Breves notas sobre a eleição

Imagem: Soner Arkan
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Por DIOGO FAGUNDES*

A eleição comprovou que 2022, de fato, havia sido uma exceção. Lula só ganhou por ser o Lula e por Jair Bolsonaro ter cometido muitas barbaridades em plena pandemia

A respeito do segundo turno das eleições municipais, cabe mencionar alguns pontos.

1.

A eleição comprovou que 2022, de fato, havia sido uma exceção. Lula só ganhou por ser o Lula e por Jair Bolsonaro ter cometido muitas barbaridades em plena pandemia. No entanto, ao apossar-se do governo, a esquerda não soube fazer muita coisa para melhorar a correlação de forças. Dois anos se passaram e o governo federal não parece ter virado um grande cabo eleitoral. Mesmo que partidos da base “aliada” (ênfase nas aspas), como o PSD kassabista, tenham se fortalecido, isto não teve nada a ver com a reivindicação do governo ou da figura de Lula, ao contrário do passado.

Aquele Lula capaz de transferir muitos votos e eleger até postes, visto entre 2008 e 2012, não existe mais. As eleições possuem dinâmicas locais próprias, mas é cinismo ignorar a correlação com a conjuntura nacional ao mesmo tempo em que se justifica o fracasso de 2016 em São Paulo com o argumento de que o cenário nacional havia inviabilizado Fernando Haddad.

Será que não deveria ser feito um balanço a respeito destes dois últimos anos? Por que a esquerda não conseguiu utilizar a máquina federal como trampolim político, a fim de reverter o cenário reacionário em voga desde 2015? Isto não tem algo a ver com a prioridade de uma agenda que pouco diz respeito às necessidades urgentes das maiorias populares?

O fato é: a correlação de forças institucional piorou. 2026 será um embate mais difícil a partir dos resultados deste outubro.

2.

O balanço duro não deve jogar Guilherme Boulos aos leões. O problema não foi de candidato – havia nome melhor? – mas de linha política.

Guilherme Boulos repetiu o caminho de Marcelo Freixo: apostou numa diluição ideológica quase liquidacionista (no começo da campanha até escondia sua biografia!), perdendo a autenticidade que originalmente havia lhe rendido popularidade.

Trata-se de uma versão ingênua de “realismo”, um senso comum de políticos quando querem ser espertos e “amadurecer”: basta muito marketing, perda de nitidez política, adaptação ao mais do mesmo enfadonho, com direito a muita fofurice e infantilidade. O resultado é que, em vez de ampliar, perde suas qualidades que lhe diferenciavam da pasmaceira. Como Lacan falava: “os não-tolos erram”.

A verdade é que a campanha começou errada, ao se pautar pelo medo e pela passividade, na busca desesperada por diminuir rejeição, em vez da elevação do moral e mobilização de sua tropa – o único jeito de vencer seria através da criação de uma grande onda de mobilização e esperança. Não teve êxito algum na tarefa e agora Guilherme Boulos ficará com estigma de alguém incapaz de ampliar e vencer para cargos majoritários.

Lembremos que Guilherme Boulos ficou rigorosamente na mesma: aumentou em apenas 200 mil votos, o mesmo número de Ricardo Nunes em relação a Bruno Covas. A diferença é que naquela eleição, Guilherme Boulos era um nome desconhecido e azarão, com uma campanha sem dinheiro, estrutura e alianças, enquanto o prefeito era um nome (ou melhor dizendo, um sobrenome) bem melhor e mais respeitável. Então, mesmo perdendo, obteve uma vitória política – algo como Lula em 1989 em escala bem menor e com menos importância histórica.

Desta vez, o prefeito era um grande medíocre e desconhecido, cheio de esqueletos no armário, e Guilherme Boulos teve uma campanha muito cara (mais de 80 milhões), com apoios de nomes fortes (Lula, Marta Suplicy) desde o primeiro turno. Dez vezes mais dinheiro para obter os mesmos resultados é a definição de fracasso.

Para ser honesto, mesmo a ideia de “ficou na mesma” é enganosa, pois em 2020 Guilherme Boulos havia ganhado em todo o fundão da zona sul, além de duas zonas no extremo leste. Desta vez, perdeu em todo lugar da periferia, com duas exceções: Valo Velho e Piraporinha. O “cinturão vermelho” já era.

Vale ainda sublinhar os níveis europeus de descrença no processo eleitoral: as abstenções ganharam de Guilherme Boulos (2,9 milhões contra 2,3 milhões). Se somarmos com brancos e nulos, temos 42% de pessoas que não optaram por qualquer candidato.

3.

Porto Alegre merecia um bom estudo. Como que o prefeito do desastre vivido pela cidade pode ter ganhado com tanta facilidade? Por que o PT escolheu Maria do Rosário, um nome sabidamente com grande rejeição? A capital gaúcha tinha tudo para ter virado algo análogo à Bolonha dominada pelo PCI, ao nos transportarmos para o final do século passado: sede do Fórum Social Mundial, do orçamento participativo, do “modo petista de governar”… Onde foi parar este legado?

Mesmo em capitais onde a esquerda foi vitoriosa (Fortaleza), o resultado foi apertado e há um bom saldo político para figuras desqualificadas da extrema direita. A real é que a direita radical, pós-bolsonarista, passou por um processo de cissiparidade: há uma ala “pragmática” e outra aloprada e psicodélica. Vimos esta disputa no segundo turno em Goiânia e Curitiba, assim como no fenômeno Pablo Marçal contra Tarcísio e Nunes. Longe de indicar fraqueza, esta divisão é sinal de um movimento forte e consolidado o bastante a ponto de poder se dar ao luxo de suas disputas internas passarem a dominar a paisagem política.

Fora isso, o que há de promissor? O cirismo terminou de se afundar, o PCdoB encolheu ainda mais rumo à insignificância, o PSOL também teve um saldo negativo (de cinco prefeituras para nenhuma, com direito a um grande vexame em Belém) e há um vazio de lideranças novas para o pós-Lula. Os nomes que poderiam ocupar esse papel (Guilherme Boulos, Flávio Dino, Manuela d´Avila) foram todos tirados de campo, seja por fracasso eleitoral, ida ao STF ou abandono da carreira política. Com exceção do bom desempenho da jovem e combativa Natália Bonavides em Natal, a renovação é muito ruim, se comparamos com a quantidade de jovens nomes da direita alucinada.

A única coisa que parece bem-sucedida no campo da “frente ampla” governista são nomes que não são propriamente de esquerda: Eduardo Paes, João Campos, o desempenho razoável da estreante Tabata Amaral. Mesmo o principal cabo eleitoral do PT nestas eleições (o ministro cearense Camilo Santana) não é alguém exatamente conhecido por posições de esquerda. Ou seja, pode ser que o legado do lulismo, em uma situação pós-Lula, escorra para figuras de um “campo democrático” mais difuso e com menos identidade histórica e ideológica com a esquerda brasileira. Alguns balanços de figurões petistas – como Quaquá – já parecem apontar uma aposta nesta direção.

*Diogo Fagundes é mestrando em Direito e graduando em Filosofia na USP.


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