Por NOURIEL ROUBINI*
Existem muitos obstáculos domésticos e internacionais no caminho das políticas que permitiriam um futuro menos distópico
Por quatro décadas após a Segunda Guerra Mundial, as mudanças climáticas e a inteligência artificial destruidora de empregos não estiveram na mente de ninguém; termos como “desglobalização” e “guerra comercial” não tinham guarida. Mas, agora, estamos entrando em uma nova era que se assemelhará mais às décadas tumultuadas e sombrias entre 1914 e 1945.
Graves mega-ameaças estão colocando em risco nosso futuro – não apenas nossos empregos, renda, riqueza e economia global, mas também a relativa paz, prosperidade e progresso alcançados nos últimos 75 anos. Muitas dessas ameaças nem estavam em nosso radar durante a próspera era após a Segunda Guerra Mundial. Cresci no Oriente Médio e na Europa do final dos anos 1950 ao início dos anos 1980 e nunca me preocupei com a possibilidade de que as mudanças climáticas pudessem destruir o planeta. A maioria de nós mal tinha ouvido falar do problema, pois as emissões de gases de efeito estufa ainda eram relativamente baixas, em comparação com o que ocorreu depois.
Além disso, depois da colaboração entre os EUA e a União Soviética e da visita do presidente americano Richard Nixon à China, no início dos anos 1970, nunca mais me preocupei com outra guerra entre grandes potências, muito menos nuclear. O termo “pandemia” também não estava registrado na minha consciência, porque a última grande ocorrera em 1918. E eu não imaginava que a inteligência artificial pudesse um dia destruir a maioria dos empregos e tornar o homo sapiens obsoleto, porque aqueles eram os anos do longo “inverno da inteligência artificial (IA)”.
Da mesma forma, termos como “desglobalização” e “guerra comercial” não tinham valor durante esse período. A liberalização do comércio estava em pleno andamento desde a Grande Depressão e, logo em sequência, viria à hiperglobalização que começou na década de 1990. As crises da dívida não representavam ameaça, porque as razões da dívida pública e da dívida privada em relação ao PIB eram baixas nas economias avançadas e nos mercados emergentes. O crescimento era robusto. Ninguém precisava se preocupar com o acúmulo maciço de dívidas implícitas, na forma de passivos não financiados de sistemas de repartição de previdência social e de assistência médica. A oferta de trabalhadores jovens estava aumentando, a proporção de idosos ainda era baixa e a imigração robusta, principalmente irrestrita, do Sul Global para o Norte continuaria a sustentar o mercado de trabalho nas economias avançadas.
Nesse contexto, os ciclos econômicos foram contidos e as recessões foram curtas e superficiais, exceto durante a década de estagflação dos anos 1970; mas, mesmo assim, não houve crises de dívida nas economias avançadas, porque os índices de endividamento eram baixos. Os tipos de ciclos financeiros que levam a crises estavam contidos não apenas nas economias avançadas, mas também nos mercados emergentes, devido à baixa alavancagem, baixa assunção de riscos, regulamentação financeira sólida, controles de capital e várias formas de repressão financeira que prevaleceram durante esse período. As economias avançadas eram democracias liberais fortes, livres de extrema polarização partidária como passou a acontecer recentemente. O populismo e o autoritarismo foram confinados a um grupo ignorante de países mais pobres.
Adeus a tudo isso
Deixe-se esse período relativamente “dourado” entre 1945 e 1985 e se avance até o final de 2022. Agora se notará imediatamente que estamos sendo tomados por novas mega-ameaças extremas que não estavam na mente de ninguém. O mundo entrou no que chamo de depressão geopolítica, com (pelo menos) quatro potências revisionistas – China, Rússia, Irã e Coreia do Norte – desafiando a ordem econômica, financeira, de segurança e geopolítica que os Estados Unidos e seus aliados criaram após a Segunda Guerra Mundial.
