O posto Ypiranga de Sergio Moro

Imagem: Cottonbro
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CARLOS TAUTZ*

Celso Pastore e 1964: o ano que teima em não acabar

A longa entrevista de Sergio Moro no dia 16 de novembro a Pedro Bial já revela quem o ainda poderoso Grupo Globo vai apoiar na campanha à Presidência da República em 2022. Através do Programa Entrevista Com Bial, a Rede Globo presenteou Moro, terceiro nas pesquisas de intenção de voto para presidente, com enorme exposição pública. Nos longos minutos em que expôs na tela suas feições gélidas, o ex-juiz repetiu seu único mantra: o combate à corrupção.

Sobre economia, pandemia, fome e desemprego – pautas que deveriam permear qualquer manifestação de todo candidato -, Moro e sua nítida incapacidade cognitiva repetiu platitudes, esgrimiu frases feitas e só tratou de dizer aquilo que o senso comum já sabe. Jogou na retranca, para não dizer besteira.

Até aquele momento, não havia sido feita pela TV ou demais veículos do Grupo Globo uma só menção ao tour político de Lula na Europa – apesar de o petista, em primeiro lugar nas mesmas pesquisas de intenção de voto, ter sido recebido como Chefe de Estado pelo Presidente francês Emmanuel Macron, aplaudido de pé no Parlamento Europeu e elogiado por Olaf Scholz, que deve ser o próximo chanceler da Alemanha.

O Jornal Nacional, o produto televisivo do grupo que continua sendo uma das principais fontes de informação da classe média brasileira, só foi mencionar a viagem de Lula, pela primeira vez, em sua edição da quarta (17). E, mesmo assim, não para registrar os pontos que Lula marcou na Europa.

De forma protocolar, o JN mostrou que, no mesmo dia, o ocupante do Palácio do Planalto Jair Bolsonaro passeara de motocicleta cedida pelo emir do Catar, em mais uma de suas inúteis e suspeitíssimas viagens oficiais ao Oriente Médio.

O mero confronto de uma e de outra viagem dos candidatos prova a pequenez moral e política que é Bolsonaro.

O que moveu a Globo desqualificar o ocupante do Palácio do Planalto. Com sangue nos olhos contra Bolsonaro, que sempre a ameaça de não renovar a concessão e lhe nega a publicidade que faz jorrar na Record, a Globo comparou a mediocridade galopante do genocida miliciano com o tour de estadista que Lula faz na Europa.

Assim, para alcançar seu objetivo, a Globo nem se importou em reconhecer o avanço de Lula, que a emissora persegue politicamente há décadas e para cuja prisão política em 2018 muito contribuiu.

 

O posto Ypiranga de Moro

Na entrevista ao um compungido Bial, que concordava com cada balbuciar de Moro, o ex-ministro da Justiça revelou quem será seu principal conselheiro econômico em caso de vitória nas eleições do ano que vem.

Moro mimetizou Bolsonaro, que certa vez admitiu entender nada de nada e que faria do inepto Paulo Guedes (aquele das contas milionárias em paraísos fiscais) seu Ministro e guru econômico.

Pois, implicitamente Moro adotou a linha nada com nada inaugurada por Bolsonaro. Revelou a Bial que o seu Posto Ypiranga será Afonso Celso Pastore, um burocrata com muitos serviços prestados à ditadura empresarial e militar de1964, consultorias a grupos empresariais brasileiros e participação ativa em aparelhos privados de hegemonia (APH) com sede nos EUA.

(Nota de meio de página: APH é um conceito desenvolvido pelo filósofo italiano Antonio Gramsci para definir associações de indivíduos ou grupos sociais organizados para disseminar na sociedade e desenvolver e operar no Estado conceitos, políticas e ações que visam a permanentemente reforçar os valores da classe social a que estes indivíduos ou grupos pertençam.)

Agora, esta ressuscitação de Pastore tem fortes significados.

Prova que continuam vivas as ideias reacionárias de 1964 e as estruturas que as viabilizam. São as mesmas que produziram há 57 anos um golpe de classe liderado empresários e militares apoiados pelos EUA.

Mas, a escolha do velho economista também dá sinais de como a extrema-direita no Brasil projeta sua estratégia futura. Bolsonaro e sua abjeta sujeição aos EUA e Moro e seus vínculos secretos com o Departamento de Justiça são uma espécie de herdeiros da visão segundo a qual o Brasil deve se alinhar e submeter à geopolítica de Washington.

Por isso é importante revelar a trajetória política de Pastore, conhecer suas ligações orgânicas e descobrir a linha política que ele emprega em seu trabalho.

A seguir, eu recupero a linha histórica de alguns dos cargos e dos vínculos de Pastore, desde que ele começou a se vincular com a estrutura do Estado no Brasil.

Os dados brutos a seguir constam do verbete PASTORE, Afonso Celso, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os comentários complementares devem ser atribuídos à falta de paciência com que o autor deste texto lida com acólitos e apaniguados de 64.

 

Pastore, uma cronologia seletiva (como a Lava Jato)

A saga entreguista de Pastore começou em 1966, dois anos após o golpe, quando ele passou a assessorar o então Secretário Estadual de Fazenda de São Paulo, Delfim Neto. Juntamente com Roberto Campos, Delfim era o ícone neoliberal da ditadura e, em longeva e polivalente capacidade, estendeu até os governos do PT, no século 21, a sua capacidade de dar palpites sobre a economia.

