Por ANTONINO INFRANCA*
O objetivo da análise de Lukács é demonstrar que a concepção nazista do mundo é um produto da evolução ideológica da burguesia alemã
Em 1933, após a ascensão de Hitler ao poder, Lukács escreveu para Moscou, logo após fugir de Berlim, um longo ensaio intitulado Wie ist die faschistische Philosophie in Deutschland entstanden? (Como surgiu a filosofia fascista na Alemanha?), que permaneceu inédito até 1982. O livro reconstrói o nascimento da ideologia fascista na Alemanha, desde a reação irracionalista contra a filosofia hegeliana até a própria ideologia nazista. Lukács analisa a influência de Schopenhauer e Nietzsche na intelectualidade alemã, tanto acadêmica quanto não. De fato, nem Schopenhauer nem Nietzsche nunca fizeram parte da academia alemã que, mais, tarde foi influenciada pelas filosofias deles em relação a certos estratos da sociedade civil alemã. Em vez disso, a sociedade civil foi influenciada pela política cultural bismarckiana ou pelo período guilhermino, com os historiadores Treitschke e Meinecke. Lukács destaca o fato de que filósofos e sociólogos prestigiados do início do século XX, como Max Weber ou Simmel, aderiram à cultura imperialista bismarckiana e guilhermina, aprovando – no caso de Weber – entusiasticamente a entrada da Alemanha na guerra em 1914.
A adesão da academia alemã à concepção irracionalista do mundo foi também seguida, no período pós-guerra, pela fraqueza da social-democracia alemã, que foi incapaz de contrariar a entrada da Alemanha na guerra e depois interveio para sair dela apenas após o resultado desastroso dos eventos. Na verdade, aqueles que assinaram o armistício de Compiègne foram os mesmos que deveriam ter detido Guilherme II em 1914 e, em vez disso, aprovaram os “créditos de guerra”, ou seja, os social-democratas. O livro reflete o clima político da época, isto é, quando os social-democratas eram considerados os “irmãos gêmeos” dos fascistas e os comunistas rejeitavam qualquer aliança antifascista; portanto, após 1928, quando as Teses de Blum foram redigidas e após a grande crise de 1929, Lukács declarou que o critério determinante na escolha dos filósofos alemães a serem criticados foi a posição deles em relação a Marx. O livro tem sua importância na história do desenvolvimento do pensamento de Lukács, pois, pela primeira vez, os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 foram citados, os quais Lukács havia lido, em 1930, em Moscou. Este livro foi precedido por escritos nos quais começa a análise da fascização da cultura.
O livro começa com uma análise da sociedade alemã, logo após a ascensão de Hitler ao poder. Lukács afirma que entre alguns estratos da burguesia alemã há um descontentamento, resultado do crescimento da crise dos anos 30, descontentamento que se estende às camadas proletárias, porque, sem dúvida alguma, um papel determinante na tomada do poder pelos nazistas foi desempenhado pela crise de 1929 e a subsequente decepção das massas. Na prática, o problema da Alemanha após a tomada do poder por Hitler é o papel do proletariado, o que remete a outro problema: a existência ou não do sistema capitalista, ou seja, ainda em 1933, a questão é a mesma do primeiro pós-guerra. Lukács intui que o sentimento anticapitalista entre as massas é tão forte a ponto de a classe dirigente alemã temer que as massas adiram ao comunismo. Lukács tem a esperança de que os opositores do nazismo possam derrubar completamente a estrutura do sistema capitalista na Alemanha, libertando os trabalhadores da exploração e aproveitando a crise de 1929, que foi uma das causas da ascensão do nazismo ao poder. No entanto, o confronto histórico é entre fascismo e comunismo; a democracia é excluída da luta pelo domínio da Europa.
O objetivo da análise de Lukács é demonstrar que a concepção nazista do mundo é um produto da evolução ideológica da burguesia alemã. A burguesia alemã, ameaçada pela revolução proletária, migrou para o campo do nazismo e adotou sua visão de mundo, sem se distanciar muito de seus fundamentos ideológicos. A alternativa é a aliança entre trabalhadores e intelectuais, ou seja, vem da capacidade dos intelectuais de retornar aos valores fundamentais do marxismo-leninismo e dos trabalhadores de recuperar sua consciência de classe. É necessário transformar a alteridade do trabalhador em relação à sociedade capitalista.
