Por GILBERTO LOPES*
Considerações sobre as políticas de desenvolvimento do futuro presidente Rodrigo Chaves
Desconhecido do público na Costa Rica até sua aparição na equipe do presidente Carlos Alvarado, sua breve incursão no Ministério da Fazenda, entre outubro de 2019 e maio de 2020, deu a Rodrigo Chaves o impulso que o levou à presidência da República.
Como no caso de Alvarado, uma série de circunstâncias – mais do que o próprio peso do candidato ou a atratividade de suas propostas – tornou possível o resultado eleitoral no segundo turno em 3 de abril. O presidente eleito – que toma posse no dia 8 de maio – não tinha antecedentes políticos conhecido no país, e isto, nas circunstâncias atuais, acabou favorecendo-o.
Mas sua história política não era totalmente desconhecida. Durante seis anos – entre 2013 e 2019 –, ele foi diretor do escritório do Banco Mundial na Indonésia, um dos maiores escritórios do Banco fora de Washington. De lá, ele implementou políticas que também poderiam ser promovidas na Costa Rica. Não apenas isso: essas políticas fazem parte de uma visão de mundo, de uma concepção de desenvolvimento que não foi discutida na campanha.
As estimativas positivas dessas políticas podem ser encontradas nas páginas do Banco. Em outras páginas há avaliações críticas, contribuições para um debate do qual não devemos nos esquivar.
Tentei encontrar antecedentes quando Chaves apareceu no ministério de Alvarado. Escrevi algo quando ele foi nomeado para a Fazenda. Durante a recente campanha eleitoral, eu não quis escrever nada. O ex-presidente José María Figueres (filho da figura política mais proeminente do país no século passado, três vezes presidente, José Figueres), candidato do social-democrata Partido Libertação Nacional (PLN), que venceu o primeiro turno com pouco mais de 27% dos votos, passou para o segundo turno. O PLN será a força predominante na Assembleia Legislativa, com 19 dos 57 deputados. Rodrigo Chaves, candidato do Progresso Social-Democrático (PSD), um partido de “aluguel” sem qualquer tradição no país, ficou dez pontos atrás e, com seus dez deputados, será a segunda força no parlamento.
Em todo caso, Chaves contornou o resultado e, no segundo turno, com 52,8% dos votos, garantiu a presidência da República. Um resultado que surpreendeu muitas pessoas. Eu não me sentia representado por nenhuma das duas candidaturas no segundo turno, e expus minha posição no artigo “Em defesa do abstencionismo”.
Fiquei impressionado com o fato de que a candidatura de José María Figueres não fez alusão às políticas promovidas por seu adversário à frente do Banco Mundial na Indonésia. Há alguns aspectos devastadores, como veremos.
No início, pensei que era o resultado da gestão de uma campanha medíocre. Mas depois me pareceu que não se podia descartar uma proximidade com as políticas de privatização, de promoção de melhores “ambientes de negócios”, coisas assim, em que as duas candidaturas diferiam pouco e que me impossibilitavam de inclinar-me para uma delas.
A verdade é que os grandes temas de campanha foram o assédio (pelo qual Chaves foi acusado e penalizado no Banco Mundial) ou a corrupção (da qual Figueres foi acusado quando presidente, cargo que ocupou entre 1994 e 1998, deixando o país por dez anos para não ser preso). Temas naturalmente relevantes, mas insuficientes para ilustrar um debate entre os aspirantes à presidência do país.
Cenário eleitoral
O resultado final é conhecido: Chaves venceu, mas pouco mais de 43% dos cidadãos preferiu não participar. Se somarmos os votos em branco e nulos, temos cerca de 46% do eleitorado.
Acho impossível dissociar o crescimento desse percentual de uma certa desilusão com a política a partir do desenvolvimento do modelo neoliberal que, desde o início dos anos 80, foi demolindo as bases de um estado social, cuja pedra angular – na Costa Rica – sempre me pareceu ser um decreto de nacionalização dos depósitos bancários em junho de 1948.
