comparação, por exemplo, com o NHS britânico. Além disso, o ser único, que é sua maior virtude, obriga o sistema a lidar com os efeitos perversos da desigualdade estrutural da sociedade brasileira: a rede tem de estar preparada para atender desde doenças típicas de países muito pobres, cuja prevenção passaria pela universalização do acesso à rede de água e esgoto, até casos de alta complexidade predominantes em nações desenvolvidas.
Múltiplas são as perspectivas possíveis para avaliar o SUS. Em vista do momento que vivemos, achamos oportuno salientá-lo aqui como uma ideia. A alguns, talvez pareça derrisório, e por isso tomamos licença para concluir reiterando o ponto capital. O SUS não se resume a um conjunto de hospitais e postos de saúde, seções ministeriais e governantes, convênios, funcionários, estatísticas; o sistema não existe sem essa estrutura, mas ela não o esgota. É a concepção de direito à saúde integral aos cidadãos como um dever da sociedade por meio do Estado o que unifica, sistematiza e dá um sentido cívico a essa infraestrutura material e humana. Os debates em torno do SUS são inseparáveis daqueles sobre o tipo de sociedade que pretendemos ser e as funções que determinamos ao Estado, a maneira como concebemos o bem-estar e quanto dessa condição é individual ou coletivamente conquistada. Posso eu ser feliz enquanto alguém padece à míngua por falta de básicos cuidados médicos? A resposta a uma interrogação como essa está na base do que pensamos ou deixamos de pensar sobre o SUS.
Um dia a pandemia vai acabar, e talvez tomemos consciência de quanto o nosso modo de vida anterior foi seriamente abalado: afora as vidas que se perderam, muitos pequenos comércios que frequentávamos baixaram as portas, o receio de contato físico que deverá persistir por um bom tempo, certas mudanças no trabalho e no estudo vieram para ficar. Então, sendo possível uma avaliação mais lúcida, oxalá venhamos a notar que uma das poucas coisas que se fortaleceram ao longo da crise sanitária foi o nosso Sistema Único de Saúde. Multiplicando as suas energias, contornando as suas deficiências, enfrentando a doença tanto quanto os seus doentios detratores, o SUS se mostrou digno das expectativas que os brasileiros depositamos sobre ele.
É duvidoso que daqui por diante alguém esteja disposto a malbaratar um sistema de saúde público, gratuito e universal que foi e é a única coisa que nos restou durante a emergência pandêmica. Isso só ocorrerá quando nos esquecermos da perda de centenas de milhares de vida, da dor dos que sobreviveram à doença e convivem com sequelas, da epifania da imunização por meio de vacinas produzidas em sua maior parte em instituições públicas (a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan); quando perdoarmos as ações e a inação, igualmente nefastas, dos que quiseram e querem destruir o nosso sistema de saúde e por extensão a nossa saúde; no dia em que perdermos de vista, enfim, que essa instituição, forjada pelo empenho e pelas lutas de gerações, constitui a mais acabada expressão do desejo dos brasileiros de terem direito à saúde como um pré-requisito para o bem-estar, a liberdade e a democracia.
Como se saúda nas redes sociais, com plena razão, VIVA O SUS![viii]
*Homero Santiago é professor no Departamento de Filosofia da USP.
Publicado originalmente na revista Humanitas, São Paulo, agosto de 2021.
Notas
[i] Cf. Agência IBGE: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/26104-em-2018-expectativa-de-vida-era-de-76-3-anos
[ii] Em geral, ver Saúde e democracia: história e perspectiva do SUS, org. de Nísia Trindade Lima, Silvia Gerschman, Flavio Coelho Edler e Julio Manuel Suárez, Rio de Janeiro, Fiocruz, 2005.
[iii] Ver “Saúde é democracia” (com o link para o vídeo da conferência de Sérgio Arouca), portal Pense SUS: https://pensesus.fiocruz.br/saúde-é-democracia
[iv] Há tradução para o português: O plano Beveridge, Lisboa, Editora Século, s.d.
[v] Ver VV.AA., “Produção de vacinas, questão de soberania nacional”, portal A terra é redonda, 16/06/2021: https://aterraeredonda.com.br/producao-de-vacinas-questao-de-soberania-nacional/
[vi] Cf. “Com SUS, pretos e pardos alcançam brancos em longevidade em 22 estados”, Folha de S. Paulo, 11/07/2021.
[vii] Para uma análise do problema, ver Carlos Octávio Ocké-Reis, SUS: o desafio de ser único, Rio de Janeiro, Fiocruz, 2012.
[viii] Hoje todos os brasileiros conhecem a Fiocruz e compreendem a relevância de seu trabalho. É bom saber que, além de produzir vacinas, a Fiocruz possui um amplo leque de atividades e também ativa editora – aguda compreensão, no espírito de Sérgio Arouca, de que a saúde não se realiza sem livros. Para quem quiser conhecer a história do SUS, fica a dica de ler o trabalho (a que muito devemos) de Jairnilson Silva Paim, O que é o SUS. É um rico livro digital em que o texto é acompanhado de imagens, entrevistas, vídeos. O acesso, como deve ser numa instituição pública, é gratuito: https://portal.fiocruz.br/livro/o-que-e-o-sus-e-book-interativo