A adesão ao materialismo dialético é considerada por Lukács como a ferramenta indispensável na luta antinazista. Com essa afirmação, Lukács rejeita sua obra História e Consciência de Classe e denuncia seus erros, como a limitação do materialismo à sociedade humana e a impossibilidade de uma dialética da natureza, como defendia Engels. Esta é a primeira vez que Lukács se distancia de sua obra de 1923 e de todos os seus entusiásticos apoiadores. Logo depois, Lukács explica o pano de fundo cultural por trás da reconstrução da absorção da filosofia alemã na concepção nazista do mundo. Lukács reconhece que ele mesmo viveu essa experiência de vida em sua juventude. O que ele escreve neste ensaio tem o mesmo tom de autobiografia que pode ser encontrado em A destruição da razão, mas, ao mesmo tempo, é a medida da diferença de sua própria experiência de vida e de seu pensamento em relação a muitos de seus antigos amigos. Aqui são explicadas as razões de sua crítica, mas também de sua relativa adesão ao stalinismo na luta antinazista, que remontam até mesmo a sua rejeição juvenil da própria origem de classe.
A ideologia nazista distingue-se pela confusão de ideias, confusas numa síntese que apenas superficialmente parece coerente, mas que tem como objetivo final a alegada reconciliação das concepções opostas das classes sociais. Além disso, a ideologia nazista recorre ao uso do mito para difundir e impor a própria ideologia, tratando esse mito como se fosse ciência. Portanto, a cientificidade é abandonada em favor do mito, e a anti-cientificidade é elevada a uma concepção científica a ponto de entrar na academia. Dessa maneira, a intelectualidade alemã completa sua involução ao se aliar ao nazismo. O caos ideal substitui a reconstrução das causas das coisas concretas. A condição ideal da ideologia nazista é semelhante à famosa metáfora hegeliana da “noite em que todas as vacas são pretas”. A ideologia fascista pode até conter críticas válidas ao capitalismo, mas mistura-as com enormes falsidades, incapaz de superar os limites da sociedade burguesa. No entanto, é inegável que o fascismo apoie o capitalismo monopolista e que corroa a filosofia anterior a ele com o uso de uma linguagem impregnada de um léxico biológico.
Embora com diferenças e nuances marcantes, o anticapitalismo romântico converge na concepção nazista da sociedade. Contudo, Lukács reconhece sua importância. Enquanto é a dialética que diferencia o materialismo histórico e dialético de qualquer outra tendência crítica da sociedade burguesa. As outras tendências críticas percebem o mal-estar da sociedade capitalista monopolista, mas não conseguem remontar a causa dessa insatisfação. Nem mesmo os social-democratas sabem resolver a insatisfação das massas proletárias que, com isso, se aproximam da ideologia nazista. Aliás, os social-democratas assimilavam o nazismo ao bolchevismo, negando qualquer possibilidade de aliança antinazista, procurando, assim, servir de apoio à ideologia burguesa. Na realidade, a luta pela “razão” burguesa e social-democrata era a anulação da dialética e do materialismo e o trabalho de convencer o proletariado alemão a aceitar passivamente todas as ações para consolidar a ordem social e econômica burguesa. Lukács sugere que a social-democracia não soube se distanciar da concepção de mundo burguês, acabando por continuar no caminho da decadência burguesa. Na verdade, para Lukács, a traição social-fascista remonta a Lassalle e às suas concessões à política de Bismarck.
A grande consequência desta “razão” purificada pela dialética é a exaltação da necessidade em detrimento da liberdade e da prática, a tal ponto que a liberdade se torna irracional, no máximo pode ser a liberdade da exploração capitalista. Isso é a “Realpolitik sem princípios” para Lukács. Além disso, a retomada do formalismo ético kantiano permite tanto aos intelectuais burgueses quanto aos social-democratas pregarem uma universalidade ética que foge das condições concretas da vida proletária. Assim, ocorre uma abstração dos problemas da vida cotidiana e é proposta uma solidariedade abstrata que, muitas vezes, se transforma em um socialismo religioso de coloração romântica. Dessa maneira, constitui-se uma unidade dos contrários, na qual, no entanto, os elementos em conflito permanecem existentes; não é a identidade dos contrários, típica do idealismo italiano, onde os opostos são cancelados.
