A urgência do cuidado e da autocontenção

Imagem: Eugene Liashchevskyi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

A cultura do consumo das porções opulentas, ego-centradas e desalmadas já está cobrando mais de uma Terra e meia para atender voracidade delas

Alinho-me àqueles cientistas descritos pela jornalista de assuntos ecológico-científicos, Elizabeth Kolbert em seus dois livros famosos A sexta extinção e o outro Sob o céu branco:a natureza do futuro (Intrínseca).Embora alimente alguma esperança, Elizabeth Kolbert delineia como seria o céu após uma guerra nuclear devastadora: branco, impedindo a passagem dos raios sol dos quais quase tudo depende na Terra.

É um fato experimental, embora haja um grande número de negacionistas, particularmente entre os CEOs dos grandes oligopólios que negam o estado degradado da Terra que agora, possivelmente, inaugurou uma nova era: o piroceno.

A cultura do consumo daquelas porções opulentas, ego-centradas e desalmadas já está cobrando mais de uma Terra e meia (1,7) para atender voracidade delas. A sobrecarga da Terra deste ano foi constatada no dia 22 de julho. Isso significa que que seus bens e serviços renováveis, indispensáveis para a nossa sobrevivência, se exauriram. Acenderam todos os sinais. Mesmo assim lhe fazem violência, arrancando-lhe o que não lhes pode mais dar. Como é um super-ente vivo que funciona sistemicamente, a Terra reage mandando eventos extremos como grandes secas de um lado, espantosas nevascas por outro, diminuindo o volume das águas aumentando os desertos, destruindo com tufões regiões inteiras, sacrificando a biodiversidade, enviando mais vírus e outras enfermidades.O aumento da temperatura esperada para o ano 2030,um crescimento de 1,5 graus C, está celeremente se antecipando para os próximos 3-5 anos.

Compreende-se que muitos climatólogos se mostrem céticos e até fatalistas ao se dar conta de que a ciência a técnica chegaram atrasadas. Não temos muito que fazer senão prevenir as catástrofes e minorar seus efeitos danosos. A Terra está mudando, dia-a-dia, de forma irreversível, procurando um novo equilíbrio cujo centro de gravidade não nos é conhecido. Supomos que climaticamente se estabilize entre 38-40 graus C. Quem puder se adaptar a esta temperatura sobreviverá mas muitas pessoas, crianças e idosos e principalmente inúmeros organismos vivos não terão o tempo suficiente para se adaptarem e serão condenados a desaparecer depois de milhões de anos de vida sobre este planeta.

São sérias as advertências dos sábios. A Carta da Terra (documento assumido pela ONU) ou as duas encíclicas do Papa Francisco:Como cuidar da Casa Comum e o outro Todos irmãos e irmãs peremptoriamente denunciam o alarme ecológico. A Carta da Terra adverte: “A humanidade deve escolher o seu futuro…ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida”. O Papa é mais severo: “Estamos todos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”.

A grande maioria não pensa em tais coisas, pois parece-lhe insuportável lidar com os limites e eventualmente com o desastre coletivo, possível ainda dentro de nossa geração. Alienados, acabarão engrossando o cortejo daqueles que rumarão na direção da fossa comum.

Resta-nos uma réstia de esperança sempre suscitada pelo sábio de 102 anos Edgar Morin: “A história várias vezes mostrou que o surgimento do inesperado e o aparecimento do improvável são plausíveis e podem mudar o rumo dos acontecimentos”. Cremos que ambos – o inesperado e o plausível – sejam possíveis. Seria nossa salvação.

Entretanto, temos que fazer a nossa parte. Se quisermos garantir um futuro comum, da Terra e da humanidade, se impõem duas virtudes: a autocontenção e a justa medida, ambas expressões da cultura do cuidado.

Mas como postular essas virtudes se todo o sistema está montado em sua negação? Desta vez, porém, não há escolha: ou mudamos e nos pautamos pelo cuidado, nos auto-imitando em nossa voracidade e vivendo a justa medida em todas as coisas ou enfrentaremos uma tragédia coletiva. O cuidado nos leva a estabelecer um laço afetivo para com todos os seres para que continuem entre nós.