Há um risco cada vez maior não apenas de guerra entre as grandes potências, mas também de um conflito nuclear. No próximo ano, a guerra de agressão da Rússia na Ucrânia pode se transformar em um conflito não convencional como envolvimento direto da OTAN. E Israel – e talvez os EUA – pode decidir lançar ataques contra o Irã, que está a caminho de construir uma bomba nuclear.
Com o presidente chinês Xi Jinping consolidando ainda mais seu governo autoritário e com os EUA reforçando suas restrições comerciais contra a China, a nova guerra fria sino-americana está ficando mais e mais fria, a cada dia. Pior ainda, pode haver uma mudança de situação de Taiwan, pois Xi está comprometido em reunir a ilha com o continente; ora, o presidente dos EUA, Joe Biden, está aparentemente muito comprometido com a defesa do aliado asiático. Enquanto isso, a Coreia do Norte, com armas nucleares, mais uma vez chama a atenção disparando foguetes sobre o Japão e a Coreia do Sul.
A guerra cibernética ocorre diariamente entre o Ocidente e essas potências revisionistas. Diversos outros países adotaram uma postura não alinhada em relação aos regimes de sanções liderados pelo Ocidente. Do nosso ponto de vista contingente no meio de todos esses eventos, ainda não sabemos se a Terceira Guerra Mundial já começou na Ucrânia. Essa determinação será deixada para futuros historiadores – se eles ainda existirem.
Mesmo descontando a ameaça do Armageddon nuclear, o risco de um apocalipse ambiental está se tornando cada vez mais sério, especialmente porque a maior parte das conversas sobre investimento que zera a poluição, assim como sobre “ambiente e governança” é apenas “greenwashing” – ou “green wishing”. A recente “inflação verde” já está em pleno andamento já que acumular os metais necessários para a transição energética requer muita energia e esta está bem cara.
Há também um risco crescente de novas pandemias, as quais seriam piores que as pragas bíblicas, devido à ligação entre destruição ambiental e doenças zoonóticas. A vida selvagem, portadora de patógenos perigosos, está entrando em contato mais e mais próximo e mais frequente com humanos e com o gado que os humanos criam. É por isso que experimentamos pandemias e epidemias mais frequentes e virulentas (HIV, SARS, MERS, gripe suína, gripe aviária, Zika, Ebola, COVID-19) desde o início dos anos 80. Todas as evidências sugerem que esse problema se tornará ainda pior no futuro. De fato, devido ao derretimento do permafrost siberiano, em breve poderemos estar enfrentando vírus e bactérias perigosos que ficaram aí trancados por milênios.
Além disso, conflitos geopolíticos e preocupações com a segurança nacional estão alimentando guerras comerciais, financeiras e tecnológicas e acelerando o processo de desglobalização. O retorno do protecionismo e a dissociação sino-americana deixarão a economia global, as cadeias de suprimentos e os mercados mais balcanizados e fragmentados. As palavras-chave “friend-shoring” e “secure and fair trade” substituíram os termos “offshoring” e “free trade” empregados a larga no passado recente.
Mas no front doméstico, os avanços em inteligência artificial, em robótica e em automação destruirão cada vez mais empregos. E isso ocorrerá mesmo que os formuladores de políticas construam muros protecionistas mais altos para o emprego doméstico. Ao restringir a imigração e exigir mais produção doméstica, o envelhecimento das economias avançadas criará um incentivo mais forte para as empresas adotarem tecnologias que economizam mão-de-obra.
Embora os trabalhos rotineiros estejam obviamente em risco, o mesmo acontece com quaisquer trabalhos cognitivos que possam ser divididos em tarefas discretas e até mesmo em muitos trabalhos criativos. Modelos de linguagem de Inteligência artificial como o GPT-3 já podem escrever melhor do que a maioria dos humanos; quase certamente, eles substituirão muitos empregos e fontes de renda. Já agora alguns cientistas acreditam que o homo sapiens se tornará totalmente obsoleto devido ao surgimento da inteligência geral artificial ou da superinteligência de máquina – embora este seja um assunto de debate altamente controverso.