No parágrafo “A fraqueza da oposição de esquerda”, Lukács renova seu ataque a Rosa Luxemburgo e à sua contraposição com a concepção bolchevique de organização, da relação entre massas e classe, classe e partido, partido e direção política. Lukács também acusa Rosa Luxemburgo de rejeitar a concepção dialética do marxismo. O marxismo de Rosa Luxemburgo, portanto, permaneceu dentro do quadro da Segunda Internacional. Além disso, esteticamente, Rosa Luxemburgo está ligada às posições pró-Schiller, de Franz Mehring, que causaram essa confusão ideológica na esquerda alemã e impediu uma reação à onda nazista. Sem dúvida, esse ataque de Lukács revela uma posição ideológica muito rígida, um leninismo sem nuances, que não supera as críticas que Rosa Luxemburgo dirigiu a Lenin, que não admite aberturas nem mesmo às tendências mais radicais da social-democracia alemã.
Por outro lado, Lukács argumenta continuamente, ao longo de todo o volume, que aqueles que enfrentam o fascismo sem uma ação decisiva, apoiados por uma teoria bem-organizada, acabam por escolher entre nuances do próprio fascismo e não conseguem evitá-lo. Assim, a social-democracia alemã, que não conduziu uma ação política decisiva e passou a adotar um marxismo superficial, acabou por se transformar numa componente orgânica do sistema fascista e seus adeptos migraram para as fileiras dos nazistas.
No entanto, no meio da análise polêmica da situação alemã logo após a ascensão do nazismo ao poder, e até mesmo para esclarecer os fundamentos de sua polêmica, Lukács expõe algumas de suas ideias fundamentais sobre política, nas quais fica claro sua rejeição às imposições ideológicas, inclusive e sobretudo de cima, assim como fica claro o apelo aos interesses fundamentais das massas, isto é, à reprodução da vida dos seres humanos por meio do trabalho, verdadeira força real, e com ela a liberdade de ação. Lukács está profundamente preocupado com o abandono das massas pelos social-democratas e a consequente participação deles na ideologia nazista; vê esse abandono como resultado do distanciamento do partido social-democrata da sociedade civil, mas o abandono é comum a todos os partidos da República de Weimar e esse espaço deixado vazio será preenchido pelo nazismo.
Parecemos vislumbrar algumas das algumas ideias políticas do último Lukács. A crença dele, de que o proletariado trará uma nova cultura e novas formas democráticas para a sociedade política, é forte.
O segundo ensaio contra a ideologia fascista, Wie ist Deutschland zum Zentrum der reaktionären Ideologie geworden? (Como a Alemanha se tornou o centro da ideologia reacionária?), foi escrito por Lukács no inverno de 1941-42 em Taskent, para onde foi evacuado por medo da rendição de Moscou. Foi escrito, como Lukács mesmo afirma, logo após ter rejeitado o ataque a Moscou. O ensaio estava pronto para a tradução para o francês em 1947, mas não foi nem traduzido nem publicado. Algumas partes acabaram no primeiro capítulo de A destruição da razão, mas aqui eu quis traduzi-las. Este ensaio, portanto, foi escrito quando os primeiros sinais da crise militar do nazismo se manifestaram, assim como o anterior foi escrito na véspera da ascensão ao poder do nazismo, ambos são escritos dedicados a uma luta política particularmente aguda.
Lukács afirma que a fraqueza da democracia alemã também está na fragilidade de sua concepção de mundo. Trata-se de um fator subjetivo que sempre esteve presente na história alemã. Este fator subjetivo é indicado por Lukács com a denominação “miséria alemã”, que consiste no respeito pela autoridade, mesmo quando não se concorda com as decisões dessa autoridade. Essas classes médias encontram na filosofia de Nietzsche uma filosofia consoladora, que justifica sua recusa e rebelião contra a ordem existente. Essa miséria interior contrasta com a riqueza intelectual de algumas figuras proeminentes da cultura alemã, e Lukács analisa duas delas: Goethe e Hegel, que são as duas figuras tradicionalmente referenciadas em sua própria evolução intelectual. Lukács encontra nos humanistas clássicos alemães a tradição que ele pretende continuar em seu próprio projeto político-intelectual.
