Por GABRIEL COHN*
Apresentação do autor ao livro recém-lançado
Modos de vida civil. Essa é a formulação original do lema condutor do conjunto de artigos que se lerão neste livro. São dois temas que se entrelaçam. Primeiro, a forma na qual a vida se apresenta para as pessoas em suas ideias, suas formas de convivência e sua relação com o mundo. Que pessoas, e qual a forma de vida nisso envolvidas?
Esse é o segundo ponto. Não se trata de pessoas genericamente consideradas. São cidadãos e cidadãs, portadores de nada menos do que da cidadania – ou daquilo que, embora de modo distorcido pelas circunstâncias, os caracteriza como cidadãos. E nisso se chega ao ponto decisivo. A cidadania moderna que nos ocupa aqui tem um duplo fundamento.
O primeiro alude ao conjunto de motivos, condutas e valores que formam o ambiente em que as pessoas se movem. Depois, não é qualquer ambiente, unicamente aquele que pode ser designado civilizado. Está em jogo nada menos do que a civilização, em uma de suas vertentes fundamentais, a política. E, ainda, não a política de maneira genérica e sim como modo de organização da vida coletiva no registro do poder, em sua dimensão institucional tomada na forma mais abrangente em específico registro, como república.
O desdobramento mais imediato disso concerne à relação entre desta com a democracia como forma de organização institucional e também como padrão de conduta. A realização disso tudo está repleta de exigências severas, de caráter histórico no prazo mais longo e de caráter conjuntural em cada momento.
São as exigências e dificuldades da vida civilizada e republicana em contexto como o brasileiro que formam o núcleo dos artigos aqui recolhidos, escritos em diferentes momentos. Isso se aplica desde o primeiro e mais abrangente deles, sobre civilização, cidadania e barbárie, até o mais específico sobre o fascismo em sua possível versão brasileira, passando pelo tratamento do tema do desenvolvimento por um ângulo pouco usual, o do processo civilizador, e por uma mescla de reflexão mais teórica e referências muito concretas quando se fala precisamente do tema que identifica o livro, a “difícil república”. Este último constitui algo como um primeiro esboço de estudo mais detido, a ser retomado.
Também os textos sobre dois intérpretes brasileiros de nossa sociedade e nossa história, o socialista Florestan Fernandes e o liberal Raymundo Faoro, exibem, conquanto de modo mais matizado, a mesma grande preocupação intelectual. Mais remotos em relação ao tema, porém na realidade também relevantes numa perspectiva muito ampla e ambiciosa, aparecem os dois artigos finais, marcados ambos pela atenção a um problema básico como o da temporalidade, o modo de presença do tempo.
Isso ocorre tanto em seu tratamento específico no diálogo com o sociólogo português Hermínio Martins (frustrado, pois, por ironia temporal: ele faleceu no exato momento em que se encerrava sua redação) quanto no único caso em que me aventurei a enfrentar, mal ousando ir além de uma diminuta fração das questões que ele propõe, a gigantesca figura de Marx. Parodiando antiga frase confessional retomada por Marx em uma ocasião (na crítica ao programa de Gotha da social democracia em sua época), “disse e salvei minha alma”, dixit et salvavi animam meam.
Uma longa trajetória em campo minado por problemas de toda ordem, tão importantes quanto fascinantes. Bom seria se ao ler algum desses textos o leitor e a leitora sentisse o mesmo arrepio que eu ao escrevê-lo.
*Gabriel Cohn é professor emérito da FFLCH- USP. Autor, entre outros livros, de Weber, Frankfurt. Teoria e pensamento social (Azougue).
Referência
Gabriel Cohn. A difícil República. Rio de Janeiro, Azougue, 2023 (https://amzn.to/47vHjLs).
O lançamento em São Paulo será na segunda-feira, dia 17 de abril, às 19 horas, no Bar Balcão (Rua Dr. Melo Alves, 150).
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