Rankings de cidades – informações e distorções

Imagem: João Nitsche
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Por GREINER COSTA & LUÍS FERNANDO VITAGLIANO*

Os rankings produzem informação que as instituições oficiais de estatística nacional não fazem e não devem fazer: hierarquizar desenvolvimento e qualidade de vida de cidades

Nos últimos meses alguns sites de notícias divulgaram índices de avaliação de cidades produzidos por entidades privadas. Os títulos variavam de forma geral com expressões do tipo: “Cidades sustentáveis”, “Cidades inteligentes”, “Cidades com melhor qualidade de vida”, “Cidades mais arborizadas do Brasil e do mundo”, “Cidades excelentes”…

Esses rankings produzem informação que as instituições oficiais de estatística nacional não fazem e não devem fazer: hierarquizar desenvolvimento e qualidade de vida de cidades por meio de avaliação e notas entre “melhores” e “piores”.

Usando ou não indicadores oficiais para construção de índices, sempre haverá um ‘viés’. Em especial porque, intencionalidade à parte, hierarquizar indicadores e ponderar valores por meio de pesos e notas gera relevância a um ou outro elemento do cálculo. Em instituições oficiais existe um esforço para afastar o viés. Em instituições que constroem voluntariamente seus índices o viés pode ser bem-vindo como reforçador de argumento.

Os anos eleitorais como o atual são oportunidades para dar visibilidade à estratégia de valorização dessas pesquisas mensuráveis. Esse ano, como não poderia ser diferente, surgiram ao menos dois novos índices, que casaram sua divulgação com a proximidade do início do período eleitoral de 2024.

Na aparência, a produção de avaliações de gestões municipais ou de qualidade de vida em cidades surge como assunto nobre em portais jornalísticos. Na essência, a produção de índices se tornou um “mercado” recheado de empreendedores privados que oferecem prêmios, vendem assessoria etc.

O período pré-eleitoral concentra potenciais clientes ávidos por notícias a seu favor ou contrárias a seus adversários. É um terreno espinhoso onde cada equipe de gestão, em especial às vésperas de eleição, pode contratar “assessorias” ou pode escolher um índice que lhe favoreça para chamar de seu. Para o público em geral, o que pode ser observado nos comentários às matérias nos sites, o sentimento predominante muitas vezes é de estranheza com os resultados para sua cidade.

Pode soar fantasiosa a atribuição de notas e rankings em que pequenos municípios, com menos de 10 mil habitantes, sendo colocados lado a lado com cidades com mais de 500 mil ou comparados com capitais e metrópoles com milhões de habitantes. Outro ponto que leva a dúvidas é o exercício de comparar municípios de regiões metropolitanas, cidades conturbadas, com outras de mesmo porte populacional, mas que estão afastadas dos grandes centros e são de fato polos regionais. Da mesma forma pode parecer um descuido acrescido ao viés inerente a índices fazer comparações entre cidades com perfil socioeconômico muito distinto e renda per capta diversas.

Por cautelas, escolhemos fazer aqui breve painel de ponderações observando os resultados recentes de seis desses estudos para cinco cidades do estado de São Paulo, com população entre 200 e 300 mil habitantes (IBGE 2022). Dados referentes a PIB per capta ou extensão territorial de cada município sempre podem variar muito a cada caso. Os dois recortes aqui adotados, restringir a um estado e escolher uma faixa populacional média, são suficientes para que sejam verificadas discrepâncias realmente existentes nos resultados divulgados. Devido à variedade de objetivos, critérios, metodologias e bases de dados potencialmente utilizadas, não cabe questionar resultados caso a caso, mas à ideia geral de “ranking” entre cidades.

Para selecionar as cidades, verificamos que o estado de São Paulo tem 16 municípios com população entre 200 e 300 mil habitantes. Definimos por cidades nessa faixa populacional, sendo uma próxima à capital, mas que não é da RMSP, uma da região metropolitana de Campinas, uma do litoral e duas de diferentes regiões do interior. Certamente poderiam ser definidas outras. No quadro geral a escolha não altera o ponto que buscamos analisar: os resultados dos índices são muito diversos e em geral não se prestam a muita coisa a não ser espalhar informação duvidosa para desavisados e para marqueteiros em período eleitoral.