A diferença mais significativa entre os dois ensaios sobre a análise da cultura alemã pré-nazista e nazista está no julgamento sobre a social-democracia alemã; se no primeiro havia a condenação da social-democracia como social-fascismo, no segundo o tom é mais moderado. Permanecem as acusações de ceder à violência política do nazismo, mas os tons da crítica nesta ocasião refletem o clima político internacional alterado e, principalmente, a guerra, e, portanto, a aproximação de Stalin aos antigos inimigos “social-fascistas”, agora aliados na luta antifascista. Lukács vê reconhecida a validade de sua linha política expressa nas Teses de Blum, de 1928, de aliança entre comunistas e social-democratas, quer dizer, em um momento histórico em que Stalin impunha sua linha do “social-fascismo”, enquanto Lukács propunha a aliança com os chamados inimigos de classe da social-democracia. Nesta crítica à cultura alemã, Lukács se dá uma tarefa que gostaria de estender a todos os comunistas: analisar a tradição cultural alemã para recuperar as raízes progressistas dessa cultura e não deixá-las sob a hegemonia cultural conservadora e reacionária. Era, afinal, a mesma tarefa que Engels se propusera.
Agora o julgamento de Lukács sobre a cultura alemã pré-nazista é mais equilibrado, há, sobretudo, uma clara diferença entre a intenção dos vários filósofos alemães pré-nazistas e o resultado alcançado, ou seja, a influência que as obras deles tiveram sobre os leitores alemães, já preparados por uma tradição de irracionalismo difundida na Alemanha pré-nazista. O irracionalismo, aliado ao agnosticismo e à anticientificidade, é o sintoma da decadência do pensamento burguês. Também neste segundo ensaio, Lukács lembra, mas com mais detalhes, que o irracionalismo foi uma reação da cultura alemã às aberturas do humanismo clássico alemão que, por sua vez, sofreu fortemente a influência da Revolução Francesa. O próprio Fichte, que se autoproclamou paladino das guerras de libertação da ocupação napoleônica, não rejeitou totalmente os temas do humanismo clássico, mas se preocupou em traduzi-los em um pensamento político, ainda que nacionalista. Para Lukács, até mesmo alguns eminentes representantes do romantismo alemão se posicionaram a favor de uma democratização da sociedade alemã, mas não tiveram capacidade suficiente de penetração na cultura de massa alemã.
A ruptura ocorre com a Revolução de 1848, quando a burguesia alemã teme perder o controle sobre a sociedade civil em benefício dos incipientes movimentos socialistas. Mais uma vez, as massas alemãs amedrontam a minoria burguesa. Para Lukács, neste segundo ensaio, a burguesia alemã ainda vive as consequências da resistência e da opressão que a nobreza alemã colocou em prática contra o movimento dos camponeses de Thomas Müntzer. A história se repetiu com as mesmas consequências nefastas. Primeiro Schopenhauer e depois Nietzsche conseguiram monopolizar a reação cultural da burguesia alemã contra o perigo dos movimentos sociais que surgiam de baixo. Schopenhauer se dirigiu à burguesia do emergente capitalismo alemão, que herdou da antiga burguesia formas culturais superficiais, feias e que se deleita em misturar a superficialidade cultural e o esplendor teatral da vida. Nietzsche acabaria até mesmo acusando Bismarck, um inteligente conservador, de ter sido muito liberal e democrático com os socialistas e deveria ter varrido com a mesma determinação com que derrotou austríacos e franceses. Na prática, para Nietzsche, os socialistas eram bárbaros estranhos à Alemanha que haviam penetrado em seu corpo para provocar a doença mortal da democracia.
A função de Schopenhauer e Nietzsche foi a de tranquilizar a burguesia, propondo-lhe argumentos totalmente inventados e caídos do céu: os mitos da estranheza da cultura alemã à democracia, adequada, ao contrário, aos países capitalistas como França e Inglaterra, e da possibilidade de a Alemanha ter um próprio caminho nacional para a capitalização de sua economia. O mito é apontado por Lukács como a construção ideal totalmente desvinculada da realidade que a cultura alemã propõe à sociedade civil. Assim, se Schopenhauer distraía a cultura alemã com uma filosofia consoladora em sua angústia de viver, Nietzsche construía mitos como o super-homem ou a ciclicidade histórica que levariam a Alemanha a dominar o mundo, como merecia enquanto nação de patrões e não de escravos.