A autolimitação significa um sacrifício necessário que salvaguarda o Planeta, tutela interesses coletivos e funda uma cultura da simplicidade voluntária. Não se trata de não consumir, mas de consumir de forma responsável e solidária para com aqueles que virão depois de nós. Eles também têm direito à Terra e a uma vida com qualidade.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Habitar a Terra (Vozes) (https://amzn.to/45gjjKP).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ronald Rocha Lincoln Secco Rubens Pinto Lyra José Luís Fiori Luís Fernando Vitagliano Manuel Domingos Neto Michael Löwy Gabriel Cohn Sandra Bitencourt Claudio Katz Francisco Pereira de Farias João Paulo Ayub Fonseca José Micaelson Lacerda Morais Alexandre de Lima Castro Tranjan Airton Paschoa Lorenzo Vitral Liszt Vieira Alysson Leandro Mascaro Luiz Carlos Bresser-Pereira Bruno Machado Otaviano Helene Paulo Fernandes Silveira Luiz Renato Martins Flávio Aguiar Flávio R. Kothe Marcelo Módolo Milton Pinheiro Kátia Gerab Baggio Marcelo Guimarães Lima João Sette Whitaker Ferreira Andrew Korybko Osvaldo Coggiola Francisco de Oliveira Barros Júnior Daniel Brazil Remy José Fontana Jean Pierre Chauvin Boaventura de Sousa Santos Renato Dagnino Alexandre Juliete Rosa Celso Frederico Eliziário Andrade Leonardo Sacramento Marcos Aurélio da Silva Antônio Sales Rios Neto Bruno Fabricio Alcebino da Silva Ricardo Musse Vanderlei Tenório Michael Roberts Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Gerson Almeida André Singer Paulo Sérgio Pinheiro Eleonora Albano Paulo Martins Armando Boito Dênis de Moraes Ronald León Núñez Antonio Martins Mariarosaria Fabris Leda Maria Paulani Valerio Arcary Marcos Silva Daniel Costa João Lanari Bo Paulo Nogueira Batista Jr Eugênio Bucci Andrés del Río Leonardo Boff Daniel Afonso da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Berenice Bento Vinício Carrilho Martinez Plínio de Arruda Sampaio Jr. Benicio Viero Schmidt Everaldo de Oliveira Andrade Francisco Fernandes Ladeira Luiz Roberto Alves Heraldo Campos José Geraldo Couto André Márcio Neves Soares Marjorie C. Marona Tadeu Valadares Juarez Guimarães Denilson Cordeiro Ricardo Abramovay Jorge Branco Marilia Pacheco Fiorillo Vladimir Safatle Fábio Konder Comparato Mário Maestri João Feres Júnior Matheus Silveira de Souza Caio Bugiato Elias Jabbour Gilberto Maringoni Antonino Infranca Tarso Genro Marcus Ianoni José Raimundo Trindade José Machado Moita Neto Maria Rita Kehl Lucas Fiaschetti Estevez Gilberto Lopes Fernando Nogueira da Costa Fernão Pessoa Ramos Luiz Eduardo Soares Érico Andrade Eleutério F. S. Prado Eugênio Trivinho João Carlos Salles Carla Teixeira Jorge Luiz Souto Maior Tales Ab'Sáber José Dirceu Michel Goulart da Silva Priscila Figueiredo Henry Burnett Rafael R. Ioris Atilio A. Boron Julian Rodrigues Igor Felippe Santos Luiz Marques Ricardo Antunes Salem Nasser Alexandre de Freitas Barbosa Dennis Oliveira Carlos Tautz Marilena Chauí Bento Prado Jr. João Adolfo Hansen Jean Marc Von Der Weid Yuri Martins-Fontes Celso Favaretto Ricardo Fabbrini Thomas Piketty Alexandre Aragão de Albuquerque Samuel Kilsztajn Chico Alencar Leonardo Avritzer Anselm Jappe Eduardo Borges Sergio Amadeu da Silveira Afrânio Catani Chico Whitaker Walnice Nogueira Galvão Manchetômetro Ladislau Dowbor Rodrigo de Faria Luciano Nascimento Annateresa Fabris João Carlos Loebens Luiz Bernardo Pericás Paulo Capel Narvai Ari Marcelo Solon Bernardo Ricupero Slavoj Žižek José Costa Júnior Luiz Werneck Vianna Luis Felipe Miguel Henri Acselrad

NOVAS PUBLICAÇÕES