Tabela 01 – cidades selecionadas

  Guarujá Indaiatuba Jacareí Marília São Carlos
População 287.634 255.748 240.275 237.627

254.857

PIB per capita   Posição Brasil: R$ 36.751,08   1.698º /5570 R$ 89.869,47    263º /5570 R$ 67.472,37   510º /5570 R$ 41.355,48   1.421º /5570 R$ 55.894,44   790º /5570
PIB da Cidade Posição SP:   46º /645   15º /645   28° /645   48º /645   35º /645
Fonte: IBGE (Elaboração própria)

Os estudos analisados são:

Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M). Criado em 2015 pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo para medir a eficiência das Prefeituras paulistas.[i]

Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR), do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), no Programa Cidades Sustentáveis (PCS), com apoio do apoio do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).[ii]

Ranking Connected SMART CITIES – as cidades mais inteligentes do Brasil (setembro/2023).[iii]

IPS BRASIL 2024 – O Índice de Progresso Social é elaborado pelo PS Brasil, em colaboração com outras entidades da Amazônia e o Social Progress Imperative.[iv]

Melhores Cidades para fazer Negócios – URBAN SYSTEMS – O estudo é produzido anualmente para a Revista EXAME. A edição 2023 é a 10ª realizada. [v]

INVESTE SP / GOVERNO DE SP – Índice de Cidades Empreendedoras (ICE). [vi]

Na Tabela 2, a seguir, é apresentado um quadro comparativo dos índices atribuídos a cada uma das cidades da Tabela 1.

Tabela 02 – Visão geral das avaliações

 

Guarujá

Indaiatuba

Jacareí

Marília

São Carlos

IEG-M TCESP (2023)

C+

B

C+

C+

C

IDSC-BR (2023)   Nível de desenvolvimento:

50,98 /100 1.305º /5570 Médio

61,30 /100 14º /5570 Alto

52,63 /100 921º /5570 Médio

52,14 /100 1021º /5570 Médio

57,78 /100 198º /5570 Médio

Smart Cities (2023) – Posição Geral (Brasil)

29,380 72º

31,311 37º

29,762 63º

Não está entre os 100 listados

Não está entre os 100 listados

IPS – Brasil (2024)

61,12 /100 1.549º /5570

70,47 /100 6º /5570

64,32 /100 566º /5570

64,61 /100 511º /5570

70,96 /100 3º /5570

Urban Systems, posição por Segmentos (Br-2023) – Comércio: – Educação: – Agropecuária:

Não citado entre os 100 Não citado Não citado

    29º Não citado 72º

71º Não citado 12º

Não citado 74º 97º

51º Não citado 85º

Índice INVESTE SP, (posição Brasil)

77º /101

Não está na lista de 101

Não está na lista de 101

Não está na lista de 101

Não está na lista de 101

Fonte: Elaboração própria; fontes diversas discutidas neste artigo presentes na citação.

A Tabela 2 expõe diferenças entre avaliações e notas para as cidades. A rigor não é esperada grande dispersão de notas em metodologias consistentes, que partem das mesmas bases de dados. Um dos procedimentos importantes na construção de metodologia de pesquisa estatística é a observação de discrepâncias entre indicadores. Alguns pontos de atenção:

Segundo o Estudo do IEG-M TCESP (2023) todas estariam em uma faixa muito próxima de avaliação com notas “C”, “C+”, com apenas Indaiatuba pouco acima, apresentando avaliação “B”;

A pior nota no IEG-M do TCE é a de São Carlos, a melhor a de Indaiatuba;

Apenas indaiatuba tem nível de desenvolvimento considerado alto pelo IDSC-BR;

Indaiatuba é a melhor colocada pelo índice geral Smart Cities com posição 37º entre as cidades do Brasil; nesse estudo Marília não aparece em nenhum dos recortes;

Indaiatuba e São Carlos estão na posição 72º e 46º no recorte Educação do índice Smart Cities, e não aparecem entre os 100 listados no segmento Educação do Urban Systems;

Causa estranheza ver Guarujá, com todos os evidentes problemas com criminalidade noticiados à exaustão nos últimos anos, aparecer como 8ª posição no ranking Smart Cities, recorte segurança;

São Carlos é posição 198º no IDSC-BR, não é listada no índice geral Smart Cities nem entre as melhores cidades nos recortes Urbanismo, Meio Ambiente e Tecnologia e Inovação do mesmo índice; e não aparece no segmento Educação do Urban Systems nem entre as 101 cidades listadas no INVESTE SP, mas estranhamente aparece como 3º lugar nacional no índice IPS-BR;

Apenas Guarujá é listada pelo índice INVESTE SP.

Surpreende ver Jacareí à frente de Marília e São Carlos no segmento Agropecuária, Urban Systems.

Interpretações possíveis

É necessário enfatizar que não se trata de desqualificar trabalhos de avaliação de cidades e muito menos os institutos e profissionais que os fizeram. Em todos os estudos aqui selecionados há preocupação com transparência das fontes e são relatadas metodologia, bases de dados consultadas e procedimentos para ponderação de notas conforme o foco de interesse de cada índice.