Lukács analisa detalhadamente como a cultura imperialista foi capaz de se apropriar desses mitos para construir uma missão alemã no mundo: difundir o mito de sua superioridade sobre as outras nações europeias. A justificativa dos seus ambiciosos objetivos expansionistas torna-se o caldo cultural para permitir ao imperialismo alemão qualquer ação, mesmo as da pior barbárie. Já se sabe que na guerra contra a França em 1870, as tropas alemãs em alguns casos se comportaram de maneira bárbara em relação aos cidadãos franceses, como Maupassant relata em suas Novelas prussianas. A situação foi ainda pior durante a ocupação da neutra Bélgica no início da Primeira Guerra Mundial. A barbárie nazista foi claramente antecipada pelas práticas imperialistas alemãs, justificadas pela missão civilizadora da raça superior alemã. Spengler e Rosenberg são os ideólogos dessa autojustificativa: o primeiro sugerindo aos seus leitores alemães o fim do Ocidente, ao qual somente a Alemanha pode pôr um freio, o segundo declarando que um novo Reich com novos líderes políticos poderá não apenas deter a crise do Ocidente, mas também relançar a missão civilizadora ocidental a partir das nações ocidentais, se estas aceitarem de bom grado e colaborarem com a obra civilizadora da Alemanha.
Resumindo, no primeiro pós-guerra, duas tendências se confrontam. Por um lado, a social-democrata, que busca mobilizar as massas para uma reforma do capitalismo alemão em um sentido maioritário, mas que não possui força suficiente para enfrentar os problemas fundamentais do capitalismo alemão e, sobretudo, cai na armadilha da justificativa do Tratado de Paz de Versalhes e das necessárias medidas econômicas restritivas em relação aos trabalhadores. Por outro lado, a tendência nacionalista de uma minoria feroz, que mais tarde se tornou nazista, de retomar o projeto imperialista guilhermino, mas com medidas ainda mais radicais, pretenciosas e sem escrúpulos. Como sabemos, essa tendência foi a vencedora, com as consequências que conhecemos.
Diante da iminência da guerra, muitos intelectuais alemães cederam sua capacidade de julgamento e se posicionaram a favor da guerra imperialista desejada por Guilherme II. O apoio deles à guerra também implicou na aceitação de ações militares particularmente cruéis, como a invasão dos países neutros Bélgica e Luxemburgo. Naturalmente, Lukács se distanciou desse consenso e rompeu relações com seus “mestres”, em especial com Max Weber. Assim como em algumas passagens do primeiro livro, também neste segundo podemos perceber vestígios da formação filosófica de Lukács. É sabido que Lukács havia mostrado uma inclinação para o anticapitalismo romântico, e neste segundo ensaio também há menções a argumentos como o excesso de estetização, que eram típicos do jovem Lukács, dos quais ele se distanciaria ao aderir ao movimento comunista. As alusões autobiográficas à sua trajetória existencial nos levam a reiterar que ele também dedicou sua longa e rica vida e obra a uma autodisciplina ascética, que subordinou seus interesses pessoais à expressão de suas convicções. O próprio Lukács, na juventude, se comportou igual aos filósofos alemães que está criticando e, também vale lembrar, que Lukács, que escreveu estas linhas em Taskhent em 1942, fugiu no ano anterior, 1941, da polícia stalinista, que o havia prendido e muito provavelmente o teria executado ou enviado para um campo de concentração na Sibéria, sem a providencial intervenção de Dimitrov. Isso foi o suficiente para repensar toda a sua vida.
Na parte final do ensaio, porém, Lukács coloca o problema da herança do nazismo. Ele se pergunta qual Alemanha estará pronta para a necessária democratização de suas sociedades política e civil. Lukács reconhece que o povo alemão é reacionário; a cultura irracionalista penetrou muito profundamente na cultura nacional alemã, e precisam lidar com essa herança. O problema é poder avaliar se o nazismo é uma “doença”, como a mesma tese liberal gostaria de apoiar, como a interpretação de Croce do fascismo como uma “invasão dos Hicsos”. Se o nazismo foi uma doença temporária, então podemos temer a vontade de uma nova tendência conservadora de continuar a história da Alemanha da República de Weimar, como se nada tivesse acontecido. Ainda em 1942, a amplitude e a profundidade da tragédia do Holocausto não haviam sido totalmente reveladas, embora já houvesse alguma intuição sobre o que eram os campos de concentração nazistas. Quando a verdade emergiu com toda a sua crueldade, percebeu-se que não se podia simplesmente retornar à época de Weimar, como depois de uma “doença” temporária.
