Riqueza financeira à brasileira

Imagem: Cottonbro
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Segunda a revista Forbes, a concentração de riqueza nas 95 famílias mais ricas do Brasil reduziu. Por quais razões houve a emergência desse fenômeno no Brasil?

1.

Matheus Outeiro e Matheus Leal do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) fizeram um estudo da mobilidade no topo da pirâmide de riqueza a partir de uma análise das listas da Forbes. Essa nota técnica teve como objetivo analisar a mobilidade das 95 famílias mais ricas do Brasil entre dois anos: 2013 e 2022.

Ela se propôs a identificar diferenças entre a mobilidade no topo da pirâmide no Brasil, a de outros países em desenvolvimento como a China e a Índia, e a dos Estados Unidos. O Brasil destaca-se como o único país no qual a concentração da riqueza nas primeiras famílias da lista se reduziu.

Entre 2013 e 2022, a riqueza detida pelas top-5 famílias brasileiras da lista caiu de cerca de 35% para pouco mais de 25%. Este resultado também é válido ao considerar as top-25 famílias e os índices de concentração apresentados.

Nos demais países, houve aumento da concentração da riqueza no topo da lista. Na Índia, em particular, houve um expressivo aumento da concentração da riqueza nas top-5 famílias. Este episódio decorre, principalmente, da maior concentração de riqueza na família mais rica do país. Em 2013, detinha pouco mais de 10% da riqueza da lista, mas em 2022 aumentou para quase 20%. As duas famílias indianas mais ricas juntas concentraram 30% da renda, contra 16,7% em 2013.

A China, graças ao seu dinamismo econômico-produtivo no período, apresentou a maior mobilidade nas top-95 famílias mais ricas, com 62 novas dinastias ocupando a lista entre 2013 e 2022. Este número foi consideravelmente maior ao dos outros países analisados.

O Brasil, segundo país de acordo com o grau de mobilidade no top-95, teve 46 novas dinastias entrantes nesse período. Índia e Estados Unidos apresentaram um grau de mobilidade consideravelmente menor, com apenas 33 e 35 novas famílias, respectivamente, ocupando a lista de 95 entre 2013 e 2022.

China e Índia alteraram pouco a concentração nas 25 famílias mais ricas para o período analisado: menos de 1 ponto percentual. Enquanto no Brasil se desconcentrou riqueza neste topo, de 68% para 64%, as 25 famílias mais ricas dos EUA absorvem uma parcela ainda maior, alcançando 71% da riqueza do top-95 em 2022 contra 63% em 2013.

2.

Por quais razões houve a emergência desse fenômeno no Brasil?

Para levantar hipóteses explicativas a respeito, tarefa não feita pelo estudo do IMDS, inicialmente, é prudente analisar a fonte dos dados. A lista construída é mais concisa em comparação à lista original fornecida pela Forbes pela redução de um número comparativo (95) e a vinculação das pessoas herdeiras à sua dinastia familiar.

Globalmente, a Forbes contou 2.640 fortunas de dez dígitos, em 2023, abaixo das 2.668 do ano anterior. Ao todo, os bilionários do planeta possuíam US$ 12,2 trilhões, uma queda de US$ 500 bilhões em relação a março de 2022.

Quase metade da lista tornou-se “mais pobre” (sic) diante um ano antes, incluindo Elon Musk, ao cair do primeiro para o segundo lugar depois da sua cara aquisição do Twitter afundar as ações da Tesla. Bernard Arnault, presidente da gigante de bens de luxo LVMH, assumiu o seu lugar como a pessoa mais rica do mundo: a primeira vez de um francês.

Os Estados Unidos ainda ostentavam o maior número de bilionários, com 735 membros da lista possuindo, coletivamente, US$ 4,5 trilhões. A China (incluindo Hong Kong e Macau) permaneceu em segundo lugar, com 562 bilionários possuidores de US$ 2 trilhões, seguida pela Índia, com 169 bilionários somando US$ 675 bilhões.

Para obter patrimônio líquido atualizado diariamente de todos os 2.640 bilionários, a Forbes selecionou a amostra com preços de ações e taxas de câmbio de 10 de março de 2023. “Valoriza uma variedade de ativos, incluindo empresas privadas, imóveis, arte e muito mais. Não se pretende conhecer o balanço privado [DIRPF] de cada bilionário”. Desse modo, a metodologia da Forbes quanto ao conteúdo da riqueza é uma “caixa-preta”, mas suas variações acompanham, provavelmente, as oscilações da New York Stock Exchange (NYSE), a bolsa de valores de Nova Iorque.

No caso brasileiro, a metodologia da Forbes americana unificou a fortuna de Vicky Safra e seus filhos, colocando essa família no primeiro lugar, com uma fortuna estimada em US$ 16,7 bilhões (R$ 84,8 bilhões). O segundo lugar ficou para Jorge Paulo Lemann, com riqueza de US$ 15,8 bilhões (R$ 80,3 bilhões). Somando os parceiros na empresa 3G, proprietários da maior cervejaria do mundo, quatro aparecem até o sexto posto, juntamente com a família Safra e o cofundador do Facebook, agora em capital de risco.

