Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE & WESLEY PEREIRA DE OLIVEIRA*
A contradição entre sustentabilidade econômica e ambiental, visível na relação entre superávits da balança comercial e avanço do desmatamento
O Brasil se tornou nos últimos quarenta anos um centro agro minero exportador, o país passou a ocupar um lugar na divisão internacional do trabalho de grande produtor de commodities e/ou produtos primários, soja, carne e minério de ferro, principalmente. O segmento industrial, com algum grau de valor adicionado praticamente sumiu do produto interno nacional, representa hoje menos de 9% dele.
Nesse contexto, a Amazônia tem relevância no cenário nacional como região exportadora de produtos primários, com destaque aos produtos da extração mineral (minério de ferro, principalmente), boi vivo e, na zona fronteiriça com o Centro-Oeste, especialmente a área de contiguidade entre o Mato Grosso e o Pará, ganha relevância a produção de soja.
A participação das exportações da região amazônica na pauta nacional de exportação de produtos básicos, ponderando o quanto o avanço de um padrão de reprodução econômica centrado no neoextrativismo e especialização primária se consolidou nacionalmente e, por outro, a relação desta realidade econômica com as questões ambientais da região aprofundam a contradição entre sustentabilidade econômica e ambiental, claramente visível na relação entre superávits da balança comercial e avanço do desmatamento na Amazônia.
A análise do saldo da balança comercial brasileira demonstra o papel que a expansão capitalista na Amazônia brasileira representa para esse padrão primário-exportador que se impôs desde o final dos anos 1980, acentuados no século XXI. Assim, em apenas quatro momentos no período 2000-2021 o saldo da balança comercial brasileira foi negativo, ou seja, mais importações do que exportações. Esse desempenho superavitário na maioria dos anos implicou em expressivo ingresso de recursos na economia brasileira, que consolida o saldo expressivo no balanço de pagamentos das últimas duas décadas e o baixo risco cambial nacional.
No que diz respeito a composição das exportações brasileiras, tem-se notado um comportamento bem claro de diminuição da participação de produtos da indústria de transformação – considerando o agrupamento da classificação internacional de referência das atividades produtivas (ISIC). Se no ano 2000 a indústria de transformação representava 83% de nossa pauta exportadora, em 2021 atingiu 51,3%, sendo este o menor percentual observado na série mostrada. Por outro lado, a indústria extrativa e a agropecuária vêm aumentando paulatinamente suas participações, correspondendo, juntas, a mais de 48% de tudo o que é exportado. O gráfico a seguir demonstra esse comportamento.
Gráfico 1 – Exportações (%) por classificação internacional de referência das atividades produtivas (ISIC) – Brasil, 2000-2021
Fonte: Comex Stat, Ministério da Economia (2022).
Antes da classificação ISIC apresentada acima, as estatísticas de comércio exterior podiam ser analisadas por fator agregado, que envolvia o agrupamento dos produtos em duas grandes categorias: básicos e industrializados (semimanufaturados e manufaturados). Vale notar que no contexto de redução da participação da indústria de transformação na pauta exportadora e aumento da agropecuária e indústria extrativa, nota-se uma tendência de regionalização na produção desses dois últimos, sendo a Amazônia o local de expansão mais acentuada das exportações.
Se no ano 2000 as exportações da agropecuária e da indústria extrativa eram 44% originadas na região amazônica, em 2021 o percentual atingiu praticamente 70%. O gráfico a seguir evidencia a participação percentual das exportações agregadas dos estados da região amazônica nas exportações brasileiras (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia e Roraima).
Gráfico 2 – Participação (%) das exportações da Amazônia na pauta exportadora do Brasil por classificação internacional de referência das atividades produtivas (ISIC), 2000-2021
Fonte: Comex Stat, Ministério da Economia (2022).
Esse movimento em direção a Amazônia tem resultado em inúmeros estudos sobre os impactos da expansão agropecuária e mineral na região, especialmente quanto ao aumento do desmatamento e a não redução das desigualdades regionais. O que se tem, então, é um claro deslocamento da produção agropecuária e mineral para a Amazônia.
