Por PATRÍCIA VALIM*
Se o PT apoiar Marcio França corre o risco de transformar em nacional o que acontece de mais conservador no epicentro do bolsonarismo, Rio de Janeiro-São Paulo
Um dos assuntos políticos mais comentados nas últimas semanas é a possibilidade de a corrida presidencial em 2022 contar com uma chapa com o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva/PT e o ex-governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin/PSDB – em vias de se filiar provavelmente ao PSB, um partido que tem sido o destino de políticos reconhecidamente democráticos como Márcio França, Flávio Dino e Marcelo Freixo.
Os apoiadores da aliança têm afirmado que Geraldo Alckmin renderia para a chapa de Lula em torno de 5% dos votos do interior paulista – aumentando a possibilidade de vitória no primeiro turno – acalmaria o mercado financeiro, ajudaria na reconstrução do Estado brasileiro, tiraria votos da candidatura de João Dória Jr., e derrotaria a um só tempo o fascismo bolsonarista e o autoritarismo lavajatista de Sérgio Moro. Nenhum comentário sobre a Opus Dei, o massacre da ocupação do Pinheirinho, a violência da PM paulista. Silêncio total, e ainda querem o silêncio da militância porque “o homem sabe o que faz”.
Os detratores da chapa se dividem no tom e no teor da crítica. Os críticos moderados têm afirmado que não é o momento de o PT escolher o candidato a vice-presidente, pois Lula lidera a corrida eleitoral com boa vantagem nas pesquisas divulgadas até o momento, de maneira que os interessados que lutem. No entanto, nos bastidores, esse grupo de petistas tem mobilizado a legenda bate-pau da esquerda radical, cujo presidente gosta de fazer cosplay de “falcon guerrilheiro sênior” para fazer uma cruzada contra o que ele chama de “esquerda liberal”. Recentemente, gastou tempo e energia para apimentar todo tipo de fake news contra o candidato ao governo do estado de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, uma liderança de projeção nacional, com denuncias sem provas, mas com convicção.
Os críticos mais irascíveis fazem parte da turma que adora exibir seus conhecimentos sobre a Revolução Russa de 1917, mas desconhece a Lei Orgânica criada por ocasião da Revolução Pernambucana de 1817, um século antes, vejam só. Talvez seja por isso que vivem a repetir platitudes como a nossa Independência Política ter sido um grande acordo nacional e que Jair Bolsonaro era o melhor candidato para ser derrotado pelo PT no segundo turno de 2018. Como se não bastasse, depois de passar os governos petistas em silêncio ou justificando todo tipo de aliança em nome da governabilidade, esses críticos têm afirmado que Lula só derrotará o fascismo bolsonarista se radicalizar na escolha do vice e num programa que, depois de alguns ensaios, equivaleria à nossa primeira revolução social.
Cumpre destacar que o denominador comum dessas turmas é a ausência de outros universos possíveis para compor a vice-presidência da chapa petista e construir um projeto de Brasil diverso e plural: não cogita um homem negro ou indígena ou uma mulher negra ou indígena, ou mesmo uma candidatura da jabuticaba burguesia nacional, alguém do Norte, ou do Nordeste com seu cinturão progressista que deu 48 milhões de votos para o professor Fernando Haddad.
Por isso, mesmo como militante filiada ao PT e membra do Conselho de Pesquisa e Documentação Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo, se a chapa Lula & Alckmin for a única capaz de derrotar Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, votarei nela porque sei a diferença entre um liberal e um fascista. Mas confesso publicamente que sem o menor entusiasmo com esse museu de grandes novidades que é a política brasileira. Explico e desenvolverei o argumento sem alterar o samba tanto assim: a chapa Lula & Alckmin poderá derrotar Jair Bolsonaro em 2022, mas não conseguirá derrotar o bolsonarismo se boicotar os candidatos de centro-esquerda para eleger candidatos do centro, sem tensionar o bolsonarismo.
É saber sabido que a principal fatura para a consolidação dessa chapa é a eleição de Márcio França/PSB para o governo do estado de São Paulo ao custo da desistência da candidatura de Fernando Haddad/PT e da derrota de Guilherme Boulos/PSOL por meio de ataques vis do próprio campo. Se isso acontecer, o país passará por um processo de sudestinização política – transformar em nacional o que acontece de mais conservador no epicentro do bolsonarismo, Rio de Janeiro-São Paulo -, comprometendo todo acúmulo dos governos petistas por meio da diversidade regional, cultural, política, religiosa, social, econômica como tem acontecido desde o golpe de 2016.
Para que a chapa Lula & Alckmin possa cumprir de fato seu objetivo principal, derrotar o fascismo bolsonarista – Jair Bolsonaro e o bolsonarismo -, o campo de esquerda precisa garantir a eleição de Guilherme Boulos/PSOL para o governo do estado de São Paulo, com apoio do Fernando Haddad/PT – um baita nome para a vaga paulista no Senado Federal, aliás. Como se constatou nas eleições municipais de 2020, mesmo um político de São Paulo, a votação expressiva do candidato do PSOL, que o fez chegar ao segundo turno municipal, influenciou à esquerda todo campo político: os movimentos sociais, o PSOL, a turma outsider do PT, do PSB, do PDT elegeram vereadores e vereadoras para mandatos coletivos e extremamente democráticos no país inteiro.
Para que Lula/PT possa governar sem ficar de joelhos para a turma genocida e rentista que lucra com a pauperização da população brasileira e compõe a base de sustentação do bolsonarismo, precisamos ampliar a eleição de candidaturas do campo democrático popular. Na atual conjuntura, candidaturas como a de Guilherme Boulos em São Paulo poderão derrotar o bolsonarismo por meio de candidaturas dos movimentos sociais como o Movimento Sem Terra, o MTST, as ocupações, cozinhas comunitárias, populações indígenas, mulheres negras, mulheres e homens trans, mulheres e homens pobres.
Se é verdade que a chapa Lula & Alckmin poderá derrotar Jair Bolsonaro em 2022, também é verdade que o bolsonarismo só será derrotado com um legislativo diverso e plural.
Não podemos repetir os mesmos erros do passado, razão pela qual o PT não pode apoiar a candidatura de Márcio França em São Paulo, boicotando duas lideranças nacionais fundamentais para a construção de uma democracia participativa: Boulos & Haddad. Para tanto, o PT deve ser contra o processo de sudestinização política do país em 2022, deve construir a diversidade de gênero, de região e de classe das candidaturas nos estados, demonstrando que não dá mais para fazer aliança em troca de quase nada. Até porque Geraldo Alckmin precisa mais dessa aliança do que o contrário.
*Patrícia Valim é professora de história na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Autora, entre outros livros, de Conjuração Baiana de 1798 (EDUFBA).