Seguem-se nomes conhecidos das Finanças (André Esteves, dinastias Moreira Salles, Villela, Bozano, Porto Seguro, Daycoval, C6 etc.), farmacêuticas, medicamentos (EMS), cosméticos (como Natura e Avon), JBS, Globo, véio reacionário da Havan, Grendene, supermercados (GPA e Mateus), fertilizantes, petroquímicos, celulose (Suzano e outros), agronegócio (como Amaggi), Votorantim, Multiplan etc.

Algo comum entre eles é terem operações em dólares, capazes de fazer arbitragem cambial, na economia globalizada. Dos 62 integrantes do ranking divulgado em abril de 2022, apenas 51 continuaram tendo mais de US$ 1 bilhão em patrimônio um ano depois. A fortuna dos bilionários brasileiros somou US$ 160,4 bilhões (R$ 814,8 bilhões).

Diferentemente do dito pelo estudo do IMDS, as fortunas dos bilionários serem explicadas “pela dinamicidade do ambiente de negócios de cada país ou pelo grau de liberdade dos indivíduos para negociar e empreender”, parece-me suas variações serem devido às predominâncias de opiniões/rumores na bolsa de valores. E não na brasileira.

Segundo a Matriz do Patrimônio Financeiro, elaborada pelo Banco Central do Brasil, em dezembro de 2022, o estoque do Patrimônio Financeiro Bruto (PFB) da economia brasileira, incluindo ativos e passivos com não residentes, alcançou R$ 72,6 trilhões, equivalente a sete vezes o PIB. O saldo consolidado, excluindo posições intrasetoriais (em média, cerca de 18% do PFB), atingiu R$ 59,3 trilhões (seis vezes o PIB).

Pela ótica da economia nacional, os ativos financeiros brutos totalizaram R$ 63,6 trilhões, dos quais 92% aplicados no país e 8% no exterior. Os passivos financeiros brutos da economia nacional alcançaram R$ 67,6 trilhões, 87% captados no país e 13% junto a não residentes. A diferença entre eles, com os passivos maiores diante dos ativos ao longo da série, representava o endividamento líquido junto aos não residentes.

No fim de 2022, este passivo financeiro líquido junto ao resto do mundo alcançou R$ 4 trilhões (40% do PIB), aumento de 19% no ano. Esse crescimento refletiu a apuração, a valor de mercado, das participações de não residentes nas empresas de investimento direto não listadas em bolsa, substituindo as estimativas pelo valor contábil.

Em relação aos instrumentos financeiros no total do PFB, destaque para ações e outras participações: 29% deste estoque na posição de dezembro de 2022. Em seguida estavam títulos de dívida (20%), empréstimos (17%), cotas em fundos (16%) e depósitos (8%).

Esse ponto deve ser destacado: um estoque de riqueza imputado por valor de mercado aos grandes proprietários estrangeiros. Na Bovespa, de 2019 a 2023, a participações dos investidores estrangeiros se elevou de 45% em 2019 para quase 55% em 2022 e 2023. A de investidores individuais caiu de 21,4% em 2020 para 13,8% em 2023. Investidores institucionais se mantiveram em torno de 27%, instituições financeiras 4%, outros 1%.

O volume total negociado em ações à vista na B3 caiu de R$ 8 trilhões em 2021 para R$ 7,2 trilhões em 2022 e R$ 6 trilhões em 2023. Entretanto, deve-se comparar com os investimentos em ações dos clientes Private Banking (PB), segundo a ANBIMA: embora tenham se elevado 16% de R$ 560 bilhões em 2022 para R$ 648 bilhões em 2023, mantiveram a participação relativa no portfólio de 30%, considerando os diversos fundos de ações e a renda variável diretamente em ações. Arcaram com custo de oportunidade.

Todo o Varejo possuía R$ 77 bilhões em fundos de ações e R$ 231 bilhões em ações, ou seja, R$ 309 bilhões eram menos da metade do PB. Representava só 7% do seu portfólio.

Enfim, a partir dos dados oficiais, deduzimos o grande fator de enriquecimento das Pessoas Físicas (e não dos brasileiros bilionários em dólares) ter sido a política de juros reais, para a renda fixa, como substituta da correção monetária. Foi implementada pelo Banco Central do Brasil, desde a implantação do regime de meta de inflação.

A média anual da taxa Selic de 2001 a 2023 foi 12% aa contra a média da inflação de 6,3%, resultante em juro real médio anual de 5,4%. Houve os ciclos de 2001-2008 (16,8% contra 7%), 2009-2013 (9,6% contra 5,9%), 2014-2017 (12,2% contra 6,6%), 2018-2021 (4,9% contra 5,7%) e 2022-2023 (12,7% contra 5,1%). Depois do ciclo inicial de juro real médio anual de 9,2%, o último foi o maior (7,2%), acima do “ciclo golpista” de 5,2%.

Não à toa, também devido à maior (e fácil) “bancarização”, propiciada por bancos digitais e fintechs, com farta distribuição gratuita de cartões de crédito, o número de contas do Varejo se elevou de 144 milhões em 2022 para 159 milhões em 2023. No início desse último ciclo altista da Selic, em março de 2021, eram cerca de 130 milhões. O “povo” brasileiro está aprendendo a guardar dinheiro, aplicado em renda fixa, com a sobra – planejada ou não, isto é, por “sorte” – da renda do trabalho.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]


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