Assim, com o tempo, o mal-estar econômico se aprofundará, a desigualdade aumentará ainda mais e mais trabalhadores de colarinho branco e azul serão deixados para trás.
Escolhas difíceis, aterramentos difíceis
A situação macroeconômica não é melhor. Pela primeira vez desde a década de 1970, enfrentamos inflação alta junto com a perspectiva de recessão – ou seja, estagflação. O aumento da inflação nas economias avançadas não foi “transitório”. É persistente já que está sendo impulsionado por uma combinação de más políticas – políticas monetárias, fiscais e de crédito excessivamente frouxas que foram mantidas por muito tempo – e má sorte. Ninguém poderia prever o quanto o choque inicial do COVID-19 reduziria o fornecimento de bens e mão de obra e criaria gargalos nas cadeias de suprimentos globais. O mesmo vale para a brutal invasão russa da Ucrânia, que causou um aumento acentuado nos preços da energia, dos alimentos, dos fertilizantes, dos metais industriais e outras commodities. Enquanto isso, a China continuou sua política de “zero-COVID”, que está criando gargalos de fornecimento adicionais.
Embora os fatores de demanda e oferta estivessem se combinado no desencadeamento do processo inflacionário, agora é amplamente reconhecido que os fatores de oferta têm desempenhado um papel cada vez mais decisivo. Isso é importante para as perspectivas econômicas, porque a inflação impulsionada pela oferta é estagflacionária e, portanto, aumenta o risco de que o aperto da política monetária produza um pouso forçado (aumento do desemprego e potencialmente uma recessão).
O que se seguirá do atual aperto do Federal Reserve dos EUA e de outros grandes bancos centrais? Até recentemente, a maioria dos bancos centrais e a maior parte dos operadores de Wall Street pertenciam ao time do “pouso suave”. Mas o consenso mudou rapidamente; agora, até o presidente do Fed, Jerome Powell, reconhece que uma recessão é possível, que um pouso suave será “muito desafiador” e que todos devem se preparar para alguma “dor” à frente. O modelo utilizado pelo Federal Reserve Bank de Nova York indica que há uma alta probabilidade de um pouso forçado. Ademais, o Banco da Inglaterra expressou opiniões semelhantes sobre a economia do Reino Unido. Várias instituições proeminentes de Wall Street também fizeram da recessão seu cenário básico (o resultado mais provável se todas as outras variáveis forem mantidas constantes).
A história também aponta para problemas mais profundos à frente. Nos EUA, nos últimos 60 anos, sempre que a inflação esteve acima de 5% (atualmente está acima de 8%) e o desemprego esteve abaixo de 5% (agora está em 3,5%), todas tentativas de reduzir a inflação para sua meta de 2% causou uma recessão. Assim, um pouso forçado é muito mais provável do que um pouso suave, tanto nos EUA quanto na maioria das outras economias avançadas.
Estagflação pegajosa
Além dos fatores de curto prazo, choques negativos de oferta e fatores de demanda no médio prazo farão com que a inflação persista. Do lado da oferta, conto onze choques negativos de oferta que reduzirão o crescimento potencial e aumentarão os custos de produção. Entre eles está a reação contra a hiperglobalização, que vem ganhando força e criando oportunidades para políticos populistas, nativistas e protecionistas; encontra-se a crescente revolta pública com as desigualdades de renda e riqueza, o que está levando a mais políticas de apoio aos trabalhadores e àqueles “deixados para trás”. Por mais bem-intencionadas que sejam, tais medidas poderão contribuir para uma perigosa espiral salário-preço.