Esse processo correlaciona-se com três aspectos importantes: (i) aprofundamento da desindustrialização do país e perda de capacidades próprias geradas por políticas de desenvolvimento econômico mais amplas; (ii) ampliação das desigualdades regionais e aprofundamento da lógica primário-exportadora amazônica, com perdas de capacidades bióticas e de agregação de valor; (iii) acelera os impactos negativos ao meio ambiente, seja pela extensividade do desmatamento, seja pela destruição dos biomas e perda da capacidade regenerativa da floresta.
Deste modo, a “função nacional” que está sendo dada à Amazônia nas últimas décadas não demonstra ser o ideal quando se pensa em desenvolvimento ambientalmente sustentável e integrado nacionalmente. A geração de divisas via balança comercial em anos recentes está pautada principalmente na comercialização de produtos básicos, cuja lógica superavitária se centra nos estados da Amazônia, principalmente Pará e Mato Grosso. Tem-se, então, a Amazônia como importante região exportadora para o Brasil, porém a um enorme custo social e ambiental.
Mantendo a tendência observada de ser somente fornecedor de produtos básicos, a região: (a) perde por não agregar valor ao processo produtivo; (b) aumenta sua fragilidade frente possíveis crises no mercado externo (ou queda nos preços por algum outro motivo), uma vez da ênfase na exportação de commodities, como já mostrou em anos recentes (2013 e 2014, por exemplo); (c) aumenta o gap no processo de desenvolvimento regional em relação às outras regiões do país, que se voltam mais para a produção industrial, porém, também sustenta a condição nacional de um padrão primário-exportador com graves consequências no médio prazo, inclusive pela complexidade urbana brasileira e os limites de um padrão que não gera estímulos de emprego e renda necessários; (d) perde também por apresentar maior concentração de capital (e renda) no setor primário-exportador, que não proporciona efeito transbordamento na economia; (e) em termos ambientais, o prejuízo é muito expressivo, pois as atividades tidas como principais causadoras do desmatamento (mineração, pecuária e soja) estão na cesta de exportação crescente dos produtos primários.
Assim, o trade-off geração de divisas versus recrudescimento da desigualdade produtiva regional deve ser repensado, seja pela necessária melhoria da qualidade de vida da população da região amazônica, seja pela introdução de um modelo de desenvolvimento que supere o atual padrão de mero celeiro de produtos básicos, com efeitos deletérios crescentes sobre o meio ambiente e com baixo retorno social, basta conferir os indicadores de desenvolvimento humano da região e especialmente dos dois estados em foco.
Se depender do mercado externo e da burguesia agro minero exportadora brasileira, este cenário continuará se intensificando, pois a demanda internacional por minério de ferro, soja e carne bovina permaneceram crescentes. Continuando a China com suas elevadas taxas de crescimento, assim como a recuperação econômica dos Estados Unidos e dos países europeus, a tendência é que o Brasil continue ampliando seu papel de fornecedor mundial dos produtos citados e tenha sua pauta de exportação cada vez mais centrada em produtos básicos.
Por tudo que foi desenvolvido ao longo do texto fica bastante evidente a complexa questão envolvida: se de um lado o discurso ambientalista sufraga a necessidade de um “novo modelo”, por outro a dura crueza do balanço de pagamentos e das necessidades de geração de divisas impõem a continuidade e expansão do velho modelo primário-exportador e, em termos bastante agudos, muito pouco preocupado com a preservação de biomas ou de elevação da qualidade de vida das populações autóctones amazônicas. Alterar esse padrão brasileiro e amazônico se constitui em uma tarefa urgente.
*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia (Paka-tatu).
*Wesley Pereira de Oliveira é mestre em Economia Regional pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Referências
Comex Stat, Ministério da Economia (2022).
TRINDADE, J. R. B.; OLIVEIRA, W. P. Padrão de especialização primário-exportador e dinâmica de dependência no período 1990-2010, na economia brasileira. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 37, n. 4, p. 1059-1092, mar. 2017. Disponível em: http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/3435
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