Banco Central – o último bastião do bolsonarismo

Imagem: George Desipris
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Por VINÍCIO CARRILHO MARTINEZ*

A quem serve a “autonomia” do Banco Central, talvez ao sistema financeiro ou a um projeto de desindustrialização do país – ou a ambos

O país convive com uma das mais baixas taxas inflacionárias do mundo, o FED (Banco Central dos EUA) sinaliza ou rebaixa sua taxa de juros, a recessão está em nossa porta, com quebradeira de empresas (centenas) e a ameaça real de desempregos. No entanto, o Banco Central (BC) permanece com taxa Selic a 13.75% – e o que mais isso significa?

Significa, sistemicamente falando, que o “nosso” Banco Central serve às casas e castas do setor financeiro, especialmente os Bancões (balcões da miséria social) – que tomam dinheiro barato do povo e devolvem muito caro ao mesmo povo de; porém, politicamente falando, também implica em dizer que o Banco Central é o último bastião institucional, a última trincheira estatal do bolsonarismo. Por sua vez, como representação social e política, o bolsonarismo é a encarnação pós-moderna do fascismo nacional (MARTINEZ, 2022).

Da autocracia de classes à autocracia do BC

Não há exagero em dizermos que “nossa forma de governo” é uma gororoba composta de autocracias (mais ou menos sutis), com base na oclocracia[i] e na plutocracia: sinônimo de aristocracia financeira e sem Ilustração nenhuma[ii] que foi gerindo-se até chegar a esta forma, nossa atualidade, de “parlamentarismo de resultados”.

Sem esquecer dos lampejos democráticos, a Casa Grande sempre evolui, manifesta-se, em cortes mais corteses, cortesãs, e não somente fazendo uso de golpes tradicionais – este seria o movimento político da autocracia de classe, da fração financeira do capital dominante e dos seus grupos de poder hegemônico. Daí o papel central jogado atualmente pelo Banco Central, em desfavor do Brasil e muito favorável aos grupos instalados no Centrão.

Ocorre, entretanto, que o capital hegemônico reúne tanto “poder de Estado” que é capaz de, notoriamente, sistematicamente, descumprir a Constituição Federal, afrontar ou travar as principais ações políticas e, assim, negar provimento ao desenvolvimento social, como vemos na atualidade com a “autonomia” do Banco Central se converter em autocracia descontrolada e abusiva.

Nosso deslize ético e moral (aqui no sentido privado e público) é tão marcante que textos, artigos, bulas de remédio, manuais de uso, tutoriais, são lidos na contramão. No passado recente fez-se no Supremo Tribunal Federal (STF) uma rota escapista sobre a prisão em segunda instância (art. 5º, LVII)[iii] – reformada depois pelo mesmo tribunal ao praticamente decretar a ilegalidade da operação Lava Jato – e, hoje, simplesmente, não se lê e, portanto, não se obriga o Banco Central a se adequar ao artigo 192 da Constituição Federal de 1988.

Ainda que tenha sido profundamente desmaltado em emenda de 2003, restou-nos o caput: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.

Então, a quem serve a “autonomia” do Banco Central, com taxa Selic a 13.75% e inflação perto dos 4%? Talvez ao sistema financeiro ou a um projeto de desindustrialização do país – ou a ambos. Nas considerações principiológicas do artigo 192, o sentido empunhado na própria Carta política (MARTINEZ, 2021) é o que deveria prevalecer, enquanto objeto positivo da Constituição Federal de 1988: “O artigo 192 da Constituição Federal de 1988 é apenas um exemplo atual, posto que sempre é bom lembrar de outra máxima, democrática e republicana, que tanto deveria ser nossa guia hoje em dia, quanto serviria para impedir (ou anular) o Golpe de Estado de 2016, e que diz assim: “autonomia, sem auditoria, é autocracia” (MARTINEZ, 2019).

Foi assim que, de 2016 em diante, até fins de 2022, vimos formar-se um verdadeiro cesarismo de Estado – em alusão ao cesarismo parlamentar de Gramsci (2000) –, e que se converteria em necrofascismo (MARTINEZ, 2022). O Centrão já existia, foi a base do golpe de 2016, porém, em 2023, ganhou poderes extras (na eleição de 2022) a ponto de se avolumar neste Frankenstein aqui apelidado de “parlamentarismo de resultados”: nocivos resultados, é claro, ao povo, à dignidade humana, à República e à democracia.

Apesar do Banco Central ser o bastião do capital financeiro, desse pacote também decorre a formação de um supergoverno, passando-se por Estado – inclusive constitucionalmente – subjugado a uma aberração congressual, pelo viés do Centrão, que se impõe sob uma forma perniciosa de “parlamentarismo de resultados”: pragmatismo político antirrepublicano, antidemocrático, antipopular.

Como sabemos, bem acostumado ao chamado “orçamento secreto” – destinação de recursos públicos sem auditoria alguma –, hoje, o Centrão vive com pedidos de impeachment embaixo do braço.

Tal qual em 2016, em 2023, o impeachment é a senha do golpe fascista.

*Vinício Carrilho Martinez é professor do Departamento de Educação da UFSCar.

Referências


GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Estado de não-Direito: quando há negação da Justiça Social, da democracia popular, dos direitos humanos. São Paulo: Scortecci, 2014.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Ditadura Inconstitucional: golpe de Estado de 2016, forma-Estado, Tipologias do Estado de Exceção, nomologia da ditadura inconstitucional. Curitiba-PR : Editora CRV, 2019.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O Conceito de Carta Política na Constituição Federal de 1988: freios político-jurídicos ao Estado de não-Direito. Londrina: Thoth, 2021.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Necrofascismo: Fascismo Nacional, necropolítica, licantropia política, genocídio político. Curitiba: Brazil Publishing, 2022.

Notas


[i] Aqui, como acrônimo do governo dos piores – como dizia a piada: “a 5ª série chegou ao poder”. Para uma conceituação mais tradicional de formas de governo, há um livro/resumo do jurista italiano Norberto Bobbio (1985).

[ii] Sempre teremos de recordar o período fascista, com lampejos de identificação nazista ou genocida, especialmente em 2020, no auge da Pandemia. Por isso também falamos de Necrofascismo ou acasalamento entre Pandemia e Pandemônio Político (MARTINEZ, 2022).

[iii] “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

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