Com uma lógica que me parece impecável, a Junta Fundadora da Segunda República, chefiada pelo velho Figueres (que tinha triunfado numa curta guerra civil em março daquele ano), decretou a nacionalização dos bancos, estabelecendo que “somente o Estado poderá movimentar, através de suas próprias instituições bancárias, os depósitos do público”. O decreto considerava que “os grandes lucros dos bancos, garantidos pelo Estado e pela ordem social, não é justo que pertençam aos acionistas que representam uma parte exígua do capital mobilizado, mas deveriam ser convertidos em poupança nacional, cujo investimento deveria ser dirigido pelo Estado”. Este é – na minha opinião – o grande segredo de um desenvolvimento que distinguiu a Costa Rica não apenas na América Central, mas também no cenário latino-americano.
Não é uma casualidade que com os Programas de Ajuste Estrutural (PAE), o primeiro passo nas políticas neoliberais promovidas na Costa Rica desde os anos 80 foi a privatização do sistema bancário, com dinheiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O processo então prosseguiu, implacável: educação, saúde, telecomunicações, seguros, estradas, aeroportos, portos, etc… O setor público a serviço do setor privado. O país foi transformado num enorme cofre onde os costarriquenhos colocam suas moedas para engordar o porquinho dos outros. Estas políticas estavam diluindo o tradicional “bipartidarismo” do país, composto de social-democratas (PLN) e socialistas cristãos (PUSC). Um e outro vinha e avançava na mesma direção, com as conhecidas consequências para a forma de desenvolvimento do país e para o nível de vida da maioria da população.
Não é possível entrar nos detalhes desse processo aqui. Em 3 de abril, os eleitores tinham duas opções: votar num candidato que não só fizera parte deste processo de decomposição política, mas que tinha deixado o país para evitar ser preso sob acusações de suborno; e outro, do qual o público em geral nada sabia…
Mas nem tudo era desconhecido
Sem antecedentes políticos no país, voltemos nosso olhar para o mundo político de Rodrigo Chaves: o do Banco Mundial na Indonésia, o escritório sob sua responsabilidade, após 30 anos de carreira na instituição.
Para dar prosseguimento a isto, pensamos ser útil um trabalho bem documentado – Indonesia: the World Bank failed East Asia miracle[i] –, elaborado por uma fundação norte-americana com foco especial nas questões ambientais: The Oakland Institute.
Não vamos nos referir às políticas promovidas pelo Banco na Indonésia durante os 31 anos da ditadura do general Suharto (1967-1998). Embora suas consequências se estendam até os dias atuais, faremos referência ao período mais recente, em que Rodrigo Chaves esteve à frente do escritório, ou ao que, a partir de anos anteriores, foi projetado sobre este período.
O que segue são referências retiradas do texto do Oakland Institute. Menciona-se ali o “Doing Business 2018: Reforming to Create Jobs report” onde o Banco destaca o papel da Indonésia como um dos dez casos mais exitosos de reformas econômicas destinadas a “melhorar o clima de negócios” e atrair investimentos privados.Esta é a visão otimista do Banco, para quem a implementação das políticas neoliberais fez da Indonésia um exemplo de milagre econômico no Extremo Oriente. Mas o estudo analisa em seguida as diversas consequências dessas políticas. Com pressa de reformar e atrair investimentos, milhões de hectares de florestas, até então geridos pela população local, foram entregues a empresas privadas estrangeiras, provocando inevitáveis conflitos sociais, desmatamento, desigualdade e pobreza para a vasta população afetada.Assim como a Costa Rica, a Indonésia adotou políticas de ajuste estrutural nos anos 90. Em 1998, assinou um memorando com o FMI no qual, em troca de apoio financeiro, promoveria uma política de privatizações aceleradas, liberalização do comércio exterior e dos investimentos estrangeiros e desregulamentação das atividades locais. Em 2003, os resultados dessas reformas provocaram protestos no país. As imagens que ilustram o texto são chocantes.Entre 2009 e 2017, o Banco