A Rússia no BRICS

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Por ANDREW KORYBKO*

A Rússia está finalmente corrigindo as falsas percepções sobre o BRICS antes da cúpula deste mês

Muitos da comunidade de mídia alternativa foram enganados por alguns dos principais influenciadores, ao imaginarem que o BRICS é algo que ele não é. Em particular, pensam que é uma aliança de países completamente soberanos que se uniram devido ao ódio que compartilham com o Ocidente, e é por isso que estão supostamente planejando dar um golpe mortal no dólar num futuro muito próximo. Aqueles que compartilham observações “politicamente inconvenientes”, como nas análises que seguem abaixo, geralmente são atacados pela comunidade de mídia alternativa:

Expectativas populares sobre o projeto da nova moeda do BRICS deveriam ser moderadas

A África do Sul mostrou que o BRICS não é o que muitos de seus apoiadores supunham

A comunidade de mídia alternativa está em choque depois que o Banco do BRICS confirmou que está em conformidade com as sanções ocidentais

Explicando as divergências relatadas pela China e pela Índia sobre a expansão do BRICS

No entanto, a Rússia está finalmente corrigindo as falsas percepções sobre o BRICS antes da cúpula deste mês, o que desacredita a narrativa apresentada pelos principais influenciadores da comunidade de mídia alternativa. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, confirmou recentemente que existem diferenças entre seus membros sobre a expansão formal do grupo, a Rússia está relutante em compartilhar publicamente sua posição oficial em relação a esse assunto sensível e não há nenhuma chance do BRICS criar uma nova moeda tão cedo. Aqui estão os relatórios correspondentes da TASS sobre cada ponto:

‘Existem nuances’ entre os membros do BRICS com relação à potencial expansão do grupo – Kremlin

A Rússia não vai se apressar para anunciar sua posição sobre a expansão do BRICS – Kremlin

Moeda comum no BRICS dificilmente será viável num futuro próximo – Kremlin

Extrapolando-os na ordem em que foram compartilhados:

O BRICS está de fato dividido entre aqueles que querem aproveitar o momento histórico para expandir o bloco o máximo possível imediatamente e aqueles que acreditam que um ritmo mais lento está mais alinhado com seus interesses comuns;

A Rússia parece ser mais favorável à segunda abordagem, caso contrário, não deixaria passar a oportunidade de marcar pontos políticos em relação ao Ocidente, promovendo a expansão do BRICS para preparar o público global para uma nova era de assuntos geoeconômicos supostamente iminente;

E as diferenças naturais entre os diversos membros do bloco tornam extremamente improvável que todos eles concordem em ceder parte de sua soberania econômica ao promover ativamente uma nova moeda em detrimento de suas respectivas moedas nacionais.

Nada disso é surpreendente e nem resultado da influência ocidental, porém era totalmente previsível devido à dinâmica interna do BRICS e às relações de seus membros com o Ocidente, cujos observadores objetivos compreendem profundamente, mas que a comunidade de mídia alternativa desconhece em grande parte, uma vez que alguns dos principais influenciadores distorceram e, às vezes, omitiram fatos relacionados para promover sua agenda. Sempre houve argumentos legítimos a favor e contra a rápida expansão desse bloco, bem como o ritmo em que ele acelera os processos de multipolaridade financeira.

Por exemplo, ao avançar muito rapidamente, corre-se o risco de enfraquecimento do BRICS, pois será mais difícil obter consenso, mas, ao não aproveitar o interesse de outros países em participar de suas atividades em alguma extensão, corre-se o risco de desperdiçar esse momento histórico, o que leva à necessidade de um compromisso como o BRICS+. O mesmo pode ser dito sobre o ritmo em que o BRICS acelera os processos de multipolaridade financeira, já que todos os seus membros, com exceção da Rússia, estão em relações de complexa interdependência econômico-financeira com o Ocidente.