Se considerarmos os dois ensaios juntos, podemos observar que no segundo a análise de Lukács é mais genérica e menos detalhada do que no primeiro ensaio. E essa diferença é bastante compreensível. No primeiro ensaio, a ascensão de Hitler ao poder era mais recente e, portanto, a consciência da derrota era mais imediata. De fato, observam-se, por um lado, considerações sobre a incapacidade do comunismo, devido à “traição” social-democrata, de mobilizar as massas contra o perigo reacionário, juntamente com o reconhecimento da habilidade nazista em mobilizar as massas alemãs a seu favor. Por outro lado, Lukács entra em mais detalhes na análise da ideologia nazista, mostrando todo o conteúdo irracionalista dela, juntamente com a surpresa de como tal conteúdo poderia atrair a simpatia da intelligentsia alemã que, de outra maneira, deveria estar acostumada às alturas da grande cultura humanista alemã. Este último aspecto emerge, porém, no segundo ensaio, no qual prevalece uma análise mais geral da história da cultura alemã em relação à análise da situação política da recente derrota, contida no primeiro ensaio. Com efeito, no segundo ensaio, Lukács se questiona sobre como a cultura alemã se apresentará diante de sua degeneração irracionalista, uma vez que a derrota militar era considerada inevitável já em 1942, ou seja, um ano antes da vitória em Stalingrado.
Dentro do curso da evolução do pensamento de Lukács, esses dois ensaios têm a função de preparar o terreno para a publicação de A destruição da razão, que, apesar das objeções de alguns críticos do pensamento lukácsiano, ainda é uma grande obra de história da filosofia. Naturalmente, uma obra dessa amplitude não pode alcançar um consenso universal, assim como esses dois ensaios também não podem, mas, como no caso de A Destruição da Razão, não se pode negar que esses dois ensaios também mostram toda a profunda capacidade analítica de Lukács. De fato, ambos os ensaios, assim como A destruição da razão, não deixam de reconhecer tanto Schopenhauer quanto Nietzsche e suas capacidades reflexivas sobre questões individuais. Lukács, porém, observa como os dois filósofos, considerados juntos, formam uma tendência de filosofia irracionalista que, durante suas vidas, não teve qualquer influência sobre a cultura acadêmica, tanto é que tanto Schopenhauer quanto Nietzsche não encontraram lugar nas universidades alemãs e fizeram dessa rejeição um ponto de partida para suas críticas à cultura oficial da Alemanha na época. Apesar desse reconhecimento por parte de Lukács, obviamente ainda haverá uma pequena minoria de seus críticos que permanecerá firme na condenação desses dois ensaios, precisamente por serem preparatórios para A destruição da razão, mas, como se diz, não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir.
Comparado com A destruição da razão, o primeiro ensaio tem um viés mais político, embora o encerramento daquele com a exaltação do movimento pela paz também tenha sua relevância política. Naturalmente, há quem tenha condenado essa exaltação do movimento pela paz, considerando-a uma posição stalinista. Essa crítica pode parecer uma piada, mas, infelizmente, expressa claramente o preconceito ideológico daqueles que criticaram o livro. No segundo ensaio, há a preocupação política sobre qual Alemanha herdará a derrota do nazismo, mas a situação histórica é muito diferente de 1954, ano da publicação de A destruição da razão, assim como é diferente a situação histórica do primeiro ensaio, que é de 1934. Mas a questão mais importante é que o desenvolvimento irracionalista da filosofia alemã passou para o campo político: tornou-se uma ideologia e da pior espécie, isto é, uma barbárie.
Passados noventa anos no caso do primeiro ensaio e mais de oitenta anos no caso do segundo, surpreende que alguns temas tratados neles retornem à atualidade no presente imediato. O crescimento político das extremas-direitas na Europa apresenta impressionantes paralelos com a situação política analisada por Lukács. Se então o socialismo causava medo, entendido como um elemento estranho em relação à sociedade política, agora a questão da imigração da África e da Ásia assume o lugar do perigo socialista, mas com o agravante de que a rejeição do estranho passou da sociedade política para a sociedade civil. Mesmo agora, os imigrantes são vistos como corpos estranhos à sociedade civil europeia, quando, na verdade, são o resultado de séculos de imperialismo europeu, que destruíram as riquezas econômicas, sociais e culturais dos países de origem dos imigrantes e agora negam, ou melhor, escondem, sua responsabilidade na origem desse problema. Da mesma maneira, a sociedade política da década de 1930 na Alemanha ocultava das massas trabalhadoras que a desastrosa situação econômica da Alemanha era consequência da política imperialista alemã, agravada pela crise econômica de 1929.
