Amazônia – a desordem da mineração

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Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*

Reflexões sobre a inserção da Amazônia no Brasil atual

Nas últimas décadas a presença do grande capital mineral na Amazônia se tornou a tônica econômica da região, sendo estas empresas na sua maioria transnacionais que operam os fluxos internacionais de produção e transação das principais commodities minerais estratégicas, como o ferro e o alumínio.  A composição acionária dessas empresas é formada pelos três principais agentes econômicos da modernidade capitalista: Estado, capital financeiro e capital industrial, nacional e internacional.

A análise aqui desenvolvida centrada no setor mineral da Amazônia oriental brasileira justifica-se por sua importância para a dinâmica produtiva regional e nacional e pelo caráter estratégico para acumulação de capital que representam as reservas minerais ali encontradas, e pelos profundos impactos sociais e ambientais que a exploração mineral provoca na região. A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do estado do Pará, o maior segmento econômico do PIB (Produto Interno Bruto) do estado e um dos mais significativos da região como um todo.

A privatização da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) em 1997 representou o principal movimento de internacionalização da Amazônia e de perda de capacidade soberana sobre essa região. Antes de 1997 tínhamos a condição de expansão do capital centrado nos três vetores da ordem econômica brasileira: o Estado, o capital privado nacional e o capital internacional, a alteração no padrão a partir dali nos levou a atual lógica de uma Amazônia completamente vinculada aos interesses internacionais definidos desde o sistema de bolsas de valores internacionais. Esse processo de perda de entropia e transferência gigantesca de riquezas da Amazônia para centros internacionais diversos constitui a base da lógica de acumulação por despossessão, porém temos também outro ponto central.

A mineração constitui uma forma econômica própria e que define seis processos importantes, cuja lógica brasileira e amazônica aprofunda e torna ainda mais irracional a espoliação da natureza nesses níveis, vamos tentar desenvolver cada um, com o limite de tratar em espaço de comunicação rápida.

(1) O setor mineral constitui historicamente segmento fortemente monopolizado, especialmente nos segmentos de minério de ferro e alumínio (bauxita), isso parcialmente decorrente de três aspectos que possibilitaram forte concentração e centralização de capital, dois deles já elencados anteriormente: (i) a capacidade monopolizável espacialmente limitada de apropriação do potencial mineral; (ii) a capacidade tecnológica de atuação, sobretudo na indústria de transporte de longo curso e escala (logística de transporte ferroviário e navegação oceânica) e; (iii) a intricada relação entre os capitais do setor e as instituições estatais que definem a completa ou parcial apropriação da renda mineral pelos capitais privados.

No caso do minério de ferro três grandes empresas controlam o mercado transoceânico: a Companhia Vale, a Companhia Rio Tinto e a BHP Billiton. O segmento do alumínio primário é controlado pelas chamadas “seis irmãs”, com algumas modificações estruturais ocorridas nas duas últimas décadas: Alcoa, Alcan, BHP Billiton, Norsk Hydro, Pechiney e Comalco, sendo que as duas primeiras são produtoras integradas da matéria-prima (bauxita) a bens finais. No caso da Amazônia os dois segmentos de exploração mineral principais, ferro e alumínio, são respectivamente controlados pelas transnacionais: Companhia Vale e Norsk Hidro, havendo ainda a presença da Alcan e da Alcoa.

(2) As oscilações de preços no mercado mineral são intensas, influenciados em momentos de intensa acumulação de capital pelas demandantes de minério, considerando que as mesmas são, em grande medida, megaempresas do ramo siderúrgico ou metalúrgico que impõem nestes períodos os contratos de negócios, que no caso do ferro chegaram a ser trianuais e no caso do alumínio são definidos pelos movimentos da bolsa de comércio de Londres. Essa oscilação de preços é central para os mercados especulativos. Assim a mineração constitui ponto de interação importante daquilo que constitui ganhos reais, desde a produção de uma massa crescente de valores de uso e crescente rentabilidade de capital, como também possibilita a valorização rentista, ponto específico.

(3) O setor mineral apresenta especificidades importantes: (i) as manifestações dos veios minerais são restritos, o que condiciona muito fortemente as rendas monopolistas; (ii) as diferenças qualitativas do minério entre os diferentes veios minerais é muito expressivo e produz dois efeitos importantes: por um lado, influencia toda a cadeia produtiva subsequente  e, segundo, compensa os custos de transporte, o que determina forte disputa pelo controle das minas com essas características; (iii) a exaustão das minas, ou a perda do teor mineral, define lucros extraordinários somente por tempo determinado, o que leva a aceleração do uso econômico das minas mais qualificadas e, paradoxalmente, acelera seu tempo de exaustão. Esses aspectos, bem como as relações estruturais entre a renda mineral e o lucro suplementar serão tratados a partir do estudo de caso das minas de Carajás exploradas pela Companhia Vale.

