Eleições na França – estabilidade aparente, transformação profunda

Imagem: Ciro Saurius
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Por MATHIAS BERNARD*

É importante não interpretar os resultados deste primeiro turno como uma repetição das eleições de 2017.

 

Os resultados oficiais do primeiro turno das eleições francesas parecem confirmar as dinâmicas políticas que também operaram nas eleições anteriores. Emmanuel Macron (La République em Marche, LREM) e Marine Le Pen (Rassemblement National, RN) foram para o segundo turno – assim como cinco anos atrás, repetindo o mesmo duelo. A última e única vez que isso ocorreu na França foi quando Valéry Giscard d’Estaing (RPR) confrontou François Mitterrand (Partido Socialista) em duas ocasiões, a primeira, em 1974, quando o candidato de direita saiu vitorioso, e a outra, em 1981, quando o socialista triunfou.

Tal estabilidade é amplamente associada à influência dos principais candidatos. Participantes deste jogo há mais de cinco anos, Emmanuel Macron e Marine Le Pen foram capazes de manter uma base eleitoral fiel. No decorrer das últimas semanas, novos eleitores aproximaram-se deles, priorizando o dito ‘voto útil’ diante de interesses partidários.

 

O voto útil

Em comparação com 2017, Macron avançou em quase 4%. O aumento é ainda mais notável quando consideramos que o presidente em exercício abandonou a posição de meio-termo entre a direita e a esquerda que havia garantido seu sucesso inicial e adotou uma agenda que o coloca claramente em uma posição de centro-direita no espectro político.

Este movimento alienou uma fração de seus eleitores de esquerda, mas atraiu uma parcela maior do centro e da direita – uma prova disso é o fraquíssimo resultado (4,7%) de Valérie Pécresse, candidata do Les Républicains (LR).

Marine Le Pen teve um avanço similar, com um resultado nunca alcançado pelo Front National (FN) e, portanto, pelo Rassemblement National (RN) em uma eleição presidencial. Ela também se beneficiou das demandas pelo voto útil e foi, desta maneira, capaz de ultrapassar Éric Zemmour (Reconquête), ex-jornalista do Figaro e candidato de extrema direita. Inicialmente bem-sucedido em minar sua campanha, Zemmour acabou ajudando Le Pen a completar seu esforço de mais de uma década para “normalizar” sua candidatura. Reivindicando o nicho da direita identitária, Zemmour permitiu que Le Pen insistisse nas questões mais próximas à vida cotidiana, que possuem um apelo maior às classes trabalhadoras.

À esquerda no espectro político, Jean-Luc Mélenchon, do La France Insoumise (LFI), obteve seu melhor resultado nesta sua terceira eleição presidencial, também se beneficiando do apoio in extremis de um eleitorado moderado de esquerda, cuja maior preocupação era evitar um segundo turno com Emmanuel Macron e Marine Le Pen. Mélenchon chegou a menos de 1,5 pontos de Le Pen, mas não foi capaz de contê-la e ir para o segundo turno.

 

Um campo político francês dividido em três

O momentum do voto útil, que ganhou força cerca de um mês antes do primeiro turno, parece confirmar a reestruturação, que já estava em curso em 2017, do campo político francês em torno de três polos principais: (i) um polo liberal, centrista e Europeu que atrai, em todas as eleições nacionais, um pouco mais do que um quarto dos votos, mas que, devido aos mecanismos do sistema majoritário, conseguiu dominar a vida política até agora; (ii) um polo populista e identitário, hoje dominado por Le Pen e representado por dois candidatos cujo resultado acumulado (mais de 30%) constitui um recorde histórico para a extrema direita e para o populismo identitário em uma eleição nacional francesa, sendo assim o polo que mais avançou nos últimos cinco anos: (iii) um polo radical de esquerda, dominado pelo La France Insoumise. Acumulando um pouco menos de 25% dos votos, se incluirmos os resultados dos candidatos comunistas e trotskistas.

Tal divisão resulta em uma marginalização dos dois partidos políticos que estruturavam a vida política francesa desde a década de 1970, o Les Republicains (anteriormente UMP), de centro-direita, e o Partido Socialista, de centro-esquerda.

 

O declínio dos partidos tradicionais: um ar de déjà vu

Com menos de 2% dos votos, o Partido Socialista assiste a um declínio que poderia ser meramente circunstancial. Uma tal reviravolta não deixa de nos lembrar do destino do Partido Radical no começo da Quinta República: tendo dominado a esquerda naquele momento, o partido tornou-se vítima da bipolarização do cenário político, provocada pelo Presidente Charles de Gaulle, apenas sobrevivendo devido a uma ampla rede de representantes eleitos, principalmente no sudoeste da França (assim como hoje acontece com o Partido Socialista).

O declínio da direita tradicional é outro fato relevante destas eleições, com a candidata do LR, Valérie Pécresse, conquistando apenas um quarto dos votos que seu partido havia assegurado cinco anos atrás. Este resultado parece ser mais um golpe contra o Les Républicains, que obtiveram sua menor parcela dos votos nas eleições europeias de 2019, apenas 8,4%, em comparação com os 20,1% obtidos em 2014. Isso também demonstra quão estreito é o espaço político hoje ocupado por este partido, espremido entre a centro-direita de Macron e a extrema direita populista de Le Pen.

 

Desenvolvimentos importantes desde 2017

É importante não interpretar os resultados deste primeiro turno como uma repetição das eleições de 2017. A estabilidade aparente do equilíbrio de forças encobre mudanças importantes. O cenário político continua a se deslocar para a direita. O surgimento da plataforma identitária de Éric Zemmour e a nova proposta política de Emmanuel Macron são provas disso. Ainda que Jean-Luc Mélenchon tenha obtido certos avanços, eles não foram suficientes para compensar o declínio acentuado do Partido Socialista.

O populismo também segue em alta. Em cinco anos, e sob os efeitos de um bom número de movimentos sociais (especialmente os Coletes Amarelos), sua retórica tornou-se mais radical. A cisão entre o povo e a elite aparece, mais do que nunca, nas urnas. Este avanço populista enfraquece Emmanuel Macron, cuja posição é menos vantajosa do que pode parecer inicialmente.

O presidente em exercício obtém resultados comparáveis a alguns de seus predecessores que não foram reeleitos no segundo turno: Giscard d’Estaing, em 1981 (28% dos votos), e Nicolas Sarkozy, em 2012 (27% dos votos). Além disso, ele não tem sido capaz de capitalizar o desejo por mudanças, que foi importante para a sua vitória cinco anos atrás. A campanha no intervalo entre os dois turnos irá, portanto, colocar em jogo dois projetos antagonistas, duas visões de sociedade, mas também uma tensão entre, de um lado, o “dégagisme” (isto é, uma ideologia política baseada no verbo francês dégager, “expulsar” ou “derrubar”, que defende a rejeição da classe política estabelecida), hostil ao presidente atual, e, de outro, a defesa, por parte da maioria dos candidatos do primeiro turno, de uma frente coletiva contra a extrema direita.

*Mathias Bernard é professor na Université Clermont Auvergne. Autor, entre outros livros, de Histoire politique de la Ve République: De 1958 à nos jours (Armand Colin).

Tradução: Daniel Pavan.

Publicado originalmente no portal The Conversation.

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