A chegada maciça de massas de imigrantes dá origem ao mito da pureza cultural da Europa, ou pior ainda, do Ocidente. A cultura oficial europeia, especialmente a acadêmica, esconde os fatos objetivos da história ocidental. A primazia europeia foi construída sobre a destruição apocalíptica da América, entendida no seu sentido amplo de todo o continente americano. A transferência de riquezas minerais, como ouro e prata, para a Europa, permitiu o surgimento do capitalismo europeu. Ao mesmo tempo, a transferência de alimentos, como milho, batata, tomate, chocolate, tabaco etc., da fértil e abundante América para a pobre e miserável Europa, alimentou as massas europeias que até então sofriam diariamente de fome. A própria concepção de Ocidente surge dessa transferência de riqueza da América para a Europa, em contraposição com o Oriente que, na época, era claramente mais rico e mais avançado científica e tecnologicamente do que o Ocidente. Não se pode esquecer o custo humano dessa transferência de riqueza, quer dizer, o extermínio de populações indígenas pré-colombianas na América, com todo o seu rico patrimônio de línguas, culturas e tradições, do qual resta uma memória reduzida.
O nazismo retomou e fortaleceu o conceito de raça para encontrar uma justificativa ideológica para sua obra imperialista de extermínio de povos e culturas estranhas àquela alemã. Seu modelo foi precisamente a conquista apocalíptica realizada em nome do deus da paz e do amor, portanto, ainda mais paradoxal e hipócrita em relação à pureza racial alemã. Tanto os conquistadores espanhóis e portugueses na América Latina quanto os colonos protestantes na América do Norte destruíram e mataram para espalhar o cristianismo. Com a religião, justificaram essa obra de apocalipse, porque o deus deles não poderia ter dado tantas riquezas naturais a povos que não acreditavam nele, então, era preciso tirar deles o que não mereciam. Os nazistas também pretendiam destruir e saquear a União Soviética, porque era a pátria do comunismo, mas, ao mesmo tempo, sua população eslava merecia se tornar escrava da Alemanha para construir o grande Reich do futuro, visto que uma raça superior merecia um papel superior na história mundial.
Hoje, quer-se defender aquele Ocidente e aquela Europa resultantes do Apocalipse americano. Obviamente, pode-se objetar, com razão, que a Europa de hoje não é a mesma da conquista da América, porque entre elas está a Revolução Francesa e os grandes valores do Iluminismo. Exceto pela verdade pouco reconhecida de que esses grandes valores do Iluminismo eram válidos apenas para a Europa, se não mesmo para a França, ou melhor ainda, para a burguesia francesa. Do mesmo modo, esses grandes valores do Iluminismo eram válidos apenas para os colonos brancos dos Estados Unidos. A revolta dos escravos negros do Haiti, em nome desses grandes valores do Iluminismo, realizou precisamente a universalidade desses valores, então pode-se dizer que foram os escravos que fizeram a verdadeira revolução.
Hoje, quer-se defender aquele Ocidente e aquela Europa com todos os seus grandes valores iluministas contra as vítimas do domínio ocidental sobre o planeta, contra até mesmo seus críticos, repropondo mitos irracionais como os do progresso e da superioridade europeia. Os defensores desse domínio podem ser colocados no mesmo patamar dos críticos da análise lukácsiana do irracionalismo alemão. Lukács criticava uma cultura tanto em sua fase inicial quanto em sua fase final, mas também nosso Ocidente atual está em uma fase final, e os intelectuais da direita europeia voltam a propor e revalorizam o Ocidente, assim como Spengler fez nos anos 30. Mas, como Marx ensina, agora a história está se repetindo como farsa. O aspecto dramático desta farsa é o fechamento das fronteiras para os imigrantes; um fechamento tornando-se ainda mais apocalíptico pela pretensão de ajudar os imigrantes “na casa deles” com as esmolas que a União Europeia propõe aos governos deles, que no fundo foram impostos pelo próprio Ocidente para tornar ainda mais radical a exploração das riquezas da África e da Ásia.
Em resumo, a história se repete, e isso sim seria o eterno retorno do igual.
*Antonino Infranca é doutor em filosofia pela Academia Húngara de Ciências. Autor, entre outros livros, de Trabalho, indivíduo, história – o conceito de trabalho em Lukács (Boitempo). [https://amzn.to/3TZgN8E]
Tradução: Juliana Hass
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