Com base na observação anterior, embora todos os membros do BRICS tenham o mesmo interesse em se afastar do dólar e de sua dependência desproporcional do comércio e dos investimentos ocidentais, eles pretendem fazer isso de forma diferente. Dar um golpe mortal no dólar e arruinar a economia ocidental prejudicaria seus próprios interesses e, embora alguns possam pensar que isso ainda serviria aos interesses da Rússia, eles estão errados, pois a desestabilização econômico-financeira resultante da China e da Índia não é favorável a eles.

Dessa forma, sempre foi irrealista imaginar que o BRICS é uma aliança de países completamente soberanos que se uniram devido ao ódio que compartilham contra o Ocidente e, portanto, estão planejando derrubar o domínio do dólar num futuro próximo, como afirmam alguns dos principais influenciadores da comunidade de mídia alternativa. A única razão pela qual essa falsa percepção se tornou viral é porque o público-alvo não sabia nada melhor, já que aqueles em quem confiavam distorceram e, às vezes, omitiram fatos relacionados a isso para promover sua agenda.

Se não forem contestadas, as altas esperanças irrealistas que muitos em todo mundo foram induzidos a ter sobre o BRICS inevitavelmente os levarão a uma profunda decepção depois que a cúpula do grupo neste mês não atender às suas expectativas, tornando-os suscetíveis a sugestões hostis. Uma massa crítica de apoiadores da multipolaridade poderá então “desertar” das teorias conspiratórias do “plano mestre de xadrez 5D” sobre o BRICS e adotar as teorias da “perdição e melancolia” promovidas pelo Ocidente para desmoralizá-los.

Em retrospecto, a Rússia deveria ter gerenciado proativamente as percepções sobre o BRICS com muita antecedência para evitar esse cenário, mas estava priorizando os esforços para proteger sua integridade diante do ataque de propaganda sem precedentes do Ocidente e não tinha especialistas adicionais suficientes disponíveis para fazer isso. Além disso, até recentemente, também não tinha percebido quão imprecisas eram as opiniões de muitos defensores da multipolaridade sobre esse grupo, mais uma vez pela mesma razão de ter um número insuficiente de especialistas e não poder cobrir tudo.

Essa visão explica as tentativas tardias da Rússia de corrigir essas falsas percepções apenas três semanas antes da próxima cúpula. Pode ser tarde demais para evitar que alguns partidários da multipolaridade “desertem” do campo da conspiração do “xadrez 5D” para o campo da conspiração “perdição e melancolia”, o mesmo que pode ser dito sobre a prisão pela Rússia, no mês passado, do infame teórico da conspiração “perdição e melancolia” Igor Girkin, mas é melhor do que nada e mostra que o Kremlin agora está ciente da ameaça que certas teorias da conspiração representam para seus interesses de poder brando.

As de Girkin sobre a operação especial eram “hostis”, enquanto as teorias conspiratórias da comunidade de mídia alternativa sobre o BRICS são “amigáveis”, mas ambas manipulam as percepções dos partidários da Rússia sobre questões delicadas, fazendo com que elas se tornem cada vez mais divorciadas da realidade com o passar do tempo. Demorou um pouco, mas a Rússia está finalmente corrigindo essas falsas percepções e combatendo as teorias conspiratórias associadas, e esperamos que ela aproveite esse impulso para fazer o mesmo em breve com relação a outras questões sensíveis.

Discordâncias expressas de modo respeitoso e críticas construtivas bem-intencionadas deveriam sempre ser incentivadas, mas distorcer e, às vezes, omitir fatos para fabricar artificialmente uma falsa percepção que avance uma agenda é inaceitável e deve sempre ser contraposto. Os principais influenciadores da comunidade de mídia alternativa, portanto, precisam decidir se desempenharão o primeiro papel em apoio aos interesses de poder brando da Rússia ou se continuarão desempenhando o segundo, e permanecendo, assim, como os “idiotas úteis” do Ocidente.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).

Tradução: Fernando Neves de Lima.

Publicado originalmente na newsletter [https://korybko.substack.com/p/russia-is-finally-correcting-false] do autor


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