Outras fontes de inflação persistente incluem o protecionismo crescente (tanto da esquerda quanto da direita), que restringiu o comércio, impediu o movimento de capital e aumentou a resistência política à imigração, o que, por sua vez, pressionou ainda mais os salários. Considerações estratégicas e de segurança nacional restringiram ainda mais os fluxos de tecnologia, dados e talentos. E os novos padrões trabalhistas e ambientais, por mais importantes que sejam, estão dificultando o comércio e as novas construções.
Essa balcanização da economia global é profundamente estagflacionária e coincide com o envelhecimento demográfico, não apenas nos países desenvolvidos, mas também nas grandes economias emergentes, como a China. Como os jovens tendem a produzir e economizar mais, enquanto os mais velhos gastam suas economias e exigem muitos serviços mais caros na saúde e em outros setores, essa tendência também levará a preços mais altos e crescimento mais lento.
A turbulência geopolítica de hoje complica ainda mais as coisas. As interrupções no comércio e o aumento nos preços das commodities após a invasão da Rússia não foram apenas um fenômeno pontual. As mesmas ameaças às colheitas e remessas de alimentos que surgiram em 2022 podem persistir em 2023. Além disso, se a China finalmente encerrar sua política de COVID zero e começar a reiniciar sua economia, um aumento na demanda por muitas commodities aumentará as pressões inflacionárias globalmente. Também não há fim à vista para a dissociação sino-ocidental, que está se acelerando em todas as dimensões do comércio, sejam estas de bens, serviços, capital, trabalho, tecnologia, dados e informação. E, é claro, Irã, Coreia do Norte e outros rivais estratégicos do Ocidente poderão em breve contribuir à sua maneira para o caos global.
Agora que o dólar americano foi totalmente usado para fins estratégicos e de segurança nacional, sua posição como principal moeda de reserva global poderia eventualmente começar a declinar. E um dólar mais fraco, é claro, aumentaria as pressões inflacionárias nos EUA. Mais amplamente, um sistema de comércio mundial sem atritos requer um sistema financeiro sem atritos. Mas amplas sanções primárias e secundárias jogaram areia no que antes era uma máquina bem lubrificada, aumentando enormemente os custos de transação do comércio.
Além de tudo isso, as mudanças climáticas também criarão pressões estagflacionárias persistentes. Secas, ondas de calor, furacões e outros desastres estão perturbando cada vez mais a atividade econômica e ameaçando as colheitas (aumentando assim os preços dos alimentos). Ao mesmo tempo, as demandas por descarbonização levaram a um subinvestimento na capacidade de combustíveis fósseis antes que o investimento em energias renováveis chegasse ao ponto em que pudesse compensar a diferença. Os grandes picos de preços de energia de hoje eram inevitáveis.
O aumento da probabilidade de pandemias futuras também representa uma fonte persistente de estagflação, especialmente considerando o pouco que foi feito para prevenir ou preparar a próxima. O próximo surto contagioso dará mais impulso às políticas protecionistas, à medida que os países correm para fechar as fronteiras e acumular suprimentos essenciais de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais.
Finalmente, a guerra cibernética continua sendo uma ameaça subestimada à saúde da atividade econômica e até mesmo à segurança pública. Empresas e governos enfrentarão mais interrupções estagflacionárias na produção ou terão que gastar uma fortuna em segurança cibernética. De qualquer forma, os custos aumentarão.
A pior de todas as economias possíveis
Quando a recessão vier, não será curta e superficial, mas longa e severa. Não só estamos enfrentando choques de oferta negativos persistentes de curto e médio prazo, mas também estamos caminhando para a mãe de todas as crises da dívida, devido aos crescentes índices de dívida pública e privada sobrevindos nas últimas décadas. Os baixos índices de endividamento nos pouparam desse resultado na década de 1970. E embora certamente tivéssemos crises de dívida após o crash de 2008 – resultado de dívidas excessivas de famílias, bancos e governos – também tivemos deflação. Tratou-se de um choque de demanda e de uma crise de crédito que puderam ser enfrentadas com uma flexibilização monetária, fiscal e de crédito maciça.