emprestou ou apoiou empréstimos de 20,6 bilhões de dólares à Indonésia, dos quais 22% foram utilizados para promover medidas de desregulamentação nas mais diversas áreas, como redução de impostos, facilitação de procedimentos administrativos, reformas na administração de terras ou projetos de infraestrutura comercial, entre outros.Como resultado dessas reformas, a Indonésia subiu rapidamente no índice de negócios do Banco Mundial, de 106º em 2016 para 72º em 2018, tornando-se a maior economia do sudeste asiático. Suponho que o resultado foi considerado um grande sucesso das políticas do Banco, precisamente nos anos em que Chaves chefiou o escritório. Um processo do qual o presidente Joko Widodo, que governa a Indonésia desde 2014, também é um grande entusiasta.Widodo criou uma força-tarefa coordenada pelo ministro de economia para promover reformas. Na Costa Rica, um projeto de reforma do Estado poderá estar nas mãos de uma comissão legislativa que o deputado eleito Rodrigo Arias (irmão do ex-presidente e Prêmio Nobel da Paz Oscar Arias, do qual foi ministro da presidência) já anunciou interesse em presidir, além de promover projetos de cooperação público-privada, uma nova forma de avançar com as privatizações.Mas é evidente, diz o documento do Oakland Institute, que essas “conquistas” foram alcançadas às custas dos trabalhadores indonésios, das comunidades indígenas e do meio ambiente. Um crescimento destrutivo através da atração de investimentos estrangeiros, que negligenciaram os direitos dos indígenas à terra.
Num documento sobre o marco da cooperação com o país entre 2016 e 2020, o Banco reafirma seu papel norteador na política econômica da Indonésia. Através de uma transferência acelerada, terras culturalmente ricas e produtoras de alimentos estão sendo assumidas por empresas que buscam lucros corporativos, causando um “deslocamento em massa de pequenos proprietários e povos indígenas”. Em muitos casos, isso não poderia ser feito sem o uso de violência extrema (novamente, as fotos são estarrecedoras). Somente em 2011, mais de 600 conflitos fundiários foram registrados na Indonésia, com 22 mortos e centenas de feridos. Este processo foi acelerado pelo programa de reforma agrária financiado pelo Banco, aprovado em julho de 2018, o qual, ignorando o papel das comunidades indígenas, minou sistematicamente seus direitos em favor das corporações.
Palmeira-de-dendê
Como resultado deste processo, a Indonésia tornou-se o principal produtor mundial de azeite de dendê. Os 6,9 milhões de toneladas de azeite de dendê produzidos em 2000, tornaram-se 32 milhões de toneladas em 2016. Mais de 50% dos recursos dedicados pelo Banco à produção de azeite de dendê foram para a Indonésia. “Só entre 1995 e 2015 (Chaves assumiu como chefe do escritório da Indonésia em 2013), uma média de 117.000 hectares de floresta – uma área maior que Hong Kong – foram devastados a cada ano para dar lugar a plantações de palmeira-de-dendê. De acordo com dados do Escritório de Estatísticas da Indonesia, a área total de plantações dessa palmeira no país era de aproximadamente 14 milhões de hectares em 2017. Uma área maior do que a da Grécia.
“Os investimentos privados em palmeira-de-dendê são apresentados pelas empresas e autoridades governamentais como uma forma de criar empregos e construir estradas, escolas e casas. Mas a expansão de grandes plantações também ameaça a sobrevivência de cerca de 40 a 65 milhões de pessoas que dependem diretamente dos recursos florestais para seu sustento”. Os responsáveis pelas plantações destroem pequenos vilarejos, campos de arroz e cemitérios localizados nas margens de suas concessões, enquanto contratam operários em áreas remotas, sem contato com a população local, para trabalhar nas plantações.
Minas
Mas não se trata apenas de palmeira-de-dendê. O Banco também desempenha um papel fundamental no apoio às atividades de mineração na Indonésia, principalmente através das operações de sua International Finance Corporation (IFC) e a Multilateral Investment Guarantee Agency (MIGA). Uma atividade que, segundo o Banco, pode ter um impacto na redução da pobreza.