Em 67, Pastore foi com Delfim para o Ministério da Fazenda e lá passou a integrar o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso. A Aliança foi uma estratégia do então presidente dos EUA, John Kennedy, para deter o avanço das ideias socialistas na América Latina (em outras palavras: apoio político e militar às ditaduras da época).

Entre 73 e 76, Pastore participou do National Bureau of Economic Research, um APH que promovia políticas públicas liberais.

De 74 a 76, a convite da USAID (a famigerada agência estadunidense de imposição de políticas públicas pró-EUA), assessorou a ditadura do Uruguai. Em 75 e 76, Pastore foi trustee do International Research Institute, mais um APH e, em 77, trabalhou como consultor do Comitê Empresarial Brasil-Estados Unidos, que abre espaço para os grandes grupos econômicos dos EUA no Brasil.

Em 79, Pastore foi Secretário de Fazenda do notório corrupto governador José Maria Marin, este mesmo que agora no século 21 foi presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e que se encontra preso nos EUA por corrupção.

De 83 a 85 (no governo do general ditador Figueiredo, o último do longo ciclo de 64), Pastore presidiu o Banco Central para cumprir uma missão muito especial: adequar a política monetária às exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, em 84, renegociou a dívida externa, que nunca foi auditada.

Em 99, tornou-se membro do Conselho de Administração do Grupo Gerdau – aquele que talvez seja o mais orgânico entre os grandes grupos econômicos no Brasil – e desde 2006 assessora grupos econômicos privados através da consultoria A. C. Pastore & Associados.

E cá estamos todos de volta a 1964: o ano que teima em não acabar.

*Carlos Tautz é jornalista e doutorando em história contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ricardo Antunes Ari Marcelo Solon Bernardo Ricupero Paulo Fernandes Silveira Elias Jabbour João Carlos Loebens Gerson Almeida José Costa Júnior Sandra Bitencourt Eleutério F. S. Prado Jorge Branco Armando Boito Daniel Brazil Marcelo Guimarães Lima Marilena Chauí Walnice Nogueira Galvão Manchetômetro Leonardo Sacramento Carlos Tautz Eugênio Bucci José Raimundo Trindade Gilberto Lopes Paulo Martins Dennis Oliveira José Machado Moita Neto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Francisco Fernandes Ladeira Lincoln Secco João Adolfo Hansen Érico Andrade Anselm Jappe Liszt Vieira Marcos Aurélio da Silva Everaldo de Oliveira Andrade Paulo Sérgio Pinheiro Slavoj Žižek Jorge Luiz Souto Maior Thomas Piketty Airton Paschoa Renato Dagnino Michael Löwy Claudio Katz Alysson Leandro Mascaro Paulo Nogueira Batista Jr Daniel Costa Rubens Pinto Lyra Priscila Figueiredo Luiz Roberto Alves Luciano Nascimento Otaviano Helene Alexandre Aragão de Albuquerque Michael Roberts Mário Maestri Marilia Pacheco Fiorillo Eduardo Borges José Luís Fiori Denilson Cordeiro Caio Bugiato João Carlos Salles José Geraldo Couto André Márcio Neves Soares Tadeu Valadares José Dirceu Bento Prado Jr. Rafael R. Ioris Luiz Carlos Bresser-Pereira Francisco Pereira de Farias Samuel Kilsztajn Gilberto Maringoni Ronald Rocha Leda Maria Paulani Heraldo Campos Annateresa Fabris Flávio R. Kothe Paulo Capel Narvai Luiz Marques Rodrigo de Faria Manuel Domingos Neto Luiz Werneck Vianna Andrew Korybko Alexandre de Lima Castro Tranjan Jean Pierre Chauvin Salem Nasser Michel Goulart da Silva Gabriel Cohn Plínio de Arruda Sampaio Jr. João Feres Júnior Maria Rita Kehl Ricardo Musse Valerio Arcary Celso Frederico Luiz Bernardo Pericás Marcus Ianoni Andrés del Río João Sette Whitaker Ferreira Luiz Eduardo Soares Leonardo Boff Julian Rodrigues Milton Pinheiro Fábio Konder Comparato Afrânio Catani Fernão Pessoa Ramos Ricardo Fabbrini Carla Teixeira Valerio Arcary João Lanari Bo Berenice Bento Luis Felipe Miguel Leonardo Avritzer Alexandre de Freitas Barbosa Kátia Gerab Baggio Francisco de Oliveira Barros Júnior Eugênio Trivinho Igor Felippe Santos Ricardo Abramovay Henri Acselrad Vladimir Safatle Vinício Carrilho Martinez Antônio Sales Rios Neto Tarso Genro Daniel Afonso da Silva Osvaldo Coggiola Ladislau Dowbor Lucas Fiaschetti Estevez Remy José Fontana Boaventura de Sousa Santos Jean Marc Von Der Weid Marjorie C. Marona Eliziário Andrade Mariarosaria Fabris Benicio Viero Schmidt Tales Ab'Sáber Ronaldo Tadeu de Souza Luís Fernando Vitagliano Lorenzo Vitral Juarez Guimarães Sergio Amadeu da Silveira Bruno Machado Henry Burnett Marcelo Módolo Antonio Martins Chico Alencar João Paulo Ayub Fonseca Marcos Silva Celso Favaretto José Micaelson Lacerda Morais Eleonora Albano Luiz Renato Martins Bruno Fabricio Alcebino da Silva Fernando Nogueira da Costa Ronald León Núñez Antonino Infranca Atilio A. Boron André Singer Flávio Aguiar Chico Whitaker Dênis de Moraes Yuri Martins-Fontes Matheus Silveira de Souza Vanderlei Tenório

NOVAS PUBLICAÇÕES