Hoje, estamos vivenciando a soma dos piores elementos da década de 1970 e da crise de 2008. Múltiplos e persistentes choques de oferta negativos coincidiram com índices de endividamento ainda mais altos do que durante a crise financeira global. Essas pressões inflacionárias estão forçando os bancos centrais a apertar a política monetária, embora estejamos caminhando para uma recessão. Isso torna a situação atual fundamentalmente diferente da crise financeira global e da crise do COVID-19. Todos devem estar se preparando para o que pode vir a ser lembrado como a “grande crise da dívida estagflacionária.
Embora os bancos centrais tenham se esforçado para parecer mais agressivos, devemos ser céticos em relação à sua vontade declarada de combater a inflação a qualquer custo. Uma vez que eles se encontrem em uma armadilha da dívida, eles terão que piscar. Com índices de endividamento tão altos, o combate à inflação causará um colapso econômico e financeiro que será considerado politicamente inaceitável. Os principais bancos centrais sentirão que não têm escolha a não ser recuar. A inflação, a degradação das moedas fiduciárias, os ciclos de expansão e recessão e as crises financeiras se tornarão ainda mais graves e frequentes.
A inevitabilidade da falência dos bancos centrais foi recentemente discutida no Reino Unido. Diante da reação do mercado ao estímulo fiscal imprudente do governo Truss, o BOE teve que lançar um programa emergencial de flexibilização quantitativa para comprar títulos do governo. Esse triste episódio confirmou que no Reino Unido, como em muitos outros países, a política monetária está cada vez mais sujeita à captura da política fiscal.
Lembre-se de que uma reviravolta semelhante ocorreu em 2019, quando o Fed, após sinalizar anteriormente aumentos contínuos de taxas e aperto quantitativo, interrompeu seu programa de “contenção monetária” e começou a buscar uma mistura de “liberalização às portas fechadas” e cortes nas taxas de juros ao primeiro sinal de pressões financeiras leves e uma desaceleração do crescimento. Os bancos centrais falarão duro; mas, em um mundo de endividamento excessivo e de riscos de um colapso econômico e financeiro, há boas razões para duvidar de sua disposição de fazer “o que for preciso” para retornar a inflação à sua meta.
Com os governos incapazes de reduzir dívidas e déficits altos, por meio de gastos menores e/ou aumentos de receitas, aqueles que podem tomar empréstimos em sua própria moeda recorrerão cada vez mais ao “imposto inflacionário”: contar com o crescimento inesperado dos preços para eliminar passivos nominais de longo prazo, mantendo as cotações de juros fixas.
Como os mercados financeiros e os preços de ações e títulos se comportarão diante do aumento da inflação e do retorno da estagflação? É provável que, como na estagflação da década de 1970, ambos os componentes de qualquer carteira de ativos tradicional podem sofre, incorrendo potencialmente em perdas maciças. A inflação é ruim para as carteiras de títulos já que elas sofrerão perdas à medida que os rendimentos aumentam e os preços caiam, bem como para as ações, cujas avaliações são prejudicadas pelo aumento das taxas de juros.
Pela primeira vez em décadas, um portfólio 60/40 de ações e títulos sofreu perdas maciças em 2022, porque os rendimentos dos títulos aumentaram enquanto as ações entraram em um mercado de baixa. Em 1982, no auge da década de estagflação, a relação preço/lucro médio das empresas do S&P 500 caiu para oito; hoje, está mais próximo de 20, o que sugere que o mercado em baixa pode acabar sendo ainda mais prolongado e severo. Os investidores precisarão encontrar ativos para se proteger contra a inflação, riscos políticos e geopolíticos e danos ambientais: incluem títulos governamentais de curto prazo e títulos indexados à inflação, ouro e outros metais preciosos e imóveis resistentes a danos ambientais.