A renda mineral se expressa em três formas conectadas: a renda absoluta, derivada do próprio condicionante de apropriação privada da riqueza do subsolo, mesmo que institucionalmente o Estado possa impor barreiras legais que bloqueiem a completa a apropriação dessas rendas pelos capitalistas minerários. A renda diferencial 1, a partir dos diferentes padrões de produtividade, derivados das diferenças de composição do minério, teores, forma, localização e escala produtiva. Por último, mas sem menos importância, pois representa papel chave nas disputas entre os diferentes capitais, a renda diferencial 2, resultante de inversões tecnológicas ou nas infraestruturas que permitem expansão nos ganhos de produtividade e maior redução dos custos de produção, sendo que somente são possíveis em função das características mineiras que possibilitaram a renda diferencial 1, sendo caracteristicamente relacionadas  aos investimentos em logística necessários a exploração das minas.

A extração mineral é condicionada pelos tipos de renda acima expostas, sendo que no caso amazônico (brasileiro) o grande capital se apropria da renda absoluta em função das vantagens oferecidas pelo Código Mineral (1967) e pela CF 88 (Art. 176) que define a exploração do subsolo distintamente do solo, sendo que a liberalidade dos direitos de lavra e o controle das mesmas pelo grande capital estabeleceu o completo controle dessas rendas pelas empresas, como já exposto. Por outro, o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce transferiu para o controle do capital privado amplas faixas de terras e consequentemente a apropriação das rendas fundiárias, não somente sobre as áreas de jazidas, mas também sobre gradientes de terras que podem ser tratadas como “ativos financeiros” da empresa, forma de capital também gerador de renda.

(4) A mineração do ferro, no Sistema Norte da Companhia Vale, data de 1985, está localizada em Carajás (Marabá, Parauapebas e Canaã dos Carajá), no estado do Pará, e contém os maiores depósitos de minério de ferro do mundo. As minas estão localizadas em terras públicas que foram repassadas para setores privados, constituindo, ao nosso ver, a maior privatização de recursos públicos da história capitalista. Devido ao elevado teor (66,7%, em média) dos depósitos do Sistema Norte, não é necessário operar uma planta de concentrados em Carajás. O processo de beneficiamento consiste apenas de operações de medição, peneiramento, hidrociclonagem, britagem e filtragem. Após isto o minério de ferro é transportado pela Estrada de Ferro de Carajás (EFC) até o terminal marítimo de Ponta da Madeira, no estado do Maranhão.

Vale reforçar que os capitalistas recebem os lucros extraordinários como forma de perpetuidade pelas vantagens minerárias que passam a dispor desde a concessão do direito de lavra pelo Estado, pois o subsolo passa a constituir mero espaço de fruição de bem apropriável privadamente, por mais que a legislação estabeleça a lavra enquanto concessão pública.

Assim, os capitalistas minerários se apropriam da renda diferencial possibilitada pelas minas de qualidade superior encravadas no subsolo amazônico, ou seja, numa primeira aproximação, o lucro total percebido pelo capital individual constitui-se de dois componentes: o lucro médio minerário setorial acrescido de renda da terra (ou lucro suplementar) (absoluta e diferencial).

Aspecto que deve ser ressaltado é que o nível desse lucro suplementar é dado pela diferença entre a produtividade individual e a produtividade média, e o preço de produção que prevalece dentro da indústria mineral. Porém essa força natural não é a fonte da riqueza acrescida (mais-valia) e sim somente sua base natural, sendo que a circulação do capital é o que proporciona esse processo, dada a crescente apropriação e transformação em elemento do processo reprodutivo de novas jazidas minerais de teores, facilidade de exploração do filão mineral e localização da mina em relação aos principais centros de demanda internacional.

(5) A indústria extrativa mineral é de reconhecido impacto ambiental, como frisa Penna (2009) “a atividade de mineração é a que tem mostrado o nível mais baixo de compromisso social e ambiental em comparação, por exemplo, com a exploração de petróleo”. A exploração na Amazônia segue a lógica internacional, com o agravante que a dinâmica extensiva da área de lavra tende a destruir um percentual superior de floresta primária. O desmatamento e a perda diversidade biótica na Amazônia, acompanha os diversos processos de exploração econômica, sendo que a literatura sobre o assunto traz como informação básica que mesmo sendo a pecuária a principal responsável direta pelo desmatamento na região amazônica, porém as frentes mineradoras representam um importante vetor de destruição das matas nativas, ver Trindade (2014).

(6) As condições de desenvolvimento regional parecem ainda mais agravadas pela relação contraditória entre desoneração da exportação e exportação de bens primários e semielaborados. A contradição presente relaciona-se a dois aspectos centrais: (i) as cadeias de produção primário-exportadoras são muito curtas, o que estabelece a incapacidade de apropriação de rendas (mineradoras ou agrárias) que pudessem definir novos padrões sociais e ambientais para a região; (ii) a segunda contradição relaciona-se bastante com a anterior e refere-se a desoneração tributária para exportação desse tipo de bem estabelecida pela Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), sem contudo nenhuma solução federativa oferecida. Os estados exportadores líquidos acabam tendo o ônus ambiental e social, sem o devido retorno, seja tributário, seja oriundo de acordo federativo.

A alteração do atual padrão, especificado nos seis pontos acima constitui condição básica para se pensar a inserção da Amazônia neste Brasil tardio, algo que não interessa somente aos 26 milhões de brasileiros amazônicos, mas aos demais 210 milhões de indivíduos que devem conceber uma sociedade complexa que inclui a região mais diversa do planeta.

*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia (Paka-tatu).

 

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