As enormes reservas de ouro e cobre são operadas pelas subsidiárias da gigante mineradora norte-americana Freeport McMoRan Inc, de acordo com o documento do Oakland Institute. Explorações que descarregam diariamente 200.000 toneladas de poluentes nos rios. O resultado é que, longe de beneficiar a população local, o que antes era uma fonte de alimentos para eles foi transformado numa terra devastada pela mineração. Isto acontece em todos os lugares e tem provocado um intenso debate também na Costa Rica.
Turismo
Em 2018, quando preparava sua reunião anual em Bali, o Banco aprovou 300 milhões de dólares para melhorar a infraestrutura e os serviços e atrair investimentos privados no setor do turismo. Mas construir novos aeroportos e expandir o turismo de luxo para compartilhar a prosperidade com as comunidades locais é outra “falsa promessa”, diz o documento que estamos analisando.
As políticas governamentais incluíram uma anistia impositiva e a eliminação de restrições para novos projetos de investimento estrangeiro, incluindo a expansão da rede rodoviária nacional, concessão de 1.000 km de estradas; 3.258 km de novas linhas ferroviárias; 15 novos aeroportos (melhorias para 10 outros) e 24 portos marítimos (a Indonésia é um arquipélago com mais de 10.000 ilhas, das quais 922 são habitadas).
A costa foi entregue a investidores estrangeiros. O Banco apoiou megaprojetos de desenvolvimento turístico, provocando novos problemas. A construção da rodovia Batang-Semarang em Java Central, por exemplo, levou à expropriação de terras da população local e ao deslocamento das comunidades de nove cidades em abril de 2018. A Via Campesina, uma organização local, denunciou que o ambicioso projeto de infraestrutura do presidente Widodo “trouxe miséria a milhares de famílias camponesas”.
O documento conclui que a assessoria do Banco para favorecer o investimento estrangeiro em infraestrutura e turismo se baseia na exploração das exuberantes florestas e praias da Indonésia. Mas “o fanatismo da atração de investidores para a nova fronteira de desenvolvimento negligencia os graves impactos sobre os meios de vida da população local e o meio ambiente”.
O cenário político
Este é precisamente o debate, na véspera da posse de Chaves, não como chefe de um escritório do Banco Mundial, mas como presidente da Costa Rica. É razoável pensar que isso trará as mesmas receitas para o país. Se assim for (e conhecendo os resultados de sua implementação na Indonésia e no mundo, onde os anos do neoliberalismo trouxeram tensões e desigualdades a níveis sem precedentes), também é razoável que setores importantes da sociedade se oponham à sua implementação. Chaves não venceu as eleições com este projeto de governo. Como sabemos, os programas apresentados nas eleições não são apenas vagos, mas são, em grande medida, uma formalidade para atender às exigências eleitorais. Mas o futuro governo tem amplo apoio na Assembleia Legislativa para tais políticas. Com as altas chances de que Rodrigo Arias assuma a presidência da Assembleia, ele teria uma importante alavanca para avançar nas instituições e empresas públicas que ainda resistem às tentativas de privatização. Uma campanha persistente sobre abusos no setor público (que devem ser corrigidos), promovida por vários meios de comunicação conservadores, foi orientada para minar todo o apoio a esta institucionalidade, sem que setores importantes da população pudessem ver o objetivo desta campanha. Aqueles de nós que se opõem a ela não fomos capazes de explicá-la claramente. Este será o cenário para os próximos quatro anos e uma discussão adequada destas políticas é indispensável para que possamos enfrentar os esforços de privatização que a aliança Arias-Chaves (à qual se unirão outras facções) impulsionará nos próximos quatro anos.
*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor de Crisis política del mundo moderno (Uruk).
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Nota
[i] O texto original, em inglês, pode ser visto aqui: https://www.oaklandinstitute.org/indonesia-world-bank-failed-east-asian-miracle.