O momento da verdade
De qualquer forma, essas mega-ameaças contribuirão ainda mais para o aumento da desigualdade de renda e riqueza, algo que já vem pressionando severamente as democracias liberais, pois aqueles ficaram para trás revoltam contra as elites. E isso alimenta a ascensão de regimes populistas radicais e agressivos. Pode-se encontrar manifestações de direita dessa tendência na Rússia, Turquia, Hungria, Itália, Suécia, EUA (Donald Trump e no partido republicano), Grã-Bretanha pós-Brexit e muitos outros países. Vejam-se as manifestações de esquerda na Argentina, Venezuela, Peru, México, Colômbia, Chile e agora no Brasil (que acaba de substituir um populista de direita por um líder de esquerda que quer gastar).
E, é claro, o estrangulamento autoritário de Xi desmentiu a velha ideia de que o envolvimento ocidental com uma China em rápido crescimento levaria inevitavelmente esse país a se abrir ainda mais aos mercados e, eventualmente, aos processos democráticos. Sob Xi, a China mostra todos os sinais de se tornar mais fechada e mais agressiva em questões geopolíticas, de segurança e econômicas.
Como se chegou a isso? Parte do problema é que há muito tempo estamos com a cabeça enfiada na areia. Agora, precisamos recuperar o tempo perdido. Sem uma ação decisiva, estaremos caminhando para um período que é menos parecido com as quatro décadas após a Segunda Guerra Mundial do que com as três décadas entre 1914 e 1945. Esse período nos deu a Primeira Guerra Mundial; a pandemia de gripe espanhola; o crash de Wall Street em 1929; a grande Depressão; guerras comerciais e monetárias maciças; inflação, hiperinflação e deflação; crises financeiras e de dívida, levando a colapsos e inadimplências em massa; e a ascensão de regimes militaristas autoritários na Itália, Alemanha, Japão, Espanha e outros lugares, culminando na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto.
Neste novo mundo, a paz relativa, a prosperidade e o crescente bem-estar global que havia sido obtido – e tomados como garantidos – desaparecerão. Se não pararmos o naufrágio do transatlântico em câmera lenta, o que está ameaçando a economia global e nosso planeta em geral, teremos a sorte de ter apenas uma repetição dos anos 1970 estagflacionários. Muito mais provável é que ocorra um eco das décadas de 1930 e 1940, só que agora com todas as grandes perturbações das mudanças climáticas adicionadas à mistura explosiva.
Evitar um cenário distópico não será fácil. Embora existam soluções potenciais para cada mega-ameaça existente, a maioria é cara no curto prazo e trará benefícios apenas no longo prazo. Muitas delas também exigem inovações tecnológicas que ainda não estão disponíveis ou implementadas, começando por aquelas necessárias para deter ou reverter as mudanças climáticas. Para complicar ainda mais, as mega-ameaças de hoje estão interconectadas e, portanto, são mais bem tratadas de forma sistemática e coerente. A liderança doméstica, tanto no setor privado quanto no público, e a cooperação internacional entre grandes potências são necessárias para evitar o Apocalipse que se aproxima.
No entanto, existem muitos obstáculos domésticos e internacionais no caminho das políticas que permitiriam um futuro menos distópico (embora ele ainda será um futuro bem conflituoso). Assim, embora um cenário menos sombrio seja obviamente desejável, uma análise lúcida indica que a distopia é muito mais provável do que um resultado mais feliz. Os próximos anos e décadas serão marcados por uma crise de dívida estagflacionária e mega-ameaças relacionadas entre si – guerra, pandemias, mudanças climáticas, inteligência artificial disruptiva e desglobalização – que serão ruins para empregos, economias, mercados, paz e prosperidade.
*Nouriel Roubini, professor de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova York, é economista-chefe da Atlas Capital Team. Autor, entre outros livros, de MegaThreats: Ten Dangerous Trends That Imperil Our Future, and How to Survive Them (Little, Brown and Company).
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente em Project Syndicate.
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