O que pode ser verificado, mesmo com esta pequena amostra, é que o viés gerado por notas gerais pode confundir mais que explicar. Essa divergência mostra que não é o melhor caminho para estes estudos buscar as manchetes nos jornais e sites de notícias destacando o ranking. Quem seria a cidade mais inteligente do Brasil ou a mais segura ou a melhor para morar? A pergunta está errada e leva a distorção. Este meio de chamar a atenção traz consigo maior margem a dúvidas, questionamentos, ironias, afetando a credibilidade do estudo devido a resultados que geram um sentimento de estranheza nas pessoas.

Uma alternativa adotada pelo TCE SP para o IEG-M é a definição de faixas de avaliação e as cidades que estariam em cada uma delas. Isso afasta o ranqueamento. Desta forma os estudos poderiam apontar quais são as cidades que estejam a cada ano em uma situação de desenvolvimento sustentável e/ou de qualidade de vida com uma nota A (o melhor, alto nível); outras estariam em nível B, outras na faixa de avaliação C ou D ou E, por exemplo.

Essa simples alteração no padrão de pontuação e avaliação inviabilizaria comparações desnecessárias, que ocorre quando uma cidade aparece como a melhor do Brasil em algum índice e para outro estudo está na posição 200 ou 900… Ruído e energia dispendida, manipulação e polêmica desnecessárias.

Cabe finalmente, uma breve observação sobre o perfil de classe nestas avaliações. Certamente as cidades médias e grandes do interior de São Paulo sempre podem estar em listas de cidades bem avaliadas por critérios como desenvolvimento, ambiental, acesso a serviços, educação, saúde ou tecnologia.

Mas é evidente: famílias de maior renda ou que vivem em áreas de melhor estrutura urbana certamente terão uma qualidade de vida ou uma percepção de sustentabilidade ambiental de sua cidade diferente em relação a quem nas mesmas cidades vive em áreas periféricas ou de submoradia. Há um recorte de renda e de classe social, acesso a serviços etc. que avaliações genéricas e gerais não abrangem ou no final das contas a dança das notas esconde.

*Greiner Costa é engenheiro, especialista em planejamento e gestão pública.

*Luis Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.

Notas


[i] Com foco em infraestrutura e processos, avalia as políticas públicas em sete setores da administração: saúde, planejamento, educação, gestão fiscal, proteção aos cidadãos, meio ambiente e governança em tecnologia da informação. Nesse índice as cidades com melhor avaliação têm a Nota A, as piores terão C. Ver neste link.

[ii] A Plataforma Cidades Sustentáveis reúne uma base de 260 indicadores associados às áreas de atuação da administração pública e um banco de boas práticas com casos exemplares de políticas públicas nacionais e internacionais, como referências para inspirar os municípios. Ver neste link.

[iii] O Ranking divulgado é composto por 74 indicadores em 11 eixos temáticos. O estudo considera o “Conceito de Conectividade” como a relação existente entre os diversos setores analisados. O conceito de “Smart Cities” aponta para só haver desenvolvimento quando os agentes de desenvolvimento de uma cidade compreendem a conectividade entre todos os setores; investimentos em saneamento estão atrelados não apenas a ganhos ambientais, mas também com o tempo poderão reduzir atendimentos em saúde básica e gerar impactos em governança e na economia local. A edição 2023 desse Ranking coletou dados e informações dos municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes (CENSO IBGE 2022), totalizando 656 cidades, sendo: 41 com mais de 500 mil habitantes, 278 com 100 a 500 mil habitantes e 337 com 50 a 100 mil habitantes. Ver neste link.

[iv] Elaborado em colaboração entre o IMAZON, a Fundação AVINA, outras entidades da Amazônia, e o Social Progress Imperative (elaborado pela primeira vez em 2024 prevê ser atualizado anualmente). Seu objetivo é medir resultados em desenvolvimento social, não apenas investimentos, para avaliar se as necessidades básicas da população estão sendo atendidas. É composto por 53 indicadores secundários de fontes públicas sociais, ambientais e que medem resultados, não investimentos. Essas variáveis foram agregadas em um índice geral, com nota de 0 a 100, e índices para 3 dimensões (Necessidades Humanas Básicas, Bem-estar e Oportunidades) subdivididos em 12 componentes. Ver neste link.

[v] O resultado final é uma hierarquização de cidades com base em seis conjuntos de indicadores levando a um resultado geral e a resultados por segmentos econômicos: Comércio, Serviços, Indústria, Mercado Imobiliário, Construção Civil, Educação, Saúde e Agropecuária. Ver neste link.

[vi] Produzido pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que leva em conta os municípios mais populosos e analisa sete critérios: Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Inovação, Capital Humano e Cultura Empreendedora. (Dados de 2023) Ver neste link.


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